Capítulo 10

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Meu cochilo está recheado de sonhos perturbadores. O rosto do garoto moreno se mistura com imagens sangrentas de edições anteriores dos Jogos Vorazes, é meu irmão em uma versão mais velha, afastado e inalcançável, apresentando-se como Tributo. Acordo berrando para que ele corra porque alguém o atingiu nas costas. A manhã está surgindo na janela. A Capital está com um ar enevoado e fantasmagórico. Minha cabeça dói e devo ter apertado meus dentes um no outro durante a noite, porque os sinto sensíveis. Passo a língua em alguns e resmungo um pouco.

Lentamente, arrasto-me da cama até o chuveiro. Aperto aleatoriamente diversos botões no painel digital e acabo saltando no boxe quando jatos de água gelada e quente alternam seus ataques sobre meu corpo, vindos de todos os lados. Então, sou inundada de espuma com aroma de lavanda que sou obrigada a esfregar no corpo com uma pesada e áspera escova. Estou na sala de jantar e me servindo em completa solidão, aparentemente ninguém acordou ainda. Minha mente vagueia até minha mãe e meu pequeno irmãozinho. Eles já devem estar de pé. Minha mãe preparando o café que eles comem de manhã. Zyan quebrando tudo que se imaginar e que estiver ao seu alcance dentro de casa, ou talvez pulando em meu colchão e gritando perguntas para minha mãe. O dia quente me faz pensar que se o clima for o mesmo lá, ele vai implorar para tomar um banho de mar, mesmo reclamando das algas que grudarem em seus pezinhos.

Quero chorar.

Finnick e Peter aparecem juntos, me desejam bom dia e enchem seus pratos das mesmas coisas que o meu. Não perco os olhares e risadinhas que ambos dão quando olham para mim. Vou chuta-los e apenas isso me alegrará. Resolvo ignorar, pois se foi algo que fiz na noite anterior e não me recordo, prefiro deixar como está. De repente, me transporto para os momentos em que éramos crianças, essas risadas eram parte do nosso dia, risadas que ele dividia comigo.

— Vamos ao que importa.— Finnick empurra o prato quando finaliza e nos olha. Mags está entrando na sala com um sorriso.— Vocês terão 3 dias de treino junto com os outros Tributos, aconselho não mostrarem suas maiores qualidades, treinem outras coisas que não são tão bons enquanto estiverem lá.

A simples ideia de ficar cara a cara com os outros Tributos já me deixa enjoada. Viro e reviro em minhas mãos o pãozinho que acabei de tirar da cesta, mas meu apetite sumiu.

No distrito 4 há árvores assim como a maioria dos outros, mas são aquelas árvores para enfeitar, a única "floresta" envolta é de palmeiras, se alguém quiser subir não terá nem mesmo onde se apoiar, o território é basicamente de areia que foi coberto por ruas de paralelepípedos. Não teria como eu aprender subindo em uma das árvores da cidade. Sei que preciso trabalhar nisso.

Estou começando a me desiludir da ideia de que poderia ganhar. Não sei o básico de sobrevivência, e não gosto da forma como Peter parece saber mais que eu, nem da forma como ele está me olhando. O rosto está neutro, mas há uma pequena satisfação em seus olhos. Ele não me vê como ameaça.

Ignoro o resto das coisas que Finnick e Mags dizem, estou tão irritada que Lark precisa chamar meu nome duas vezes para que eu perceba que ele entrou na sala e está me chamando para o seu "treinamento". Passo a manhã inteira em uma sala enorme com um sofá que cabe 10 de mim. Ele me coloca para ver televisão de entrevistas passadas e manda eu relatar algumas baboseiras.

Mags me acorda na hora do almoço, pois aparentemente eu dormi, e meu caderninho está vazio. Não me importo, não é como se Lark genuinamente fosse corrigir algo. Foram às 4 horas mais desperdiçadas da minha vida.

Pela tarde, Finnick e eu estamos de volta ao andar de treinamento do Distrito 4. Ele passa horas me explicando técnicas e coisas que eu nunca havia reparado antes, me auxilia na parede de escalada, mas se distrai com a chegada de Mags e não está lá quando eu estou despencando provavelmente uns 2 metros. Cai com um baque surdo no tatame, o impacto em minhas costas, por mais que tenha sido amortecido, me deixa com falta de ar.

— Porra. — xingo.

Escuto uma risada e me irrito. Nem para fingir preocupação. Finnick está pairando acima da minha cabeça, me olhando com o rosto vermelho, ele não consegue parar de rir. Ele me levanta de uma vez só e meu corpo reclama, arrasto-me até um sofá e me jogo querendo descansar um pouco.

— Desculpe, linda.— Finnick pede. Eu o perdoaria se ele parasse de falar tanto. — Mas você está indo bem, é pequena, mas é rápida e ágil. Estou com esperança.

O olho com tédio, esses comentários parecem idênticos ao comercial que vi na televisão da Capital, é superficial e eu sei que está mentindo. Demorei o triplo de tempo que ele para chegar pelo menos na metade da parede, se eu pensar em subir em uma árvore na hora de alguma fuga, sou pega antes de cogitar à ideia. Meus braços são fracos e sem músculos, não tenho força, minha única habilidade que está realmente funcionando é manusear uma katana, e se for a de cabo leve, porque a que Finnick segura é pesada demais.

— Posso ir embora? — pergunto baixo. Estou sentindo que vou desabar em qualquer momento, e não quero fazer isso na frente dos dois, não preciso de mais humilhação.

— Ainda temos 1 hora.— Finnick diz.— Podemos tentar a fogueira agora.

Estou prestes a responder quando vejo Mags falando algo que o loiro presta atenção, depois ele me olha, e sem permissão, seus dedos longos cutucam minha costela, me fazendo rir um pouco. Bato em sua mão o afastando de mim.

— Ela não se machucou.— ele fala para Mags.

— Estou bem, Mags... apenas quero encerrar por hoje.— falo para a antiga vitoriosa, que ainda parece preocupada.

— Depois de hoje só teremos amanhã, Lia, e então você terá o treinamento com os outros.— não deixo de reparar ele usar meu apelido que usava na infância. Ele tenta me convencer, mas não me importo muito. Em uma hora que resta não vou aprender nada, depois disso desligam tudo e somos obrigados a sair da sala.

— Quero encerrar.— repito.

Em poucos minutos estou de volta aos meus aposentos, preparando meu banho. Decido que não jantarei com eles, e ficarei em meu quarto juntando minhas mágoas.

70° edição dos Jogos Vorazes Onde histórias criam vida. Descubra agora