70° edição dos Jogos Vorazes

Capítulo 66

Paramos diante de uma loja cuja fachada está encardida e o interior repleto de manequins vestindo roupas de baixo feitas de pelo. O lugar nem parece estar aberto, mas Cressida passa pela porta, acionando um sininho dissonante. Dentro da loja estreita, parcamente iluminada e com prateleiras e mais prateleiras de mercadorias, o cheiro de pelo de animal penetra meu nariz. Os negócios devem estar devagar, já que somos os únicos clientes. Cressida segue diretamente para uma figura curvada sentada nos fundos da loja.

— Ele está sangrando muito, temos que parar — eu começo a dizer baixinho, para Peeta. Ele está trêmulo e ofegante pelo esforço de carregar meu marido, que depois que ficou inconsciente se tornou ainda mais pesado.

— Acho que ficaremos daqui — ele fala baixinho também.

Atrás do balcão está sentada a pessoa mais estranha que já vi na vida. É um exemplo extremo de cirurgia plástica que deu errado, porque certamente nem mesmo na Capital um rosto como esse poderia ser considerado atraente. A pele foi muito puxada para trás e recebeu uma tatuagem de listras pretas e douradas. O nariz foi achatado até praticamente deixar de existir. Eu já vira bigode de gato em pessoas na Capital antes, mas nada assim tão comprido. O resultado é uma máscara grotesca e semifelina que agora nos encara com olhos estreitos e desconfiados.

— Tigris — diz Cressida. — Estamos precisando de ajuda. Plutarch disse que você era confiável —acrescenta ela.

Tigris rosna baixinho, um rosnado não muito diferente do que o de um animal verdadeiro. Ela escorrega de seu banquinho e desaparece atrás de uma prateleira de perneiras revestidas com pelo. Há o som de alguma coisa deslizando, e então a mão dela emerge e acena para nós. Contorno as peles de roupas ao lado de Katniss e descobrimos que Tigris empurrou para trás um painel na base da parede. Atrás dele, parece que existe a parte de cima de uma íngreme escadaria de pedra. Ela faz um gesto para entrarmos.

Tudo em relação à situação cheira a armadilha. Tenho um momento de pânico e acabo me voltando para Tigris, procurando aqueles olhos alaranjados. Por que será que ela está fazendo isso? Não disponho muito tempo para pensar em sua ajuda suspeita. Carregar Finnick andar acima é mais difícil do que eu imagino, ele é tão pesado e como está inconsciente é como se fosse um grande saco de pedras.

— Preciso de kits médicos, toalhas, analgésicos — eu peço para a mulher que exibe os dentes para mim. Faço todos ajudarem a levar Finnick para dentro, dando ordens para tomarem cuidado com sua perna machucada e cabeça.

É uma pequena sala sem janelas. Ampla e pouco profunda. Provavelmente apenas um espaço entre dois porões de verdade. Um lugar cuja existência poderia passar despercebida a menos que você tivesse um olho bastante aguçado para dimensões. É frio e úmido, com pilhas de peles que acho que não sabem o que é a luz do sol há anos. A menos que fôssemos dedurados por Tigris, não acredito que alguém conseguiria nos encontrar num lugar como este. O painel desliza de volta para a posição de origem. Ouço a prateleira com as roupas de baixo sendo deslocada sobre rodinhas que rangem.

Fazemos uma cama de peles, tiramos suas camadas de coletes e facas e o deitamos de costas. Nos fundos do porão, existe um compartimento de paredes finas e uma cortina, há uma pia a mais ou menos trinta centímetros do chão com um ralo embaixo e um vaso que exala um cheiro ruim. Eu giro a torneira e, depois de muita ferrugem, água limpa começa a fluir. Limpamos o ferimento na perna de Finnick, rasgando sua calça para alcançar a ferida, e percebo que os curativos não serão suficientes. Ele vai precisar de alguns pontos. Tem uma agulha e uma linha esterilizada no kit de primeiros socorros, mas o que nos falta é um médico.

— Eu acho que posso fazer isso — Katniss diz ao meu lado, suas mãos ensanguentadas por me ajudar. — Não ficará perfeito, mas será útil.

— Faça — eu peço, entregando às coisas em sua mão.