Capítulo 51

1.5K 139 1
                                    

Semanas depois

Vocês podem parar de nos tratar como crianças.— escuto à voz abafada de Zyan.— Eu sei que minha irmã não está bem, mãe.

Encosto minha testa ao lado da porta metálica, meu peito apertando mais uma vez enquanto escuto a conversa dos dois. O corredor está vazio e o horário de recolher tocará em pouquíssimos minutos, precisarei estar em meu quarto, mas Cora me pediu ajuda para achar absorventes para minha irmã, agora que ela está se transformando em uma pré-adolescente de verdade. Evitamos contar aos dois menores à verdade, os dois que mais são apegados à Malia e que a faziam companhia em todo o tempo que eu não estava em casa. Perdi a conta das vezes que precisei desviar o assunto de June, de como ela estava se tornando uma coisinha irritada e ameaçadora, me lembrando inteiramente de nossa falecida mãe.

— Não temos notícias, meu amor.— Cora diz baixinho, à voz embargada.— Ela está na Capital, não podemos trazer-la para cá.

— Por quê? Eu vi a quantidade de naves que possuem lá em cima... posso ir busca-la com Finnick.— ele diz baixo.— Podemos distrair os pacificadores, não podemos deixar às duas lá, mamãe.

Às duas.

Nem sei se minha filha está viva, não tenho a mínima ideia. Pelo que Haymitch disse, Malia teve outro sangramento, estava sentindo dor e estava mal. E agora, sabe se lá o que fizeram com ambas.

— Às coisas não são fáceis assim.— Cora murmura.

Eu suspiro, mais de uma vez, antes de abrir à porta e entrar dentro do pequeno quarto onde ficam instalados; minha sogra, meu cunhado e minha irmãzinha. June está dormindo, encolhida na cama que divide com Cora, a boca entreaberta babando em tudo. Seu cabelo se tornou um ninho ruivo bagunçado que está jogado para todos os lados. A cena me deixa um pouquinho melhor.

— Finnick! — Zyan abre um sorrisão, que eu retribuo.— Não vimos você no jantar.

— Eu estava ocupado... com às coisas.— murmuro e me abaixo para bagunçar seus cabelos. Estico o braço entregando a Cora o único pacote que me distribuíram.— June está bem?

— Não é nada perigoso, sabe? — vejo um sorriso pequeno e doce, muito parecido com o da filha.— Sua irmã vai ficar bem, querido.— ela faz uma pausa, me olha dos pés a cabeça.— E você? Como está?

Abro um minúsculo sorriso e aceno com a cabeça. Minha família aqui tem sido a única coisa que me impede de desabar totalmente, eles me tiraram da ala hospitalar e me proibiram de tomar mais morfináceos. Eu estava me tornando uma figura semelhante aos pobres do Distrito 6. Não que agora esteja muito diferente, mas pelo menos tenho com o que me ocupar, e não só pensar no sofrimento agonizante que Malia deve estar sentindo.

— Eu preciso ir, o toque de recolher soará em breve.— eu falo.— Me avise se June não estiver bem?

— Eu aviso! — Zyan faz sinal de contingência. Eu rio e belisco sua bochecha até que ele grite uma risada.— Boa noite, Finnick.

— Boa noite, pirralho.— eu pisco um dos meus olhos e sorrio para Cora.— Sogrinha.

— Boa noite.— diz ela.

Saio do quarto após beijar a testa de June e ajeita-la na cama. O corredor permanece vazio e meus ombros caem na medida que me afasto do quarto. Plutarch conseguiu deixar toda nossa família em um mesmo andar, um privilégio, ele disse. Eu checo meus outros irmãos pelo vidro, vejo a maioria dormindo, outros conversando entre si. Foram divididos em duplas: Tyson e Davi, Theo e Simon, e eu fico com Caio.

— Simon está possesso ainda.— Caio diz assim que entro no quarto.— Não me responde, nem à Theo.

— Ele tem direito de ficar.— eu murmuro, atiro meus sapatos em um canto e me jogo no colchão fino e duro.— Simon tinha direito de escolha.

— E agora provavelmente estaria morto ou na Capital sendo usado de isca contra você.— Caio diz, com raiva.— A namorada dele vai ficar bem, nem mesmo sabem quem ela é. Eles podem se ver depois.

Caio e Theo doparam Simon e o arrastaram para a floresta, no ponto em que combinaram para o aerodeslizador busca-los sem que ninguém visse. Foram dias até despistar os pacificadores, dias até que conseguissem uma chance de escapar, e meu irmão Simon foi dopado todos esses dias. Sei que Luna vai ficar bem, realmente não a conhecem, mas eu também entendo o que é ser separado da pessoa que ama sem nem poder se despedir.

— Onde Davi e Theo passaram o dia hoje? — eu pergunto, lembrando que eles sumiram logo pela manhã.— Aliás, onde você e Simon estavam?

— Davi e Theo estão trabalhando no hospital, aprendendo novas coisas, sabe como eles sempre se interessam nessas paradas curativas durante à escola.— Caio conta, brincando em abrir e fechar um canivete que nem mesmo sei onde ele arrumou, é proibido armas aqui.— Eu estou treinando com os soldados, Simon também, quando vir à guerra, nós estaremos em campo.

— Não.— nego com a cabeça.— Não mesmo!

— Somos maiores de idade, Finnick, não comece novamente a querer agir como nosso pai.— Caio resmunga.— Estou proibido de todas às coisas que gosto enquanto estou nesse lugar, pelo menos farei algo de útil pela primeira vez em anos desde que nossa mãe morreu.

— Não quis vocês aqui para que se jogassem em direção ao perigo, Caio. A intenção é essa, mante-los seguros.— eu falo, irritado também.— Não vão querer estar no meio disso, não vão querer ter mortes nas mãos.

— Você teve, e mesmo assim viveu anos felizes brincando de casinha com Malia.— ele fecha o canivete e o guarda no bolso.— Não vou ficar morfando aqui. Estou aprendendo umas coisas legais, você devia ir.

— Você é muito novo para entrar nisso.— eu pontuo.— Vocês dois são.

— Se liga Finnick, eu tenho 23 anos e Simon um ano a menos. Novo era você quando entrou naquela arena e fez coisas ainda piores. — ele diz passando a mão no rosto, mania que sempre faz quando se estressa.— Eu me sinto melhor fazendo algo, mas se você quiser posso voltar à beber e a causar problemas.

Reviro os olhos e deito de costas para ele, não estando a fim de continuar naquele diálogo. Caio é teimoso, eu poderia implorar para ele não se meter nisso, e ele faria justamente o contrário. E Simon, bom, ele já está muito irritado com todos nós.

Não tenho a situação em meu controle, pela milésima vez, às coisas estão acontecendo e não posso evitar, nem intervir. Estou vegetando nesse quarto minúsculo e pequeno, esperando um milagre cair em meu colo, porque é apenas isso que posso fazer por enquanto.

Durmo chorando como todas às noites.

70° edição dos Jogos Vorazes Onde histórias criam vida. Descubra agora