CAPÍTULO 48 - MORRE UMA ESPERANÇA

78 6 0
                                    


Entro na sala e ainda faltam vinte minutos para a prova. Gabriel está estudando. Vou me sentar.
-Oi! - ele diz.
-Oi.
-Você não disse que voltaríamos a ser amigos? - ele pergunta.
-E voltamos.
-Então, por que sentar-se tão longe? Lembra-se, tenho que te contaminar com meu vírus!
Sento-me ao lado dele.
-Você estudou? - ele pergunta.
-Tentei.
-Quer ajuda?
-Toda ajuda é bem vinda. Você sabe que sou uma mera mortal, não tenho um QI tão elevado! - ele sorri.
-Acho que seu QI está na medida certa. - ele diz.
Pego meu caderno e, quando olho novamente para Gabriel, percebo que seu olhar está brilhando.
-O que foi? - pergunto.
-Nada. Posso perguntar uma coisa?
-Se for sobre a matéria acho que vai ficar decepcionado! - digo rindo - Você é muito melhor nisso que eu.
-Não é sobre a matéria. - ele ri.
-Então, pode perguntar.
-Onde está a sua aliança?
-Hum, essa é a sua pergunta?
-Sim. Simples, não?
-Mais ou menos.
-Por quê? - ele me olha com um olhar diferente.
-Digamos que ela está em casa, dentro da minha bolsa.
-Sei. E ela está lá por quê?
-Houve uma certa briga, por causa de um certo rapaz, que levou uma moça para casa ontem... - digo olhando para ele.
-Desculpe-me, não queria te causar problemas. - ele diz, mas seu olhar não está triste e ele não parece nada arrependido.
-A culpa não é sua, ele só teve uma crise de ciúmes.
-Vocês terminaram? - ele diz quase sorrindo.
-Não, não terminamos.
Seu olhar volta a mudar.
-Então, por que não está usando sua aliança?
-Porque, a princípio, ia terminar. Ele me acusou de estar querendo voltar para você porque tem dinheiro.
-Ele falou isso? E depois você acha que o babaca sou eu! - ele fala sério - Por que voltou atrás, então?
-A gente conversou, me coloquei no lugar dele, vi que forcei a barra também... -Se fosse o inverso, você teria aceitado? - agora pergunto pra ele.
-Não!
-Está vendo? Até você concorda!
-Mas não chamaria você de interesseira.
-Foi isso que doeu, mas disse a ele que essa é a última chance, não vai haver outra. Ou ele confia em mim ou ele segue a vida dele.
-Então, ele corre risco? - ele diz.
-Risco? Só se ele me decepcionar novamente. Sou justa, mas toda paciência tem limite.
-A sua paciência comigo já chegou ao limite? - ele pergunta.
-Não, Ga, não é uma questão de limite, no seu caso. É uma questão de opção.
-Entendo! A faculdade não vai durar para sempre, não é? A gente vai se formar no ano que vem.
-Você ainda tem esperanças? - eu digo.
-Claro, Ann! A esperança é sempre a última que morre, lembra?
O professor entra na sala e distribui as provas.
-Boa prova! - ele diz.
- Para você também!
A prova termina cedo novamente, mas dessa vez não me arrisco a outra carona. Sento-me na entrada da faculdade e prefiro esperar o meu pai. Gabriel não me deixaria ir de metrô e meu pai não vai chegar antes do horário, então, só me resta esperar.
-Quer que te leve em casa? - Gabriel pergunta.
-Depois do que aconteceu ontem? Não! Prefiro evitar mais problemas.
-Vai ligar para o Miguel?
-Não, essa hora ele já deve estar saindo de casa e não vai adiantar em nada ligar agora. - Quer que te faça companhia?
-Não quero que você perca seu tempo, assim você chega mais cedo em casa e pode dormir mais.
-Dormir mais? - ele diz rindo - Eu só faço estágio, lembra-se? Não madrugo todos os dias. Posso muito bem lhe fazer companhia.
-Pode ser. Então, assim podemos estudar um pouco para a prova de amanhã. -Ainda bem que será a última!
-Pode ser. - ele pega o caderno.

Meu celular toca. É Wagner.
-Oi! - atendo, olhando para Gabriel, que me olha com certa tristeza.
-Oi, minha Deusa, já acabou a prova?
-Já sim!
-Tá vindo embora de metrô?
-Não, estou esperando meu pai.
-Mas vai esperar mais de uma hora aí, sozinha?
-Não estou sozinha... - respondo olhando para
Gabriel e ele sorri.
-Preciso perguntar quem está com você? - ele diz com a voz fria.
-Acho melhor não!
Então, já sei quem é. - ele diz
-Confiança. Lembra?
-Não vou te dar um motivo. Se você quiser terminar comigo, será porque você inventou um motivo e não porque eu o tenha lhe dado. - ele diz.
-Não quero terminar com você!
-O que vou fazer agora? O que vou pensar até saber que você está em casa e longe dele?
-Você pode pensar em como tirar a minha virtude! - digo e meu corpo esquenta, sinto meu rosto pegando fogo. Gabriel me olha indignado.
-Hum, agora gostei! Vou pensar em algo muito especial. Deusa?
-O que?
-Não esquece que eu te amo! Você é a minha vida e não posso perder você de novo.
-E não vai. Fique bem, quando estiver em casa te ligo.
-Está bem. Deusa?
-O que?
-Eu te amo.
-Eu ouvi.
-Deusa?
-O que? - falo com um tom mais ríspido.
-Desde que voltamos você nunca disse que me ama.
-Por favor, agora não! Não quero magoar o Gabriel.
-Isso seria uma grande prova para mim. - ele diz.
-Está bem! Eu te amo! Até mais tarde.
-Obrigado.
Desligo o celular e Gabriel está andando de um lado para o outro.
-O que foi? - eu pergunto.
-Eu te amo? É isso? Tirar a sua virtude? Há quanto tempo você está com ele? -Um mês? Dois? Não acha que você está se precipitando? Ficamos um ano juntos e você nunca, sequer pensou em me deixar tirar sua "virtude"! - ele está quase gritando comigo - O que é? Eu não sou tão bom?
-Não é isso, Gabriel. Não é uma questão de ser bom ou não. Não tem nada a ver com isso.
-Então, é o que? Sempre te quis e você... - ele está enfurecido, nunca o vi assim.
-Gabriel, eu sempre quis você. Nunca foi uma questão de querer.
-Então, por que você sempre me evitou?
-Por quê? Será que é preciso perguntar, Ga?
-Claro que é preciso, pois não entendo! Você nunca esteve disposta a fazer amor comigo, mas está disposta a fazer com ele?
-Ga, sua mãe me detesta. Sempre que nos encontrávamos, a única conversa que ela estabelecia comigo era: "Vocês são jovens, meu filho tem um futuro, um filho agora estragará tudo, olha o irmão dele..." - Ela sempre achou que eu daria o golpe da barriga.
-Ela só quer me proteger. - ele diz.
-Não estou dizendo que ela esteja errada. Só não acho que conseguiria me entregar para você porque, por mais que a gente se proteja, por mais que a gente se cuide, olha o caso do seu irmão, ele é tão novo e já com um filho para criar. Sempre há riscos, Ga.
-Eu sei, mas você não confiava em mim?
-Sinceramente, Ga? Você me deixou por ser "paitrocinado" - digo esse termo com ódio - Como posso pensar que alguém que me diz algo assim será capaz de estar ao meu lado, caso algo desse errado?
-Ele me olha. Não sei distinguir quais sentimentos estão se passando dentro dele.
-Nunca pensei nisso. Sempre achei que você não gostasse o suficiente de mim para se entregar.
-Gabriel, quando você terminou comigo da primeira vez, não era louca por você, pois ainda estávamos no começo e aceitei numa boa. Mas, quando voltamos, me apaixonei, Ga. Realmente me apaixonei. Não vou dizer que era amor, mas faria qualquer coisa por você. Foi aí que você me jogou fora. Você me deixou. O pior é que não foi porque você não gostava de mim... Isso foi o que mais doeu. Você me deixou porque o que você sentia por mim não era tão grande, a ponto de você enfrentar os seus pais. Você foi incapaz de lutar para ficar comigo. Agora, seja sincero, Ga: você acha que errei em não me entregar?
-Ele me abraça, de repente e chora nos meus braços.
-Gabriel, isso passou. Para! Não faz isso! Não quis magoar você. Nem sei se eu o amo, Gabriel. Por favor!
-Me desculpe. - ele diz aos prantos.
-Não tenho nada para desculpar, já lhe disse.
-Não! Desculpe-me por ter sido tão egoísta, tão fraco. Nunca percebi o quanto você era importante, até que você ... - ele respira fundo.
-Até que o quê, Gabriel?
-Até que... você estivesse nos braços de outro alguém, então, percebi que eu não podia aguentar.
-Não sei o que fazer, Ga... Não quero ver você sofrer. Nem mesmo quando eu estava magoada, nunca quis. Mas o tempo não volta atrás e mesmo que não estivesse com ele, você ainda seria assim, da mesma forma.
-Isso é tão ruim?
-Não! O que quero dizer é que, mesmo que eu não estivesse com ele, ainda tem seus pais e só o fato de eles não me aceitarem já acaba comigo. -Qualquer relacionamento precisa de confiança.
-Você não confia em mim?
-Em você, como pessoa? Confio. Em você, como um homem que tenha que assumir responsabilidades, se for preciso, acho que não. Não, enquanto você for "paitrocinado".
-Tudo bem. Entendi e vou embora. Seja feliz, Ann.
-Então, agora não seremos mais amigos? É isso? - digo.
-Não vou conseguir... Pensei que conseguiria, mas não vou. Ainda mais agora.
-Ainda mais agora por que, Ga? O que mudou de meia hora atrás?
-Agora sei que estraguei tudo e que você nunca voltaria para mim, com ou sem ele. E o que mais me dói é que você está disposta a ser dele.
-Eu ...
-Não precisa se explicar. Sou um CDF, já entendi - ele diz com raiva.
-Pelo amor de Deus, Gabriel! Nunca pensei que esta noite terminaria assim.
-Nem eu, Ann. Nunca pensei que nós terminaríamos assim.
-Ga, não estou terminando nada.
-Mas eu estou, Ann. Não posso mais ser seu amigo e espero que você entenda. E não é porque não gosto de você, é porque amo você. E se ficar perto de mim, sem que eu possa ter você novamente, desistirei da faculdade.
-Desistir? Você está louco? Falta apenas um ano.
-Você não pode desistir.
-Então, por favor, mantenha-se longe.
-Tudo bem, Ga. Não vou fazer nada. Se um dia você resolver, estarei aqui.
-Está bem. Acho que você vai ter que esperar sozinha pelo Miguel. Preciso ir.
-Gabriel, não faça besteiras, por favor.
-Sou muito filhinho de papai pra fazer besteiras, Ann. Não é isso? Sou um fantoche, uma marionete! Não se preocupe.
Então, ele vai embora. Não sei o que foi tudo isso. Minha vida está de cabeça para baixo. Tem dias em que acho que nem deveria sair da cama. Fico aguardando meu pai, enquanto deixo-me levar pelas lágrimas.

---

Acabo de sair do banho e, ao menos estou mais calma. Não sei o que foi pior, se a briga com Wagner, a decepção de Gabriel ou se meu pai, me enchendo de perguntas.
-Ei, Ann? Por que está chorando? - ele disse ao entrar no carro, há uma hora - -Aquele desgraçado te fez alguma coisa?
-Por que tem sempre que ser ele, pai? Você acha que só ele pode me magoar?
-Quem mais faria isso?
-Não foi nada, pai. Gabriel e eu discutimos. Ele disse que não podemos nem sermos amigos.
-Sério? O que você fez?
-O que eu fiz? Por que acha que eu tenha que ter feito algo? Por que não pode ter sido ele?
-Porque se fosse ele, era você quem tinha dito que não queria a amizade dele, não é obvio?
-Tem lógica. Mas não fiz nada. Ele só está magoado com o que não fiz.
-E o que você não fez? - ele pergunta.
-Olha pai, acho que essa não é uma conversa que você gostaria de ter comigo.
-Por que diz isso?
-Acredite em mim, meus problemas com Gabriel realmente não é assunto que deva tratar com você.
-Tudo bem, mas ele é um rapaz muito legal, então, dê um tempo pra ele. Acho que ele mudará de ideia.
-Sinceramente, pai, acho que desta vez ele não vai mudar, não.
Encerramos por aí, até chegar em casa e ir para o banho. Agora tenho que ligar para Wagner. Inferno! Por que os homens da minha vida são tão instáveis?
-Oi, Deusa! - ele atende no primeiro toque.
-Oi!
-O que foi? Por que está com essa voz?
-Nada.
-Como nada? Eu te conheço.
-Está tudo bem. Só liguei para dizer que já cheguei.
-Só?
-Só.
-Não vai me dizer mesmo o que aconteceu? Você sabe que posso pensar muitas coisas. Inclusive sobre o fato de você ter ficado lá com ele. Não acha melhor esclarecer as coisas?
-Sinceridade, acho que nem deveria ter levantado da minha cama hoje.
-Nossa! Então, a coisa está grave mesmo! O que aquele filho da...
-Para! - eu grito - Chega! Estou cansada! Meu dia hoje ultrapassou qualquer limite do possível. Realmente não preciso de mais nenhuma discussão. -Estou estressada, cansada, preciso dormir, pois, minha última prova será amanhã e já está tarde. Vou deixar você pensar o que quiser, porque não tenho a menor condição de debater certos assuntos agora. A gente conversa amanhã.
-Está bem, Deusa. Só quero que você saiba que te amo e, mesmo estando muito preocupado com o que possa ter acontecido para você estar assim, respeito e confio em você. Você ouviu? Eu confio em você!
-Obrigada. Até amanhã.
-Até, minha Deusa. Durma bem.
-Assim espero. Beijo.
-Beijo.

A Deusa do Mago - Uma história de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora