CAPÍTULO 50 - O VESTIDO

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Madrugar no sábado não é nada bom, mas ter de ir para a faculdade no sábado é ainda pior.
E lá está Wagner, no portão da minha casa, me esperando. Desço, e ele me olha e pergunta:
-Você vai assim?
-Bom dia pra você também! - digo resmungando.
-Bom dia. Você não acha que essa roupa está um pouco "demais" para ir pra faculdade?
-Demais por quê? Hoje é sábado. Já não basta ser obrigada a ter que ir pra aula, ainda tenho que me vestir como se estivesse indo trabalhar?
-Não precisa tanto, só acho que uma calça jeans e uma camiseta ficariam melhor.
-O que? Não gostou? Já estamos atrasados e se eu tiver de subir e me trocar, perderei a aula.
-Ainda bem que estou indo com você, porque eu não gostaria de te ver saindo assim sozinha.
-O que tem demais, é só uma saia!
-Isso não é uma saia. Pra ser uma saia, teria que ter um palmo e meio a mais.
-Nunca te disseram que o que é bonito é pra se mostrar?
-Você pode andar até pelada, desde que seja só para mim!
-Sei... - dou um sorrisinho.
-Garanto que não acharia nada ruim! - ele diz - o playboy também está de DP, não está?
-Está.
-Mais um motivo para não querer que você ande assim.
-Você acha o quê? Que quando eu saía com ele, usava burca? - dou risada.
-Prefiro não imaginar você saindo com ele.
-Acho melhor.
Chegamos à faculdade e Wagner já tinha puxado a minha saia diversas vezes para baixo. "Homens demarcadores de território"!
Meu professor passa por nós na entrada da faculdade e nos cumprimenta:
-Bom dia, Ann! Bom dia, rapaz!
-Bom dia, professor Fred, preparado para a nossa aula?
-Fiquei admirado de ver você e Gabriel de DP, vocês são tão CDF's! - ele ri.
-Pra você ver. Com o trabalho e a faculdade, além de dormir pouco, também moro do outro lado da cidade, na zona sul. Mal tenho tempo para dormir, imagine, então, para estudar!
-Poxa, você veio lá da zona sul hoje?
-Hoje não, todos os dias!
-Que horas sai de casa?
-Saio as 06h00 da madrugada. Professor, deixe-me apresentar, esse é Wagner, meu namorado. Wagner, esse é o professor Fred e ele ensina Visual Basic.
-É um prazer conhecê-lo meu jovem. - diz o
Professor.
-O prazer é meu, professor.
-Você também é da zona sul?
-Sou.
-E o que vai fazer até a hora de ela sair?
-Vou esperar. O senhor não acha que deixaria a minha Deusa andar por aí sozinha, não é mesmo? Quem cuida, tem! - ele diz rindo.
-É verdade, por que não entra e assiste à aula?
-Quem sabe assim você se empolga e se matricula.
-Posso mesmo?
-Hoje é sábado, as aulas acabaram. Só vai ter meia dúzia de alunos e acho que ninguém vai notar.
-Então, aceito. Muito obrigado, Professor!
-Então, vamos crianças, porque quero ir pra casa. Quem mandou vocês ficarem de DP? Minha esposa está me esperando!
-Vamos! - digo.
O Professor Fred vai à frente, seguido por mim e Wagner, que está radiante. Fred abre a porta da sala e alguns alunos já estão esperando, entre eles, Gabriel.
Ele olha para a porta, enquanto entramos. Seu semblante muda quando vê Wagner entrar, logo depois de mim.
Tento sentar o mais longe possível, pois, prometi que não iria magoá-lo.
- Ei, casal! Por favor! Deixei o moço assistir a aula, mas não é pra ficar aí no fundo, juntem-se aqui na frente. Não quero ter que ficar gritando. Já deveria estar de férias, lembram-se?
Olho para Gabriel e vejo seu rosto se contorcer. Ele não diz nada. Wagner se levanta, puxa a minha mão para me ajudar a levantar e aproveita para me abraçar, enquanto caminhamos até a frente da sala. Sentamos a uma carteira de Gabriel.
Sinto-me horrível... Gabriel vai pensar que fiz de propósito. É capaz até de me odiar.
Essa foi a aula mais longa da minha vida. Enquanto Wagner assistia, como se fosse um espetáculo, eu só conseguia pensar em como Gabriel estava se sentindo.
Quando o professor nos dispensa, Gabriel se levanta e sai sem olhar para os lados, sem dizer uma palavra. Ele simplesmente some.
-Acho que eu estava certo em insistir em vir contigo.
Wagner diz.
-Por que diz isso?
-Não viu o jeito do seu "amiguinho"? Vai dizer que não percebeu o quanto ele ficou desconsertado e furioso com a minha presença?
-Não achei isso nada legal, foi péssimo!
-Por mim, quero mais é que ele dane!
-Vai começar?
-Não. Mas não vou fingir que estou triste.
-Mas eu estou.
-Deve ser porque você é boazinha demais.
-Não sou boazinha. Apenas não gosto de sair por aí, magoando quem não merece.
-Ele já te magoou, lembra?
-Isso já passou. E, também, não vamos falar em mágoas, porque quem tem teto de vidro não joga pedra no telhado alheio! - digo brava.
-Vamos parar por aqui, pois não quero estragar o nosso fim de semana.
Melhor.
-Vamos para onde agora?
-Para a costureira.
-Então, vamos.
Depois de quase duas horas, cá estou, em meio a uma pilha de panos, máquinas, babados e rendas.
Uma senhora muito graciosa, com cara de vó me diz:
-Vamos lá, garota! Como imagina o modelo para o seu vestido?
-Não sei, ao certo... Como será uma festa à noite, pensei em usar um vestido preto. Como meus seios são fartos, então, um decote em V, bem acentuado. -As costas abertas. Acho que poderia ser longo, até o pé.
-Podemos fazer uma fenda em um dos lados, até a sua coxa o que acha? Só aparecerá quando você se mover.
-Acha que vai ficar bonito? - Acho sim! - ela diz - Confio em você.
-Vamos tirar suas medidas, venha cá.
Depois de tudo anotado, estou prestes a sair, quando a senhora me chama novamente:
-Ei, garota, estou sem encomendas, então, se você tiver tempo, podemos já fazer seu vestido, assim você vai provando e podemos evitar que você tenha de vir várias vezes para fazer provas.
-Vou apenas ver com meu namorado se há algum problema e já volto, está bem?
-Tudo bem.
Depois de falar com Wagner, decidimos esperar, enquanto ela confecciona meu vestido. Ela coloca duas banquetas em sua sala de costura e ficamos observando-a trabalhar.
Ela corta um lindo tecido preto. Faz marcações, risca o tecido, coloca alfinetes, pega uma tesoura enorme e começa a fazer os recortes.
Penso que jamais conseguiria fazer aquilo.
Depois ela se senta para trabalhar numa máquina e começa a unir os retalhos. Nem dá para acreditar que dali sairá alguma coisa. Para mim não passa de uma porção de panos.
Ela muda de máquina. Acho que está dando os acabamentos e, então, ela para.
-Como é seu nome mesmo, querida?
-Ann.
-Ann, entre ali e vista isso.
-Posso colocar por cima da minha roupa?
-Não! Como vou fazer os ajustes?
-Eu fecho os olhos - Wagner diz, rindo.
-Bobo!
-Boba!
Entro num quartinho de bagunças. Nossa! Tem panos por todos os lados! Tem também um espelho enorme, que vai até o chão.
Tiro a roupa e coloco o vestido. Nossa! Está lindo! Apenas um pouco comprido. Puxo a barra para cima para não pisoteá-la e saio.
Quando volto, Wagner me olha fixamente. Seus olhos brilham. A fenda na minha perna se abre sempre que dou um passo, acho que está sensual.
-Nossa! Você está deslumbrante!
-Você gostou?
-Se gostei? Se ele fosse branco te arrastaria para uma igreja agora mesmo!
-Gostou tanto assim?
-Não tenho palavras... - ele me envolve em seus braços e me beija.
Algo me espeta as costas.
-Aiiiiiii!
-O que foi?
-Alfinetes.
Ele ri...
-Venha aqui Ann, tenho que marcar a barra. Está muito longo.
Ele me solta e ela termina de fazer a marcação.
-Pode tirar. Agora é só fazer a barra e você já poderá levá-lo.
-Que rápida! E muito caprichosa, também! Muito obrigada, ficou lindo!
-Que bom que gostou, querida. - ela diz.
Estamos a caminho de casa, com meu vestido, que ficou lindo!
-O que foi aquilo sobre igreja?
-Por quê?
-Não sei, mas nunca pensei nisso.
-Sempre penso nisso, já disse para você: eu não quero ser seu primeiro em tudo, mas quero ser o seu último.
-Isso é lindo! Já te disse antes.
-Penso em casa, cachorro, papagaio, dois molequinhos... - ele fala.
-Sério? - eu abro um sorriso.
-Sério! Você nunca pensou?
-Acho que nunca tive motivos para pensar.
Ele pega meu caderno, uma caneta e começa a devanear. Começa a desenhar algo, rabisca daqui, rabisca de lá. De repente vejo a planta de uma casinha, ela tem dois quartos, sala, cozinha, banheiro e até quintal. Tem
uma casinha de cachorro. Ao lado está escrito, "Aqui vive uma família feliz", então, se lê: Wagner, Anna, Guilherme e Danieli.
-Guilherme e Danieli?
-Por quê? Não gosta? Podemos escolher outros nomes, se você quiser.
-Teremos muito tempo pra isso! - eu digo.
-Eu espero que não...
Estamos no ônibus e ainda falta muito para chegar. Ele me envolve em seus braços, encosto meu rosto em seu peito e adormeço de tão cansada que estou.
-Acorda, Bela Adormecida. Chegamos!
-Nossa! Nem vi o tempo passar... Poxa, eu dormi.
-Por que não me acordou?
-É gostoso vê-la dormir nos meus braços.
-Mais gostoso é dormir nos seus braços.
-Podemos fazer isso pelo resto da vida.
-Quem sabe, não? O futuro a Deus pertence.
-Nós fazemos o nosso futuro, Ele apenas nos dá as opções. A minha é você.
-Wagner.
-O que?
-Eu te falei que o Eduardo está namorando?
-Não. Até que, enfim, ele desencalhou! - ele ri.
-Pois é, mas meu pai também não gosta da garota.
-De quem o seu pai gosta? - ele diz rindo.
-Pois é, mas amanhã ele vai com ela lá para a chácara. Vai levá-la para almoçar com meus pais e pensei que a gente podia ir, o que acha?
-Para que?
-Porque assim meu pai teria que dividir o seu arsenal entre vocês dois. Estou com dó da coitada. E o Eduardo nunca leva ninguém lá.
-Está bem... Já nem ligo mais quando o seu pai briga comigo. Acho que, no fundo, ele me ama! - ele diz rindo.
-Não acho que seja amor, não! - ambos caímos na gargalhada.
-A que horas, amanhã?
-Vou ver com o Eduardo e a gente te busca na sua casa, mas, como é um almoço, então será cedo.
-Tudo bem.
-Agora vem aqui, pois, preciso de beijos, muitos beijos para conseguir aguentar mais uma noite longe de você. Quando você passará uma noite comigo?
-Não sei... É complicado, você sabe. Tenho que pensar em algo para conseguir sair de casa.
-Então, é bom pensar em algo logo, não aguento mais ficar sem você!
-Vou pensar.
Passamos o resto da tarde em casa, abraçados no sofá. Assistimos Cidade dos Anjos, amo esse filme, mas é tão triste. Fazer tudo por amor e depois perdê-lo assim, de repente. Estou às lágrimas. Então, ele me abraça ainda mais forte.
-Não chore, minha Deusa.
-É tão triste...
-Eu sei, mas você tem que ver que, por amor, ele abriu mão da imortalidade.
-Por isso mesmo! É injusto! Eles deviam ficar juntos.
-Eles ficarão. A alma dela agora é dele e garanto que ela vai esperar por ele.
-Nunca pensei nisso.
-Pois pense.
-Pensar assim, dói um pouco menos, mas não muito.

A Deusa do Mago - Uma história de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora