A face do Diabo na Terra.

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Sarah

Acordei subitamente, como se tivesse sido arrancada de um pesadelo angustiante, meu couro cabeludo latejando intensamente, como se chamas invisíveis dançassem sobre minha pele. Senti meu corpo ser movido de forma brusca e desordenada, uma marionete nas mãos de um titereiro invisível, enquanto a consciência lutava para emergir das sombras opressivas do sono.

Com os olhos se abrindo lentamente, percebi o chão se aproximando rapidamente, o impacto iminente ameaçando me devorar num abraço violento. No entanto, antes que meu rosto encontrasse o solo implacável, algo segurou com força meus cabelos, puxando minha cabeça para trás com uma violência cruel. Um gemido de dor escapou dos meus lábios entreabertos, os dentes cerrados numa tentativa vã de conter a agonia lancinante que se espalhava por todo o meu ser.

— Acorda, cadela! Você é surda? — A voz masculina e anasalada ressoou ao meu redor como um eco distorcido, reverberando nos recônditos da minha mente confusa. Um empurrão brutal fez com que minha cabeça fosse forçada em direção ao chão implacável, mas instintivamente estendi as mãos à frente, segurando meu corpo trêmulo antes que ele fosse brutalmente arremessado contra a superfície áspera.

Virei-me com uma lentidão dolorosa, cada fibra dos meus músculos protestando contra o esforço mínimo, como se estivessem à beira do colapso iminente. Um gemido abafado escapou de meus lábios entreabertos, ecoando no ambiente sufocante enquanto lutava para me erguer do chão frio.

Enquanto me punha de pé, meus olhos encontraram a figura repugnante do homem gordo à minha frente, uma presença odiosa que parecia emana sujeira e perversidade. Sua pele branca, porém manchada e suja, contrastava com a camisa preta desbotada e encharcada de suor que se grudava em sua barriga flácida e nas costas cobertas de pelos emaranhados. As calças jeans pendiam precariamente em seus quadris largos, revelando uma cueca velha e igualmente suada que se insinuava de forma repulsiva. Uma sensação de repugnância aguda torceu meu estômago, enquanto a visão dos seus dentes deteriorados formando um sorriso grotesco aumentava o nojo que me consumia.

— O que tanto olha, princesa? Melhor tomar cuidado, ou quem sabe faço visitas noturnas... — A malícia impregnava cada palavra que ele sibilava, fazendo com que eu franzisse o nariz ainda mais, repulsa borbulhando como um fogo voraz na minha garganta. — Vamos logo, é hora da contagem. — Ele apontou o dedo grosseiro em direção à porta de aço agora aberta, sua barriga avantajada quase cobrindo toda a passagem estreita, deixando-me apenas um pequeno espaço para passar.

Aquele homem imundo e repulsivo permanecia me encarando sem dar espaço, sua presença pútrida invadindo o ar ao redor. Sua barba desgrenhada quase tocava o peito sujo de migalhas de chips, sua calvície reluzente emoldurando olhos esbugalhados e exalando um hálito fétido de cerveja misturada com cigarro barato. Eu me perguntava se ele era mesmo humano, tamanho era o fedor que exalava, superando até mesmo o cheiro nauseante do esgoto da avenida. Engoli em seco e dei o primeiro passo em direção a ele, quando uma dor aguda trespassou meu tornozelo, me fazendo gemer de aflição.

— O que aconteceu com seu pé, princesinha?

Apertei os lábios, franzindo a testa, consciente de que precisava manter a guarda alta e a boca bem fechada. Um golpe daquele brutamontes e pronto, é o meu fim. Ajeitei os cabelos atrás da orelha e dei outro passo, tentando aliviar a pressão no pé machucado ao caminhar quase em saltos curtos. Segurei firme na batente da porta e me contorci para passar pela abertura estreita, evitando ao máximo encostar na barriga suada do homem repulsivo. A proximidade só intensificava o odor insuportável que exalava dele, uma mistura sufocante de urina de cachorro, mofo, chulé e algo podre e em decomposição.

Deus, tenho certeza que há alguma coisa morta ali.

Ao adentrar o ambiente do lado de fora, percebi que estávamos numa casa, mais especificamente no porão de alguma residência. Uma escada se estendia à minha frente, além de um corredor ladeado por diversas portas idênticas à minha. Ao dar um passo cauteloso para fora, senti um empurrão por trás que me impulsionou para frente. Por sorte, o corredor não era muito largo e pude me segurar nas paredes com os braços abertos para não cair.

Doce Veneno - amor, ódio e obsessão.Onde histórias criam vida. Descubra agora