Fernando.

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Voltei para a empresa assim que a deixei e encontrei Daniel logo na entrada, com uma carranca preocupada e uma fina camada de suor na testa.

Daniel: Onde você estava, mano? — ele parecia apavorado.

Conor: O que aconteceu? — franzi o cenho, observando a movimentação acelerada da equipe.

Daniel: O Fernando perdeu outra carga. O chefe já sabe e está te procurando.

Conor: Que inferno! — digo, passando a mão pela testa, já perdendo completamente a calma.

Olho à frente e vejo Fernando sentado em uma poltrona, com os cotovelos apoiados nos joelhos e a expressão inquieta. Avancei em passos pesados em sua direção, pronto para revirar esse filho da puta do avesso, pouco me importando se havia clientes por perto.

Fernando: Mano, juro que não... — ele tenta se explicar, mas o interrompo desferindo um soco em seu rosto.

Ele caiu da poltrona, enfurecido, mas logo se levantou, limpando o sangue da boca.

Daniel: Aqui não, seu idiota. — sinto sua mão tocar meu ombro, apertando os dedos com força contra minha pele.

Dou de ombros e retiro sua mão, olhando ao redor; todos me observam, chocados e boquiabertos com a situação. Rico se choca fácil demais. Respiro fundo e sigo em direção ao elevador rumo ao andar do escritório do chefe. A porta se abre e me deparo com a figura do meu tio parado como um muro, de braços cruzados.

Emílio: Aonde você estava? — dá um passo para o lado, me dando passagem.

Balanço a cabeça em negativa, passando por ele sem saber o que dizer.

Emílio: Você foi atrás daquela puta, não foi?

Franzo o cenho involuntariamente, cruzo os braços em frente ao peito e respiro fundo. De alguma forma, isso me incomodou.

Emílio: O que foi? Não gostou que eu a chamei de puta? — ele diz em tom sarcástico, tentando esconder sua raiva.

Nego com a cabeça.

Conor: Eu fui tomar um ar.

Emílio: Tomou seu arzinho? Filha da puta! — dá um tapa no meu ombro como se fosse um empurrão.

Conor: Que merda! Isso nem foi culpa minha!

Emílio: Não me interessa de quem foi a culpa. Essa carga é responsabilidade sua! — solta uma risada completamente sem humor. — Enquanto eu perdia 700 mil, você estava tomando um ar?

Não respondo, e o que tira Emílio do sério é a minha falta de reação. Sua mão vem diretamente ao meu pescoço, me enforcando.

Fico em silêncio, olhando em seus olhos, enquanto fecho a mão, cerrando os punhos, pronto para lhe dar um soco na costela. Mas antes que eu possa agir, Fernando aparece na sala.

Fernando: Chefe, a culpa é minha. — diz apavorado, se aproximando.

Balanço a cabeça em negativa, tentando avisá-lo para que não se aproximasse. É um erro qualquer pessoa confrontar Emílio, especialmente quando ele está possesso de raiva. Ele é instável, temperamental, uma bomba relógio.

Ele não se importa com quem você é ou qual importância você tem. Pra ele, ninguém é importante. A única coisa que ele se dá o trabalho de considerar é o dinheiro.

No mesmo instante, Emílio puxa a arma do cós de trás da calça e aponta para Fernando. Eu abro a boca pra falar, mas ele empurra meu pescoço contra a parede, me enforcando. Pressionando cada vez mais, sinto minha garganta fechar; o ar já não passa e meu sangue vai parando de circular aos poucos.

Eu conseguiria facilmente me desfazer do seu agarre, mas isso seria antes ou depois dele apertar o gatilho?

O som do dedo de Emílio destravando o gatilho ecoou em meus ouvidos. O nó na minha garganta crescia, e com a falta de oxigênio, eu não tinha forças pra revidar. E nem podia, afinal, ele era meu tio e meu chefe. Eu poderia ser o próximo, ou toda a minha equipe. Ele estava completamente louco!

Emílio: Olha! Seu merdinha! — diz entre os dentes, com os olhos carregados de ódio.

Ele solta minha garganta e segura meu rosto pelo maxilar, virando-o em direção ao Fernando. Ele estava parado, com os olhos gélidos e assustados. Ouço o clique do gatilho e o estouro do tiro grita pela sala. Eu fecho os olhos mais rápido do que posso, me recusando a ver.

Não, porra.

Sinto o peso do meu corpo se desprendendo da parede; era ele me soltando. Mesmo livre, não consegui respirar, não consegui olhar. Ouço um baque seco do corpo caindo no chão, que me deixa surdo por um instante, seguido por um zunido agudo que ecoa em minha cabeça.

Espremi as pálpebras com força, tentando afastar a agonia que me consumia. O ar que preenchia meus pulmões era denso com o cheiro de pólvora, e a ânsia de vômito subiu, mas eu a contive respirando fundo novamente. Quando finalmente abri os olhos, a primeira imagem foi a de Emílio, me encarando com um olhar possesso, seu rosto vermelho transbordando raiva.

Emílio: Você me deve a carga e 700 mil. — ele diz, guardando o revólver atrás do paletó no cós da calça. — Se vira, seu merda!

Abaixo a cabeça, ainda me recusando a olhar para o Fernando. Ouço os passos de Emílio se afastando, e logo o som do elevador se fechando ecoa na sala.

Eu já vi pessoas morrerem inúmeras vezes. Cresci vendo meu pai e meu tio em ação, sempre imersos na violência daquela vida. Já puxei o gatilho e até torturei; para mim, era quase divertido acompanhar meu pai enquanto ele lidava com aqueles que cruzavam nosso caminho.

Mas a morte alheia nunca me incomodou. Até agora. Porque ali estava Fernando, estirado no chão, seu sangue se espalhando como uma mancha escura em sua camisa azul. Ele era mais do que um colega, era um amigo, um irmão.

Engoli seco, sentindo como se estivesse engolindo uma navalha afiada. Ergui o rosto e encarei a dura realidade que tinha diante de mim. Os olhos de Fernando estavam abertos, mas ele não estava mais ali; o brilho que antes iluminava seu olhar se apagou para sempre. O peito dele sangrava, criando uma pequena poça ao redor. A dor dentro de mim era insuportável.

Tentei manter o olhar sobre Fernando por mais de três segundos, mas falhei. A dor era intensa demais. Balanço a cabeça em negativa, tentando afastar as lágrimas que se acumulavam, fazendo meu olho arder. Corri até ele, agachei na sua frente e fechei seus olhos, como se isso pudesse trazer algum conforto. Respirei fundo e me levantei, saindo da sala às pressas.

Quando o elevador parou no décimo andar, me deparei com Daniel, que andava de um lado para o outro com as mãos na cintura. Meu peito ardeu ao vê-lo.

Daniel: E aí? — ele disse preocupado assim que me viu sair do elevador.

Apenas neguei com a cabeça, sem saber como explicar.

Daniel: Desembucha, porra! Quão ruim está essa merda?

Conor: Sobe e descobre. — respondi em um sussurro, minha voz rouca e o nó na garganta ainda apertado.

Passei por ele em direção à minha sala, entrei e bati a porta com força, descontando minha raiva em cada movimento. O que aquele desgraçado achou que estava fazendo?

Pego um copo para me servir, mas percebo que estou tremendo. Olho para minha mão por alguns segundos, tentando me concentrar, mas a raiva e a frustração eram insuportáveis. Sem pensar duas vezes, jogo o copo na parede; ele se estilhaça em mil pedaços que se espalham pelo chão. Chuto a mesa de centro com toda a força, virando-a de cabeça para baixo.

Doce Veneno - amor, ódio e obsessão.Onde histórias criam vida. Descubra agora