~18~

729 55 2
                                    

  Meus olhos se abrem em um constante som da natureza, aprecio o som diferente do falatório da cidade. Ao contrário do cheiro da padaria é o da terra e folhas, levanto devagar e entro no banheiro tomando um banho frio, ao sair coloco uma roupa para o calor, desço e vou em direção à porta da onde vem o barulho, aprecio o rapaz a boiar, acho bonito água e gosto da calma que ela trás, mas tenho pavor quando penso no que tem no fundo do lago, imagino uma das piores coisas, esse trauma partiu dos meus sonhos e é tão engraçado isso, quando os traumas não são feitos por pessoas, nós mesmos os criamos. Uma visão magnífica vê-lo na água é como se ele estivesse num ensaio fotográfico, mas não estava, simplesmente pleno, aquilo parece uma das melhores sensações do mundo, queria o sentir também. Eu o olho tanto parada que nem percebo os nossos olhos em contato, talvez ele estivesse percebido mais rápido que eu. Corando eu me levanto e antes que eu movesse mais um músculo ouço a voz grave a pronuncia-se atrás de mim:
   — Não vai vir? — volto a olhar para ele.
   — Eu não sou fã de água — meus lábios se contraem enquanto vejo que arqueia uma sobrancelha me virando por completo — mas tenha um bom aproveito — sorri sincera — vou fazer o almoço — sai daquele lugar onde já não me pertencia, meus olhos iriam cair de tanto o encarar. Abro a geladeira percebendo que tudo que tínhamos foi usado na lasanha, quando fecho a mesma vou para o armário, havia algumas coisas, mas não era nada que desse para um almoço, sentindo o celular vibrar, o seguro do bolso dos calções que uso, vendo uma mensagem do meu pai.

"Como está tudo por aí?" D.C.

"Está tudo indo bem" A.C.

   Deparei-me com um Carl a secar seus cabelos, o mesmo agora vestido com uma calça preta e uma blusa de listras brancas e pretas e com, coturno? No calor?
    — Nós temos que ir ao mercado — o mesmo me olha — ou não teremos almoço — jogou sua toalha em volta do pescoço pegando as chaves e sua carteira, sua voz arrastada e baixa me causou calafrios. Mal abriu a boca para pronunciar, o que deixou o tom mais grave e rouco — Vamos?
   — Deixa só eu me trocar — olho para os shorts jeans que eu uso.
   — Não precisa — arqueou uma sobrancelha me analisando.
   — Não gosto de sair assim Carl. Dê-me cinco minutos — subo as escadas correndo colocando uma calça preta e um all star descendo logo em seguida vendo um Carl sentado na cadeira do lado de fora da casa. É meio desconfortável saber que estou sozinha com um rapaz, nunca tive esse privilegio até porque nunca saí de casa desde a morte da vovó, é de casa para escola da escola para casa, nunca tive nenhum contato com um garoto a não ser por alguns acontecimentos do passado que não gosto de lembrar. Eu nunca estive só numa casa com um, ainda mais quando esse um é o Carl, me sinto incomodada com sua presença às vezes, porque o mesmo sempre é frio comigo, mesmo eu sendo amável com ele. Esse era seu jeito, frio, rude, grosso e de poucas palavras, um verdadeiro garoto solitário, a tristeza faz isso com a gente. Mas mesmo sofrendo eu mantenho um sorriso, no entanto, Carl não é eu e eu não sou ele, não posso medir minhas dores nem as dele muito menos dizer como lidamos com ela. Talvez o rancor ou o ódio sei lá, reina mais alto que a gentileza ou o amor que ele sinta.
   — Ei...ei! — abano a cabeça olhando os olhos esbugalhados do rapaz a me encarar enquanto acena na minha frente
   — Estou pronta.
   — Você estava há dez minutos antes, mas acabou dormindo de olhos abertos — o mesmo agora se levanta e fica na sua postura normal por conta da nossa diferença de altura. Mas pera, eu passei dez minutos a pensar em Carl e sentimentos? Vira as costas para mim e eu o sigo. Descemos uma escada que tem no meio das gramas que passava em volta da casa, descemos até estamos praticamente no "andar de baixo" só que ao ar livre, um estacionamento sem muros e portão. Ali tem um único carro, pequeno e branco, sem teto, não entendo de carros para mim é só carros. Carl entrou e fiz o mesmo, coloco o cinto logo colocando meus óculos, para a minha infelicidade o carro só tem dois acentos, e não tem teto. Carl me olha um pouco antes de girar a chave e saímos pela estradinha de terra. A casa fica no meio do nada, é tudo árvore a nossa volta, como isso é confiável e seguro? Não tem nem um muro em volta da casa os mal feitores poderiam entrar por aquele pequeno muro na frente e roubar, pegar o carro e sei lá o que.

   Carl logo saiu numa avenida, olho tudo ao meu redor, conhecendo o Havaí, andamos por uma estrada longa sem carros e comércio, só árvores e árvores, nenhum resquício de moradia, só a nossa casa por aqui então. Demorou cerca de quarenta e cinco minutos para vemos os comércios e lojas, mas eu pensava que faltam dois meses para as aulas começar e eu confesso que já estou nervosa, não quero passar pelas mesmas coisas que passei em Manchester. Manchester ficava a poucos quilômetros do distrito de Doncaster onde Carl morava e para eu ir a algum evento eu tinha que ir para lá, no entanto eu nunca o vi. Talvez porque eu só tenha ido a um evento na minha vida toda. Paramos em frente a um mercado e Carl saiu do carro, fiz o mesmo e segui ele que entrou no lugar e se direcionou as prateleiras de bebidas. Suspiro indo procurar o que precisava para nosso almoço e jantar talvez.

    Coloco tudo no balcão assim que entramos e Carl se sentar e pegar uma cerveja, pego cebolas e carne que tínhamos comprado, irei fazer uma carne com creme de cebola espero que ele goste. Enquanto eu preparo nosso almoço sinto o olhar dele em mim, o que me incomoda um pouco, pois tudo isso é novo. Como disse horas antes nunca tive tanto contato físico, nunca troquei olhares ou nunca tive um a me observar. Resumindo tudo, eu nunca fiquei realmente com um rapaz.

Destinados - Um Começo Para O Fim - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora