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  Olho para cozinha e percebo o quanto minha barriga havia roncado horas antes, eu havia me acostumado com o sabor da fome, se é que ele existe, mas só sei que não gosto disso, eu quero comer novamente, no entanto, a ardência de minhas mãos sobre as cicatrizes das minhas unhas na pele, mostra o quanto sou fraca.

  Entro na cozinha e abro o frigorífico, tem suco e bolo, seguro no suco de maracujá que é bem convidativo e procuro algum copo. Olho a prateleira que fica acima de mim e suspiro, é uma missão um pouco difícil. Ouço a porta da frente bater, o cheiro reconhecível está habitando esse lugar, sinto algo encostar em mim e vejo grandes mãos pegar um copo, relaxo meu corpo e quando eu penso em agradecer o garoto sai de meu alcance e vai pegar algo para beber — sério? — penso, cruzo meus braços a o olhar, está a gozar da minha cara, é isso? Carl me olha e olha o copo em sua mão, sorriu para ele mesmo e foi a primeira vez que vi um sorriso brotar nos seus lábios. Pequeno mais foi um sorriso, está esperando eu pedir? Pois peço, não sou orgulhosa.
  — Carl pega um copo para mim, por favor — percebo o quanto minha voz tentava não falhar, Carl anda até mim seu corpo alguns centímetros longe do meu e em sua boca tem um sorriso malicioso.
  — Pequena — o modo que aquilo saiu da sua boca me fez pensar se Carl não é diferente de Jeremian, se pratica bullying e ofende seus colegas de classe, não poderia o julgar agora, mas eu não queria ter que aturar isso no lugar que deveria ser meu refúgio, até mesmo no meu momento de paz.
  — Obrigada — agarrp o copo e coloco um pouco do suco de maracujá que está ainda sobre a mesa. O garoto sai do meu campo de visão subindo as escadas. Tomo um pouco do líquido no meu copo e sinto-o descer frio pela minha garganta e resfriar o meu peito enquanto olho para fora, percebendo pela primeira vez o quão bonita é a visão do quintal, nem precisa de muito para ser belo. Um lindo campo verde murado por folhas, não sei se vivas, mas provavelmente, um banquinho azul e vários jarros médios de folhas espalhados por ali, deitado num círculo de pedras perto de um balanço na árvore, está o gato, essa casa é maior, pois é a última da rua com direito a esse enorme espaço como quintal, na frente da casa ainda tem um belo jardim que Elina deve passar um bolo tempo trabalhando. Bebo mais um pouco do suco sentindo o gosto delicioso descendo garganta abaixo - eu imploro para que essa delícia não desça outros lugares abaixo.
  — Por que você está com essa cara? — a voz rouca interrompe meu saboroso lanche da manhã e a maravilhosa visão que eu estava tendo, eu o olho e agora vejo que veste calças suaves e parece sentir frio, já que usa uma blusa de manga longa, olhando para fora parece está frio mesmo. Está minha frente de braços cruzados enquanto se apoia na beira da porta, nunca deixou de me olhar e eu nunca lhe dei uma resposta. Parei de o fitar, pois, isso é desconcertante, ele havia percebido meu olhar e eu sabia que estava corada.
  — Só é saboroso — minha voz saiu num fio, olha meus olhos e resolvo guardar o suco — não está com calor? — me atrevo a perguntar, já que aqui dentro está numa temperatura agradável.
  — Não — frio, seco, rude e... irritado? Agora pouco foi, "simpático" em trocar poucas palavras e de repente está irritado? Passo por ele e sento no sofá ligando a televisão passa desenhos animados e confesso que gosto do conteúdo infantil. Percebo que passa por mim e logo sobe as escadas, fechado e bipolar, eu diria que foi bom, não foi uma conversa, mas pelo menos indica que podemos estar caminhando para uma amizade. Logo desce novamente e vai em direção a uma das portas, talvez o porão, o que faz lá? Queria realmente uma amizade com Carl, parece uma pessoa ótima para conversar, mesmo que não teremos uma relação de irmãos e reconheço isso, pelo menos podemos ser amigos como eu e sua mãe estamos tentando, estou aqui a um dia, mas sinto que já posso sentar e conversar com Elina e descobrir mais sobre esse mundo deles sem tocar em assuntos delicados, mas olhando para Carl? A sensação é que não teremos tão rápido uma conversa amigável a não ser coisas como: me pega um copo?

  Elina chegou horas depois e só assim percebi como o tempo havia voado, eu a ajudei com as sacolas de compras e com as revistas. Eu estou na cozinha guardando algumas coisas quando a mesma aparece com uma roupa diferente e de cabelos molhados, Elina é uma mulher em base de seus quarenta e sete anos por aí, tem cabelos negros e olhos claros, uma mistura do marrom e verde, não são iguais os de Carl, mas são iguais o de Loren ou pelo menos Loren tinha os olhos da mãe.
  — Querida você viu Carl? — a mesma por agora pega algumas comidas que eu deixei a mesa e guarda em lugares que eu não sabia onde eram antes.
  — Vi mais cedo e não o vi mais — sim eu não havia percebido mais Carl estava sumido.
  — Vou ver se ele está no porão — concordo e me sento a bancada, brinco com meus dedos enquanto a mulher não volta, penso em como será a escola, tento não pensar em coisas que afetem a minha ansiedade, mas acontece que me sinto ansiosa o tempo inteiro. Vejo que Elina anda de um lado para o outro e logo uma batida na porta é ouvida.

Destinados - Um Começo Para O Fim - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora