~65~

395 38 7
                                    

  — Você foi, mesmo quando não queria ir? — Carl suspira e me olha, suas pupilas estão dilatadas.
  — Como você pode faltar numa consulta, quando sua mãe está ao seu lado? Não reclamando da ajuda que ela queria me dar, mas quando você tem uma coisa mexendo com seus sentimentos vinte e quatro horas — se calou, mas entendi o que ele quis dizer, respirou fundo tomando todo o seu chocolate de uma vez — é desgastante e você sabe que isso também afeta as pessoas ao seu redor. A única pessoa que sabia lidar comigo, morreu. Ela sabia quando eu estava bravo, ela sabia o que me acalmava, só de estar perto dela, parecia que acalmava o Hulk dentro de mim.
  — Entendo — tomo mais um gole do chocolate agora morno. Ficamos quietos por minutos, juntos, esperando que eu acabasse o meu chocolate quente, e fiz com calma, pois, apesar do seu ser intimidante eu queria sua companhia, mas no fim, fomos cada um para seu quarto.
Acordo com o alarme cinco minutos mais cedo, mas nem mesmo adiantou de nada, me prendo em pensamentos ainda na cama e quando levanto já havia se ido quinze minutos do meu tempo livre. Caminho até meu guarda roupas procurando algo para vestir para ir à escola. Está passando rápido o ano escolar, já estamos quase no começo de setembro faltando alguns meses, teremos nossa mini férias de natal e mais cinco meses de aula, isso passa voando, será meu décimo natal sem minha mãe e ano que vem, no aniversário do papai, fará onze anos que houve o acidente. Suspiro sentada sobre um pufe no quarto e nem percebo a hora. Ouço os batidos na porta e logo ela é aberta.
  — Bom dia — olho em seus olhos levemente avermelhados.
  — Bom dia. — Olho para meu broche em mãos, era de mamãe, eu estou me esquecendo de seu rosto. Sua voz, não é mais memorável, eu agora quase não me lembro dela. Coloco os sapatos e seguro a bolsa, paro em frente à porta onde me espera.
  — Está tudo bem?
  — Por que não estaria? — o olho.
  — Estava chorando? — confusa limpo meus olhos, nem mesmo percebi que havia chorado em meio aos pensamentos sobre minha mãe.
  — Caiu um cilho no meu olho — sorri, Carl sabia que não, mas entendeu que eu não queria falar sobre o tal "por que", então sorriu e nesse momento minha cabeça girou e senti seus braços ao meu redor.
  — Angel! — fecho meus olhos com força por um tempo e ao abrir me deparo com seu semblante preocupado. — Você está bem?
  — Foi só, uma tontura — me desfaço dos seus braços, mas ainda estou meio tonta.
  — É melhor ficar em casa — aceno que não — vai ficar, hoje é dia de quadra, não vai conseguir fazer exercícios desta forma, está pálida — respiro fundo e olho em seus olhos, está certo — tem comido direito? — engulo em seco, pois, as semanas que vem passando eu quase nem comi, venho sentindo muitos enjoos e tonturas.
  — Eu vou ficar — sorrio e viro as costas entrando para o quarto novamente. Dá para ver que ainda está no corredor, sua sombra por debaixo da porta o denúncia. Jogo a bolsa para o canto, eu serei capaz de chegar ao fim desse ano escolar antes de ser internada?
Acordo me sentindo meio tonta me sento à cama e olho todo meu quarto, no relógio marca que são oito e quarenta da manhã, aos poucos tento lembrar o porquê de não ter ido à escola, lembro-me da tontura, da sensação ruim e de chorar antes de dormir. Levanto-me um pouco cambaleante e ando até a porta, assim que abro um bilhete cai.

"Fui à escola, descanse e quando chegar falamos"
C.

  Desço e me deparo com Daniel a ler seu jornal e Elina a mexer no notebook, saúdo ambos que me responde com calorosos "bom dia", me sirvo de café e passo geleia nas torradas.
  — Dormiu mal querida? — Elina me olha por cima dos óculos.
  — Sim — sorrio meio-termo e voltou a digitar.
  — Percebi que você e Carl estão se entendendo — meu coração acelerou — hoje de manhã ele foi te acordar mais você não acordou, deixou até um bilhete. — Meus olhos estão quase esbugalhados.
  — É... andamos conversando bastante, ultimamente — mordo a torrada e olho meu café, mais o que você reparou Elina? Que às vezes intercalamos no quarto um do outro, trocamos beijos escondidos no carro, que ele passa tempo demais me esperando, no meu quarto? O que mais você notou? O café foi revertido em pensamentos e silêncio, eles a ler eu a pensar, tudo fora estava calmo, mas tudo dentro. Ansiedade, dor, ânsia, medo e formigamento. Termino o café e saio discretamente, subo as escadas para me preparar para o final de semana em Manchester, preciso de livros, preciso sair da realidade e entrar em um reino onde o rei está atrás de mim por eu ser uma rainha perdida. Preciso viver uma realidade um pouco diferente da minha, talvez uma que eu tenha uma mãe, talvez uma que eu não seja doente, uma que não exista dor. Quero o impossível, sem nem viver no possível.

Destinados - Um Começo Para O Fim - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora