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   O rapaz dos olhos verdes me olha no fundo dos olhos, e assim como em muitas vezes, não senti vontade de desviar meu olhar, suas sobrancelhas franzidas dão o ar de confusão, dá um passo a frente, se apoiando no balcão.
   — Sei que ouv...
   — Nada do que disse é segredo para mim. Não precisa se justificar — morde sua bochecha e balança a cabeça desviando nossos olhares, sinto muita necessidade de já lhe entregar o diário de sua irmã. Não sei se será bom, porque Carl é imprevisível, não sei se realmente superou o fato de que sua irmã não está mais entre nós, sinto que o mesmo Carl de antes está voltando, aquele menino fechado que chorava e não dormia á noite, que se tranca no porão para fazer suas pinturas e só sai depois de dez horas pintando e fotografando. Vejo que segura um maço de cigarros e parece impaciente para fumar — observe a água para mim, por favor — passo pelo mesmo. Seria melhor entregar para Elina, mas não terminei de o ler e nem o quero, não sei o que tem no fim e não quero expor a intimidade de Carl, por mais que seja sua mãe, eu que não tenho o direito. O entregarei, e não irei mentir que li algumas das páginas. — Aqui — paro a sua frente — arrumando alguns papéis meus que guardo em um lugar secreto que sei que você mexeu para pegar a foto de Lucas — suspiro — no fundo havia um diário, é de Loren e ele todinho fala sobre você. Confesso que li umas dez páginas, mas não queria entrar na sua vida. Está ai — tiro meu chá do fogo. Carl o encarou por muito tempo, antes de suspirar e abrir.

   — Te espero no carro — antes que pudesse falar qualquer coisa a respeito, já não está no mesmo ambiente que eu. Despejo o liquido quente numa xícara e subo, caminho até meu quarto e olho o espelho do banheiro, aparentemente estou ótima, poucas olheiras e cabelos arrumados, pelo menos não pensarão que eu sou uma louca. É o que penso, desço novamente para tomar o chá com cuidado antes de deixar a xícara a pia, e encarar o rapaz dentro do carro com o rosto sem expressões.

     Em silêncio o carro anda pelas ruas de Londres e a música do rádio acalma todo aquele ambiente tenso que se formou entre eu e Carl, apenas admiro todo aquele enfeite de natal sendo retirado das árvores.
    — Já participei de grupos de apoio. E, não vou mentir a você que é algo mais delicado, diferente de está a sós com alguém. Para mim foi difícil me abrir totalmente como eu me sentia, até me passarem para uma consulta única.
   — Por que parou? — o olho.
   — Não sei — foi uma palavra seca. Dava para ver a sinceridade, não era algo dito da boca pra fora para acabar a conversa.
   — Não pensa em voltar? — me olhou quando o carro parou. Balançou a cabeça negativamente e olhou o edifício.
   — Agora vai, t espero — segura o diário de Loren, suspiro me levantando e batendo a porta olhando a estrutura marrom a minha frente. Vamos lá! Entrando no lugar, ouço o falatório baixo, poucas vozes, meu coração tão acelerado que paro para respirar melhor. Repito milhões e trilhões de vezes que tudo ficará bem, e assim entro pela porta para ver a roda de pessoas que estão no pequeno ambiente que ao ver era tão confortável.
   — Você deve ser Angel Cooper?
   — Sim — sorri pequeno
   — Sente conosco — um rapaz moreno de cabelos cacheados sorriu e caminhei até ele, onde havia um lugar disponível e nele, havia meu nome.
   — Vamos nos apresentar a ela começando por mim, sou Stanley — todos disseram seus nomes logo a seguir, deixando em minha cabeça cada um. Ainda um pouco tímida era difícil olhar nos olhos de alguém, mas enquanto falavam ouvia seus relatos.
   — Halley você gostaria de compartilhar algo conosco hoje? — olho a menina de cabelos ruivos e unhas pretas e a mesma concorda.
   — Ontem á noite, meus pais brigaram novamente, e ele saiu para beber, quando voltou agrediu a mim e a minha mãe. Ela disse que iríamos embora, mas acontece que ela sempre diz, queria ir, mas não teria pra onde. A cada dia aquilo está se tornando abusivo para nós, mas ela ainda o ama e acredita que irá mudar.
   — Você poderia alugar algum lugar e ir com ela, convencer ela que o seu pai não vai mudar ou fazê-la mudá-lo. Fazer ele mudar tocando em uma ferida dele, que o fará pensar melhor nos atos e se ele ama sua mãe fará isso. Aos poucos como cada um de nós vamos mudando. Finn? — O garoto de lindos olhos castanho e sardas sorriu.
   — A cada dia eu consigo me livrar um pouco da bebida, confesso que está sendo difícil. Mas o caminho da cura está perto, vou ao centro de reabilitação, é por isso que estou ausente por aqui — sorriu amável —  não a nada mais libertador que isso. Acreditem — disse animado — acreditem no seu potencial.
   — Pessoal, todos aqui temos algo para curamos, seja psicólogo ou físico, mas quero que saibam de algo que nunca citei aqui. Doente não cura doença, procurem ajuda profissional, continuem vindo a roda, ouvir relatos de outras pessoas e como estão superando seus medos, é algo motivacional. Aliás somos uma família, ganhamos uma irmã hoje e talvez através dessa irmã, ou de mais alguém aqui. Ganhamos outros. Angel, gostaria de compartilhar algo conosco? — desperto e o olho, engulo em seco e encaro todos e o desenho no meio do tapete.
   — Não precisa ter medo — a voz mais grave foi ouvida e olho para o rapaz ao meu lado. Descobrindo quem era, o mesmo que havia pedido para Jonathan e Augusto parar de me estrangular. Não sabia seu nome ainda — somos todos pessoas feridas, procurando um refúgio.

  — Bom — olhando nos olhos do garoto ao meu lado respiro fundo encarando todos a minha frente. — Quando era pequena presenciei um acidente na qual eu estava presente — sentia minhas mãos soar e na porta, bem longe, vi a sombra de alguém alto — na noite de 15 de Junho, Jane Cooper bateu o carro contra um caminhão. Sai com poucos ferimentos comparado aos dela, descobri que ela tinha um câncer e também descobri, porquê ela tinha tanto amor a vida, como vivia tão intensamente. Seu câncer já havia chegado ao fim e ela não bateu por ser um simples acidente. Sua visão sumiu. A partir daí, foi apenas eu e meu pai, Daniel. Minha infância não foi fácil desde sempre. Sofria bullying por gostar de comer além da conta, nunca tive amigos e nem praticava esportes, na verdade nunca sai do vestiário — soltei uma pequena risada, os olhos cheios d'água, mas não queria demonstrar fraqueza — sempre me achei uma menina cheia de qualidades, mas nunca tive alguém ao certo para mostrar. Na minha vida toda só tive um amigo, que faleceu a poucos meses — ouço alguns 'sinto muito' antes de continuar — nessa caminhada dolorosa, adquiri a anorexia e não desconfio da bulimia, depressão talvez e uma fobia social, me prendi em um quarto com desenhos e livros, fotografias e chá. Pensando bem, nunca quis estar doente, na verdade quem quer? Mas, eu sempre tentei por mim própria cuidar de mim, nunca gostei de demonstrar fraqueza. Nunca foi uma preguiça ou falta de vontade para me tratar, eu apenas. Tinha medo disso tudo. — Olhei todos que me encaravam alguns comovidos, talvez pela minha comoção, olho Carl, sobre a porta a dar meia volta e voltar ao estacionamento, nervosa espero uma resposta de alguém pelo meu desabafo. Enquanto brinco com meus dedos escuto um longo suspiro e olho o homem de cabelos nos ombros.

  — Quando entrou pela aquela porta — parece pensar, engole em seco e sorri —, não sabia o porquê, o motivo de está aqui, porque de longe se enxerga o quão grande é a suas qualidades, não imaginei que diria que tem anorexia ou bulimia, te olhando assim, parece uma pessoa normal, também nunca pensei que teria uma fobia social. Pessoal — o vejo passar a não no rosto e olhar a todos, se senta mais aconchegante — Angel é uma lição não só a nós, nós precisamos aprender, somos os tutores das pessoas fora daquela porta — aponta para a madeira com desenhos — mas, ela — em seguida aponta para mim — é a prova que existem pessoas doentes e não é porque ela não aparenta ser magra demais, ter olheiras ou não está tendo um ataque de pânico aqui, que significa que não está doente, ouvindo seu relato eu senti o quão esgotada ela está e não é só psicologicamente, sua aparência é ótima — me encara — mas ela esta esgotada fisicamente também. Pode ter contado nem parte da sua vida. Mas dá para imaginar como sofreu. Assim como cada um que está aqui. Quero que cada um bata palmas, para si e para cada um que hoje veio aqui contar um relato da sua vida — as melodias foram ouvidas e todos levantaram para o café. Eu, caminhando para o estacionamento sinto uma mão ao meu ombro.
  — Angel — a voz do menino que não sei o nome ainda, me interrompe os passos e me viro para ver seus olhos — eu quero lhe pedir desculpas por aquele dia — me olhar nos olhos.
  — Tudo bem, eu já esqueci — tentei sorrir mas tenho certeza que me saí horrível.
  — Sou Cole — estende a mão.
  — Prazer — a seguro

Destinados - Um Começo Para O Fim - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora