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  Engulo em seco olhando para as ruas, então Carl trabalha para criminosos sem escolha e sem saída, ameaçam sua vida e das pessoas ao seu redor e o pior de tudo, pelo que Elina já me contou, expõe ele ao que deixou no passado, as drogas. Carl está tentando ser uma pessoa boa, está querendo afastar seus vícios, mesmo fazendo isso sozinho sem ajuda de profissionais, está exposto a muitos meios do vício e isso pode ser não só prejudicial ao seu estado mental, mas atrasa tudo o que ele planejou. Não quero entrar mais afundo na conversa, ele com certeza pode estar consumindo também a cada recaída sua. Isso me doí pensar. Somos tão iguais em alguns aspectos, queremos cuidar um do outro sendo que não cuidamos nem mesmo de nós, queremos parar com nossos demônios, mas não queremos ajuda para facilitar tudo. Penso que querer fazer sozinho primeiro é adiar o que não deveria ser adiado, conseguirei mesmo me cuidar até o fim do ano letivo? Eu consigo não vomitar depois de comer? Consigo me manter até a ajudar profissional chegar? É ridículo só estou adiando o meu medo, como Carl faz com a bebida e a droga.

  — Não há nenhum jeito? — fica calado depois da minha pergunta de repente, o olho enquanto dirige e pensa na minha pergunta.
  — Um jeito de sair do crime mesmo quando não queria estar nele? — está com um ar de riso irônico — o jeito é ir embora, fazer tudo para esquecerem que você fez parte disso, mas isso não existe, ou você foge e consegue viver sem a culpa de seus parentes estarem sendo mortos sem saber o porquê, ou você foge e morre no processo — para o carro e joga sua cabeça para o banco. Ficamos em um longo silêncio enquanto olhamos para a rodoviária, as pessoas passando com suas malas, sendo recebidas por seus entes queridos e nós a falarmos de como tudo pode desmoronar em segundos — queria tanto ir com você — suas expressões estão relaxadas, parece cansado.
  — Por que não vem? — sua cabeça pende para o lado me olhando, um breve sorriso aparece e deixa seus lábios úmidos, então seu olhar desvia do meu para olhar outro lugar a não serem meus olhos, o sorriso se vai dando lugar a expressão fria.
  — Como explicar para Elina que sumi por dois dias, ainda mais quando você também viajou? — ri da sua pergunta.
  — Você sumiu por um mês e nunca justificou — solta uma gargalhada rouca.
  — Ela não estava desconfiada de um romance proibido. — Sorri com sua brincadeira. Carl sai do carro e faço o mesmo segurando minha mochila. Seguro sua mão e caminhamos para dentro da rodoviária, me puxou de lado me abraçando enquanto eu aproveito mais um pouco da sua companhia essa noite. A ida para Manchester não seria somente para a biblioteca como sempre. Iria tentar chegar aonde é a antiga galeria de artes da minha mãe. Tentaria saber, se eu como filha do novo dono, Daniel Cooper, poderia reabrir. Dentro do ônibus lhe dou um tchau o vendo sorrir mostrando covinhas, cheguei a esse ponto de sentir aflição de deixá-lo sozinho com um bando de bandidos, nunca pensei que ele deveria tanto as minhas preocupações, aliás, Carl sabe se cuidar até demais, mas também devemos tomar os devidos cuidados com o mesmo. Carl também tem suas recaídas e a última quase o matou de overdose. Enquanto sem sono eu reparo para as janelas do ônibus que anda pelo centro de Londres observo as estrelas.

***

  No apartamento assim que entrei fui invadida de memórias, eu havia esquecido por breve momento que esse era o meu museu, tudo o que eu havia passado na minha vida estava registrado em todos os cantos que eu olhasse, as lembranças da minha mãe, dos dois juntos, das obras, das brigas bobas, das tardes de folga, até mesmo depois da sua morte. Na minha mente, foi como um desenho, cheio de cores quando estávamos felizes, e preto em branco pela depressão do meu pai e as bebidas, pelas surras e insultos da escola, pelas tardes de fome e vômitos, pelas tentativas de morte, pelos choros por me achar egoísta e esquecer que eu acabaria com meus sofrimentos e aumentaria os do meu pai, pensar nesse turbilhão de coisas logo na minha chegada de madrugada, me fez chorar uma boa parte do tempo, não lembro quando dormi, mas lembro de acordar cheia de mensagens de Carl e Daniel. Por fim quando eu levantei da cama, era tarde e me fez lembrar-se das tardes a só quando meu pai não estava comigo, não sei se a vinda para cá foi a melhor escolha, estou me recuperando de pesadelos que, na verdade, nunca foram embora, estar aqui mexeu com meus sentimentos, consequentemente mexerá com muitas coisas dentro de mim, a minha mente está cansada e mesmo assim se mantém trabalhando nos meus sonhos, no meu sentimental, estou começando a achar que se quero me curar, eu tenho que abandonar o passado, o que para mim, significa muita coisa, pois, o passado nem sempre foi ruim, mas excluir partes dele na minha mente é destruir muitas outras coisas.

Destinados - Um Começo Para O Fim - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora