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   Desperto com a luz do dia, um cor amarelada atravessa a cortina cinza, passo dez minutos remoendo na cama de um lado para o outro a fim de voltar a dormir, são oito da manhã e não sei se Carl está acordado, nem mesmo sei se dormiu, sentando a cama me lembro do episódio de ontem. Nunca o vi bêbado, exceto por quando cheguei na sua casa, mas, não parecia bêbado só estava fedendo a bebida. Deixo de pensar nele e levanto da cama arrumando a mesma para não ter mais vontade de deitar, tiro a preguiça do meu corpo e vou ao banheiro fazer a higiene matinal. Voltando coloco uns calções largos pretos e uma regata também preta e saio do quarto. Parada em frente a porta ainda suspiro olhando para as escadas, mas meu olhar percorre até o fim do corredor, onde percebo a porta aberta pela iluminação do dia, já está acordado. Viro o corredor e desço a escada, no último degrau vejo sua pessoa sentada na beira da mesa.
   — Bom dia — passo por ele indo a geladeira ouvindo seu grunhido.
   — Pareço de bom humor? — não respondo, continuo pegando na caixa de leite para esquentar um pouco — droga! — ouço baixo enquanto observo passarinhos no lago — desculpe-me por ontem — Carl não é bom com desculpas, obrigado ou algo assim, mas como ele se lembra do que fez?
   — Tudo bem Carl — me sento a sua frente esperando o leite esquentar, não querendo o olhar continuo olhando para fora. Ficamos em silêncio um bom tempo até o micro-ondas decidi apitar e nos despertar dos nossos pensamentos. Me levanto e seguro cuidadosamente o copo quente voltando ao meu lugar.
   — Você não come muito — parece ter dito sem pensar e não perguntou, afirmou.
   — Passo mal se comer muito pela manhã — tento dá o meu melhor sorriso, por que se importa? Acabou de ser grosso comigo. Ouço uma pequena risada negativa da sua parte, como se não acreditou, me olha e uma mistura do medo e ódio sobe em mim me fazendo apertar meus dedos em volta do copo.
   — Você tem certeza? Isso...
   — Eu tenho — me olha e sua boca se fecha, o que iria falar foi cortado por mim. Tomo o leite aos poucos o que nos permite momentos juntos, ele a pensar de um lado eu a pensar do outro, meus pensamentos me trouxeram uma mistura de sentimentos que não é capaz de ser abafado. Eu me levanto calma coloco o copo na pia, saio da sua presença, a primeira lágrima caiu no segundo degrau e a partir daí eu não parei mais, fecho a porta do quarto e me jogo na cama, os pensamentos ainda rondando minha mente entre os insultos de Jeremian e o medo de voltar a ser o que eu era, gorda. Eu choro tanto que não existe mais lágrimas, meus olhos doem e eu sinto minha garganta seca com um nó de tanto que eu tento prender o choro e abafar os soluços. Tem uma hora do meu surto de choro que eu esmurro a parede, desconto nela tudo o que eu gostaria de descontar em alguém, até não sentir mais meus dedos.

   Abro meus olhos devagar e não sinto a superfície dura de onde eu havia dormido talvez, estou sobre minha cama, minhas mãos estão enfaixadas e apenas uma luz entra no meu quarto pela brecha da porta, levanto cuidadosamente para fechá-la, mas a luz do quarto de Carl me chama atenção, olho o relógio que marca seis e trinta e oito da noite, dormi por muito tempo. Aproximo-me do seu quarto e olho para ele de costas para a porta com algo na mão que eu não sei o que é. Não estou a acreditar no que eu vejo, é a primeira vez e eu sei que se Carl me vê, ficará furioso. Está a chorar! Chora com algo nas mãos e grandes soluços são ouvidos de sua boca. Eu nunca havia visto alguém a chorar e isso me surpreende vindo dele, não entendo a surpresa já que ele é uma pessoa comum, pessoas choram. Me afasto aos poucos retornando para o corrrdor, acho melhor não atrapalhar seu momento, desço as escadas e pego num copo que está sobre o balcão, minhas mãos doem muito e pegar a jarra é dificultoso, esquento o leite no micro-ondas e enquanto está lá observo o lago, com as imagens de agora pouco na minha mente. Bebo todo o leite e quando me viro bato com um corpo e dou de cara com Carl a me encarar, será que me viu? Está furioso. Engulo em seco e passo pelo mesmo com meus olhos nos pés, respiro fundo subindo as escadas, mas antes de concluir os degraus meu braço é puxado e meu corpo prensado contra uma parede de imediato e cá estamos, numa proximidade única e eu a tremer. Não quero fazer contato visual com ele, ainda mais pelo que aconteceu minutos antes.
   — É errado bisbilhotar a vida dos outros — sua voz rouca e grave me dá a impressão que me repreende, como uma criança, eu só preciso responder, mas aglomerar as palavras na minha boca é difícil, olhando para a sua.
   — Eu só queria agradecer por isso — mostro-lhe a mão, mas não faz questão de olhá-la. Olha-me por mais alguns minutos e sobe as escadas me deixando a soltar todo ar dos meus pulões para fora aliviada.

   No meu quarto não sinto mais a presença do sono e olhar para fora das janelas é um grande passatempo, quando chego realmente a sentir algo, já é quase dez da noite, o bom é que o barulho da natureza relaxa, não são os carros, as buzinas, os falatórios, o bom dia de gentileza ou até mesmo o carro do leite, é apenas as corujas, o rio e a voz de Carl a falar coisas que eu não entendo. Ainda está acordado.

Destinados - Um Começo Para O Fim - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora