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Carl

  Ouvimos a porta ao lado abrir e os dois adultos descem conversando, olho para a menina que sorri sem dentes, seu rosto misturado de vergonha e alegria, um passo dado. Ao saímos do seu quarto outras coisas voavam em minha mente, não é como se fossemos casar, mas, o que será que ela também pensa? Estamos com medo só pelos nossos pais serem quase casados, não somos nada um do outro, por que raios ficariam bravos mesmo? Só pelo fato de quererem que agíssemos como irmãos e não agimos? Chegamos a cozinha a ponto de ouvir uma parte da conversa deles:
  — Sim, irei dar a eles, se quiserem aceitar — ouço a voz de minha mãe e quando adentramos a cozinha nos olham.
  — Falavam de nós? — me sento ao lado de Daniel, Elina me olha e cerra seus olhos antes de sorrir.
  — Sim, ontem quando passei pelo centro, vi o anúncio que hoje teria uma palestra no antigo teatro — tira de seu bolso dois papéis — julgo que seria bom a vocês — me entrega e vejo que se trata de dois ingressos, olho para Angel que me encara e da de ombros com cara de que nem sabe do que se trata. Realmente não sabe.
  — Obrigado — guardo o mesmo no bolso da minha blusa de frio e todos iniciamos um café da noite calados. Ninguém ousou à falar algo e confesso que é bom, mas estou estranho como nunca me senti antes, talvez porque não aceitei cem por cento o fato de Elina saber e ter engolido tudo isso, mas não vou insistir, no entanto, pensei que a pessoa que mais ficaria brava por saber que Angel e eu estamos juntos, seria ela.
  — Carl está bem? Como foi a escola? — me olhou preocupada.
  — O dia estava bom demais para ser verdade e infelizmente quem teve um dia ruim foi Angel, acredito — encaro a menina. — Mas acabei brigando com uma menina. Não queria discutir, sei que não vai bem para mim e que meu histórico não é dos melhores, mas sabe como sou, não seguro tudo calado por um bom tempo. Enfim, tive prova de biologia e acho que fui bem. — Termino de falar pondo a última garfada de comida a boca — e estou bem — tomo um gole do suco de manga.
  — Mas, como assim, ruim para Angel? — Daniel começa.
  — Algumas meninas mexeram comigo no banheiro da escola — realmente depois do intervalo Angel não apareceu, não fez a prova de biologia, pois, não a vi. — Jogaram lixo no meu cabelo — torceu os lábios.

  Daniel parecia bravo. Mas não se pronunciou em mais nada, todos terminaram suas refeições quietos, exceto eu que já havia acabado. Angel e Elina terminaram de arrumar tudo enquanto Daniel e eu víamos jogos de basquete na sala, Elina se retirou mais cedo enquanto para o quarto e Angel termina a louça, quando fez, apagou às luzes da cozinha e subiu as escadas, saldei Daniel com um "boa noite" discreto depois de um tempo e também subi, atrás da garota. Direto para dentro do meu quarto a vejo sentar na cama com seu diário, queria desabafar meu dia e minhas angústias, tirar o peso das costas, seria bom, seria ótimo. Caminho para perto dela e me sento olhando em seus olhos.
  — Está tudo bem? — sua cabeça pende para um lado quase deitando em seu próprio ombro, deixa o caderno ao lado e respiro fundo.
  — Apenas uma dúvida que está me tirando a paz desde o jantar — coça sua palma da mão e observo seus movimentos. Está ansiosa.
  — Diga — abre um sorriso sem jeito, tenta disfarçar sua curiosidade e ansiedade.
  — Estava a vomitar, não é? — minha voz sai do jeito que planejei, suave, calma, sem demonstrar frieza e ignorância — não foi a aula e perdeu a prova. Você nunca perde uma prova Angel — seus olhos desviam dos meus, suspira, se ajeita no colchão, não está feliz, seu semblante cai em culpa e sei a resposta, mesmo se tentar mentir, Angel é uma péssima mentirosa.
  — Sim, estava a vomitar — olha nos meus olhos. — Esses dias têm sido um saco, estou a ter recaídas constantes. Ontem e anti-ontem tive pesadelos e não dormir bem. Pensava que tinham acabado, mas infelizmente, não — desvia seu olhar — mas o pesadelo mudou, não é mais minha mãe, sou perseguida, não sei por quem, me lembra muito quando estávamos em Manchester.
  — Angel — chego perto — vem cá — me abraça. — Recaídas faz parte do processo. Quando estiver com profissionais saberão cuidar disso, mas por enquanto, está tentando o seu máximo — me olha e seguro suas bochechas. — Não se sinta culpada, está doente e precisa de ajuda. Mas o que você não pode, é nunca desistir. — Só tenho essas palavras, pelo simples fato de chorar, por se culpar.

Destinados - Um Começo Para O Fim - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora