CAPÍTULO 04
Leônidas encontrou o amigo na calçada em frente a S.V. Comunicações com a psicóloga. "Bela, muito bela", pensou Leônidas ao rever a filha caçula do patrão. Apesar da beleza de Helionora Garuzzo ser impactante, o rapaz não deixava de se preocupar com Gareth.
– Eu disse tudo para ela, Gareth. Agora é com você – disse Leônidas ao sair da sala de Helionora.
Três tiros e uma sirene fizeram ele ficar naquele estado. Imagine se fosse uma viatura? Ou uma perseguição entre traficantes? Leônidas sentou-se na sala de espera e viu o amigo entrar, sabendo que ele, Leônidas Naves da Costa, nunca teria chance com uma mulher que conhecesse os seus podres.
– Pois bem, Gareth, eu quero saber a sua versão da história – decretou Helionora.
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Já era dia 27 de outubro e Luís Cláudio não levara Ruthy para viajar em seu aniversário – que fora há uma semana. Isso mostrava que Luís não se importava tanto com o aniversário da esposa – ou com ela. "Pelo visto o golpe da virgindade começa a perder o efeito depois de 18 anos", pensou a libriana. E o amor, antes uma chama que transbordava o coração, não parecia mais existir. Pensando nestas coisas, Ruthy entrou na mansão do sogro para levar Simonetta de volta para casa. A adolescente partira da escola para a casa do avô na tarde anterior, alegando estar com saudades de Eden. Detalhe: Simonetta tinha visto o primo na missa em Teixeira de Freitas. À noite, Mona ligou dizendo que ia dormir na casa do avô. Certamente Mikhael tinha ficado muito feliz com a presença da primogênita de Luís Cláudio. O filho caçula de Maytê tinha uma grande queda por Simonetta e pela S.V. Comunicações — principalmente pela empresa de Simão). Claramente e — ainda bem! —, Mikhael não era correspondido.
Estando já na sala, vira alguém de quem já fora a melhor amiga. O reencontro com a cunhada, que parecia madrugar na casa do pai, não foi dos melhores.
– O conto de fadas acabou ou o Luís Cláudio esqueceu que você dorme ao lado dele? – ironizou a cunhada de Ruthy.
– Bom dia para você também, Maria Marta. O Marcelo já sabe que dorme ao lado de uma freira?
– Sim, eu rezo para que o diabo mude de ideia e mande minha família pro purgatório, mas não é por isso que sou freira – bajulou-se a beata. – Aliás, minha vida sexual é mais ativa que a sua. Abel, Caim, não mexam no fogão.
Vemos, de longe, que Maria Marta não é muito sensata, pois escolhera um nome miserável para um dos gêmeos. Os pequenos eram, segundo a maioria das opiniões médicas, surdos-mudos. Porém, sabiam muito bem se esconderem na cozinha quando sua mãe, Maria Marta, começava a briga de cada dia com a avó paterna, Maytê.
– Eles não escutam direito e nem vão te responder... – Ruthy parou sua fala e encostou a mão no sofá. – Isso foi uma indireta para mim? – Suspeitou a cunhada de Marta.
– Sim. Você escuta. Se tenho filhos pequenos, é porque transei.
Maria Marta sabia usar muito bem o seu veneno, assim como o animal que representava seu signo, um escorpião.
– Mãe, dá para não cair nas provocações da tia Marta? – aconselhou Simonetta, enquanto descia a escada.
– Cadê a bênção da tia? – cobrou Maria Marta.
– Bênção tia Maria Marta – respondeu a menina, revirando os olhos.
– Deus te abençoe, minha querida sobrinha – abençoou a beata.
Ruthy, que já estava cansada do diálogo com a mãe de Eden, pegou a mochila da filha. A missão de encontrar a primogênita já estava cumprida. Ela não precisava passar por nenhum contratempo.
– Sua mochila está bem pesada, Simona. – reclamou a mãe da moça. – Está carregando pedra por acaso?
– Tenho uma prova muito difícil segunda, mãe.
– Você nunca achou nenhuma prova difícil, Simonetta.
– Ensino médio, mãe. Ensino médio – disfarçou Simonetta.
Anos depois Ruthy descobriria que aqueles livros não eram de estudo e sim de sexo.
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Uma das poucas coisas que dava prazer a Eden, além de conversar sobre Os Cavaleiros do Zodíaco com Simonetta, era ajudar Abel e Caim a expressarem suas emoções. Como de costume, Maria Marta soltou seu veneno em uma pessoa aleatória – desta vez em sua tia Ruthy – e usou seus filhos para dar suas ferroadas. Pensando no bem-estar dos irmãos, Eden retirou dois potes com letras de sua mochila. O de tampa castanha era de Caim e o de tampa verde era Caim.
– O que foi desta vez? – indagou o primogênito de Marcelo.
Os meninos, já sabendo da estratégia do irmão, responderam arrumando as letras desejadas: "BRIGA", escreveu Caim; "GRITOS", confirmou Abel.
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Gareth segurou o choro ao falar do que não queria falar, do que não devia ser compartilhado, do que ele queria esquecer para sempre. Helionora ficara surpresa, mas aquela não era a pior história que já ouvira. Mas estava, indiscutivelmente, entre as piores.
– Você costuma fazer um checape com todos os funcionários do seu pai? – quis saber Gareth.
– Eu falo com alguns, não com todos. Não se preocupe, você não perderá o seu dia de emprego – confessou a psicóloga. – Mas não é sobre mim que estamos falando e sim sobre você... Então, você poderia me responder algo, Gareth? Me diga: depois de tudo que você passou, você ainda tem sonhos, desejos, metas? E qual é o maior deles, caso eles ainda existam?
– Eu quero me formar, por enquanto. E, o meu maior sonho, eu diria que é me tornar uma pessoa boa, uma pessoa melhor.
– Alguns de nossos atos são feitos sem pensar, sabe? Pessoas boas ou pessoas ruins fazem coisas boas e coisas ruins, algumas fogem do nosso controle. Mas, nosso não é uma função que tenha apenas dois resultados possíveis: maldade ou bondade. Ela é um espectro entre 0 e 1. Por exemplo, o diabo está no 0, Deus está no 1. Você não deve se comparar ao diabo, nunca. Nem a Deus. Procure ser a melhor pessoa possível, mas não se ache o dono da bondade, da verdade, do destino. Ser uma pessoa melhor, agora, só depende de você. Você consegue isso. Todos nós podemos ser pessoas melhores.
– Obrigado, Liô, se eu puder te chamar assim. Nunca ouvi um conselho tão inspirado.
– A sua mãe sabe que você está aqui em Salvador?
– Meu tio Américo, o irmão da minha mãe, sabe. – Gareth sentia, naquele momento, bem mais apreço pelo tio materno do que pela própria mãe.
– Você deveria conversar com ela.
– Eu não posso. – O rapaz ainda não era capaz de esquecer as mágoas que tinha em relação à mãe.
– Bem, então ouça um último conselho. Pense no que uma pessoa boa faria nesse caso e lute pelo seu sonho como se ele fosse o ar que respira – concluiu Helionora, finalizando a terapia.
Gareth saiu do escritório pensando em como seria encarar sua mãe, a lendária feiticeira Asia Adams.
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Sol em Virgem
General FictionVirgo, uma misteriosa bruxa da capa preta, não se cansava de soltar maus agouros para cima de Gareth. Sua primeira profecia foi um "Cuidado com as semelhanças" lançada no dia em que Gareth chegara a Salvador com seu amigo de cárcere, Leônidas. Depoi...