Capítulo 34

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CAPÍTULO 34

Uma camisa de força e aqueles homens de branco pareciam mais amigáveis que os ternos de luto finos e a família Garuzzo-Leão. A única coisa que Eden não gostava eram daquelas injeções que o fariam dormir por doze ou treze horas seguidas. Sim, elas fizeram Eden recuperar o sono perdido por noites seguidas, mas também tiravam dele a dignidade que ainda lhe restava.

Aliás, os enfermeiros que diziam "Vai ficar tudo bem, querido" eram menos hipócritas que seus familiares, que choravam lágrimas de crocodilo durante as missas de seu falecido (ainda bem) avô Lúcio. Eles não falavam dele nos raros almoços de família, nem ensinavam as virtudes que um dia ele tivera, se tivera.

Eden ainda não entendia o "amor" todo que eles sentiam pelo ex-cérebro da família Leão. Sim, Eden estava aprendendo ironia. A "saudade" só era manifestada no dia do aniversário de sua morte, com belas cerimônias filmadas pela imprensa soteropolitana. Sim, a única parte boa de estar internado naquele hospital era estar longe de tanto fingimento.

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O dia 11 de setembro, que era lembrado com tristeza por todos norte-americanos, também seria uma data a se esquecer para Simonetta. Não, ela nunca sentira vontade de conviver com o pai de Mikhael, que pelas boas línguas, era um capeta encarnado pior do que seu filho caçula. Ela só conseguia sentir um imenso vazio pelo que acontecera com Eden. Aquele garoto sempre fora mais eu irmão de alma do que sua própria irmã. Era injusto que um dos descendentes mais puros daquela família tivesse sugado toda aquela energia maléfica para si mesmo.

— Não me sinto bem. — Desabafara Simonetta. — Acho que sou a mais hipócrita das primas de vir para cá transar com você depois do que aconteceu com o Eden.

— Olha, tudo vai ficar bem. — Respondera Gareth, para consolar a namorada. — Eu me lembro o que é ser privado da liberdade. E eu também tinha 12 anos. Também fiz algo meio bizarro, mas acho que um hospital psiquiátrico é melhor que um reformatório. Eles não te estupram lá.

— Gare, você nunca foi para um hospital psiquiátrico. Lá é tão prisão quanto! — Lamentou Mona. — Mas também fico impactada que você e Eden tenham sido privados da liberdade com idades parecidas. E em setembro, o que é mais louco. As coisas mudam um pouco por uma letra e um número: você nasceu em junho e ele em julho. Ele no dia 10, você no 11.

— E a família de vocês tem a conta bem mais recheada que a minha. — Observou Gareth.

— A minha família perdeu uma das coisas mais preciosas e que é quase exclusiva minha. — Bajulou-se Simonetta, se aproximando mais de Gareth na cama dele. — Eles não têm o privilégio de conviver com você durante esses... quanto tempo mesmo?

— Que a gente transou pela primeira vez? Ou que a gente se conheceu? — Indagou Gareth.

— Que a gente se conheceu, porque depois que a gente transou você virou praticamente meu marido. — Confessou Simonetta.

— Jura que eu sou praticamente seu marido? Por que se for por isso vai fazer um ano e quatro meses que estamos "casados" na véspera do aniversário da minha mãe. Casados pela aventura do meu esperma em cavernas profundas. — Lembrou-se Gareth.

— Safado! — Exclamou Simona. — Você me faz ter mais vontade de transar nesse dia fatídico.

— Fatídico? — Indagou Gareth. — O que você espera que aconteça daqui para o aniversário desse dia fatídico?

— Primeiro, que Eden esteja bem. Segundo, que eu passe para Ciências Sociais. Terceiro que você ganhe muito dinheiro para que eu possa vir morar com você. Eu quero que você seja oficialmente meu marido.

— Também desejo muito isso, senhora Simonetta Setembrino. Ou melhor Simonetta de Jesus? – Sonhou a virginiana.

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Ter um surto psicótico significava que Eden estava louco temporariamente, não para sempre. Mas o maior medo de Eden era que aquilo fosse permanente e começar a imaginar coisas, como uma menina falando para as paredes sobre as últimas notícias do fictício mundo do cavaleiro Dom Quixote. Talvez aquela garota concordasse que tinha algo de muito errado no casamento de seus avós e que Eden só queimou tudo aquilo na igreja para fazer sua família passar por um processo de purificação (sua beata mãe dizia que as almas do purgatório precisavam ser purificadas pelo fogo).

— Oi, você está ouvindo vozes saindo da parede? — Questionou Eden.

— Não, só estou treinando para ser uma excelente jornalista. Notícias são meu hiperfoco. — Respondeu a garota.

— Ah... por que você está aqui então? — Indagou Eden.

— Porque eu tive uns surtos e fiz "birras" umas 500 mil vezes toda vez que sai com meu pai. Eu não queria morar mais com ele. É um inferno. Ele tem vergonha de mim porque sou autista. Ele me mandou para bem longe da nossa cidade para que eu não manchasse sua carreira de delegado.

— Autista, jura? — Respondera Eden, surpreso. — Você precisa me ajudar a entender a mente de Newton e Einstein. Eles são cruciais para que eu possa ser um bom físico. Minha tia sempre diz que precisamos conhecer a mente das pessoas para ser capaz de entender seus feitos.

— Não gosto de Física, mas posso te ajudar. — Disse a nova amiga de Eden, sem olhar para seus olhos nem um segundo sequer.

— Qual o seu nome, minha mestra? — Perguntou o neto de Maytê.

— Repórter Marina Costa. Prazer em conhecê-lo.


Sol em VirgemOnde histórias criam vida. Descubra agora