Capítulo 33

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CAPÍTULO 33

Era 07 de setembro de 2014, dia da Independência do Brasil, quando Simonetta começou a discursar em uma palestra especial de Independência na UFBA. Ela sabia que Luís Cláudio, com seus modos conservadores, não gostaria de nada do que ela falaria. Mas essa era a intenção mesmo. O pai de Simonetta precisava se acostumar com alguns de seus pensamentos para quando soubesse de sua vida amorosa não tivesse um verdadeiro piripaque.

– Há 1600 anos, se eu discursasse aqui em frente a tantos homens, eu seria morta a pedradas ou queimada como uma bruxa. Claro, há 1600 anos a UFBA não existia, o Brasil era habitado por indígenas e as mulheres não tinham direito algum. Se qualquer uma delas ameaçasse subir o tom de voz para falar de igual para igual com o pai ou com o marido, simplesmente isso seria errado, imoral. Comecei meu discurso inspirado em uma das maiores mulheres que já existiram: Hipátia Grega, a primeira matemática da história. Fascinante, não? Sim, mas naquela época não achavam Hipátia tão fascinante como realmente era. Era uma época de transição de religiões em Alexandria e Hipátia não foi morta por ser uma bruxa ou por fazer mal às pessoas. Ela foi morta por enfrentar pessoas poderosas, como, por exemplo, Joana d'Arc. Com essa introdução, faço a seguinte pergunta título: O que é moral ou não para os jovens de hoje em dia? Se eu fizesse essa pergunta num país muçulmano, a primeira coisa que os milhares de homens na plateia fariam seria apontar o dedo para minhas roupas. Machista, não? Mas, se vocês observarem bem, a nossa cultura é machista. Que pai aqui não se orgulha quando seu filho varão perde a virgindade, por exemplo? E se for uma garota, o orgulho seria o mesmo? Vocês podem achar que os muçulmanos são machistas, mas os homens e mulheres da cultura ocidental ainda têm um pouco de machismo. Aliás, a própria Igreja Cristã decidiu botar toda a culpa de um pecado original em uma mulher, enquanto ambos foram culpados. E olha que o homem tinha um conhecimento bíblico maior que a mulher e mesmo assim ela foi condenada a sentir as dores de parto deste mundo cada vez mais cruel. Bem, é preciso deixar claro que, segundo os hebreus, foram um homem e duas mulheres e a primeira mulher, que não é Eva, fez tamanho estrago na humanidade que até hoje mulheres feministas ou rebeldes são vistas como bruxas, pecadoras, esposas do diabo. Quantas mulheres santas vão ser queimadas na Igreja como bruxas para que a gente saiba o que é moral e imoral, de verdade?

O resultado foi como o esperado por Simonetta. Não era novidade alguma que seu pai tinha, mesmo que inconscientemente,  certas atitudes machistas. A mais que incomodava ela era o seu controle quanto à liberdade profissional de Ruthy. Sim, qualquer pai ficaria preocupado com suas filhas, principalmente depois da primogênita ser sequestrada por 17 dias por uma feiticeira, mas isso não era motivo para demasiada proteção.

– Filha, sua palestra foi legal. Mas... não era para deixar subentendido que os homens são os monstros da civilização. – Defendeu-se Luís Cláudio. — E uma garota de 15 anos, de uma família católica, falando de bruxas e de perder a virgindade, querida, colou mal para a nossa família, se é que me entende.

— Para um homem que não deixa a esposa trabalhar dizendo que ganha o suficiente para sustentar a família, a carapuça de machista serviu, não foi? – Respondeu Simonetta, orgulhosa de causar impacto no pai.

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Ler as inúmeras obras da biblioteca de seu avô e esconder O Cérebro Autista nos livros dele foram as duas melhores ideias da vida de Eden. Infelizmente suas duas melhores ideias foram acompanhadas das piores frases ouvidas, proferidas pelos avós cruzados de Eden, Maytê e Simão. Naquele dia 07 de setembro de 2014 o casal mais sem química da história de Salvador caprichara nas palavras e isso deixou Eden, literalmente, sem sono. Culpa do Eden, realmente, ninguém mandou ele se esconder para ouvir as conversas dos avós.

— Bom dia, meu amor. — Dizia Maytê, hipócrita. — Que tal comemorarmos a Independência de uma forma peculiar, fazendo sexo, por exemplo.

— Já não lhe é suficiente eu ser seu prisioneiro há 20 anos exatos daqui há quatro dias e você quer que além disso eu seja seu escravo sexual. Melhor me matar, Maytê. — Respondeu Simão. — Seria menos cruel.

— Eu acho que faz muito tempo que você não transa, Simão. — Ofereceu-se Maytê. — Aliás, você transa quando coloco viagra no seu vinho. Já que o seu continente foi para o inferno da forma mais fácil, queimando, eu acho que você não cometeria nenhum pecado transando com sua esposa.

— Eu te odeio, Maytê! Com todas as minhas forças. — Confessou Simão, com o coração completamente em luto.

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Era dia 11 de setembro e Maria Marta se comportaria como uma santa na missa de 20 anos de falecimento de Lúcio Leão. O que mais lhe preocupava, porém, não era se seu papel de santa seria inquestionável. Eden, seu filho mais velho, andava diferente nos últimos dias com olheiras visíveis que deixavam seu rostinho de nerd apático. Ela esperava que a obsessão do garoto por livros científicos não estivesse fazendo ele confundir o que era noite e o que era dia.

O primogênito de Maria Marta nunca demonstrou sentir um interesse especial no avô falecido, mas, naquele 11 de setembro de 2014, Eden conseguiu extrapolar o bom senso e foi na missa do avô vestido de amarelo. Parecia estar feliz por Lúcio finalmente ter ido para o inferno. Parecia até ler os pensamentos de Maria Marta.

Tudo corria bem até o instante em que Eden saiu do lado dos pais e, minutos antes do horário da missa, o altar da igreja começou a pegar fogo.

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A vida do velho conhecido não seria celebrada no aniversário de 20 anos de sua morte. Aquele homem cruel não merecia isso. Por isso que, diante daquela cena, Simão não conteve o riso: alguém tivera a ideia genial de queimar todos os retratos de Lúcio no altar. Ele só não esperava que esse alguém também tivesse relações de sangue bastante estreitas com o falecido.

O golpe baixo daquele 11 de setembro para Simão desenrolou-se quando os bombeiros perguntaram por Eden, o único integrante da família que não fora encontrado até então. Depois de mais ao menos uma hora procurando pelo rapaz encontrou-o escondido debaixo de um viaduto, chorando, surtando e com uma caixa de fósforos na mão.


Sol em VirgemOnde histórias criam vida. Descubra agora