CAPÍTULO 77
Donatello era conhecido pelos religiosos de Gaeta e de outros países por qual passava pela sabedoria e paciência. Paciência devia estar em escassez no mundo, já que ele estava perdendo a maior parte da sua. Exemplo: Zeus, patriarca da família Garuzzo, ainda estava envolto de mistério e, para Donatello, os próprios filhos do italiano que faziam questão que nenhum segredo dele fosse desenterrado. E mais: escândalos e mais escândalos explodiam ao redor da família Garuzzo e seus agregados, escândalos e segredos de sangue desfeitos, tornando familiares intrigados e incomunicáveis e separados infinitamente com apenas dois metros de distância.
Movido pela voz de Deus e perguntando se realmente tinha vocação para o sacerdócio Donatello, enfim, decidiu dá as caras em Salvador e fazer algo que ninguém mais tinha coragem de fazer: ajudar espiritualmente e moralmente Nathalia Muniz. Depois que saiu do reformatório, a herdeira da Didática de Munique, passara a morar sozinha e participar de missões em comunidades pobres de Salvador. A jovem tinha tempo de sobra para isso visto que nenhuma faculdade de Medicina havia aceito Nathalia de volta. "Maldita sociedade que pune as vítimas e premia os culpados", pensou Donatello.
– Oi senhor padre amigo da família Garuzzo. – Disse Nathalia. – Pensei que tinha compromissos em Vitória. De qualquer forma é bom ver um rosto parcialmente desconhecido nessa missão.
– Eu vim para uma missão, mas não é a mesma a qual a senhorita participa. – Respondeu o padre. – Eu vim ver como anda sua alma e, claro, prestigiar o casamento da sua tia.
– As notícias correm rápido pelo visto. – Comentou a ex-estudante de Medicina. – Não vejo nada que o senhor possa fazer comigo além de me conceder uma confissão, padre. Posso?
– Claro que pode, querida. Bem, Silvana e Cecilia pretendem fazer uma visita à família aqui em Salvador, mesmo considerando "o adultério do sobrinho uma das coisas mais abomináveis possíveis", mas elas entendem que os cacos da família Garuzzo devem ser arrumados. E eles entendem que os cacos da sua família também precisam ser arrumados, começando por você, claro.
– Qual é a proposta delas? Que eu me torne freira? Não tenho vocação. – Debochou Nathalia.
– Não. Lá em Gaeta estamos precisando de médicos voluntários para ajudar os refugiados do Oriente.
– Mas eu não sou médica e nunca vou conseguir me formar. – Desabafou a jovem.
– Ledo engano, minha filha. Elas conseguiram uma bolsa de estudos para você na Itália. – Disse Donatello, presenteando Nathalia com um recomeço.
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Johana Stellla Darcano fora protagonista de diversas farsas. O primeiro encontro com seu futuro marido fora forjado com uma: se apresentara como uma professora de Filosofia, Ágatha, para Luís Cláudio em prol de defender o relacionamento de Gareth e Simonetta. Atualmente estava esperando uma filha dele, no quinto mês de gestação, que levaria o nome de Ágatha.
Apesar de todas farsas que fizera e participara apenas uma era digna do Oscar: as mentiras e circunstâncias de sua concepção. De quebra ganhara uma família paterna com predisposição a crimes (já não bastava sua família materna?). Decidida, Stella, comunicara as suas últimas a João Muniz via pombo-correio (leia Leônidas) e reunira os amigos e enteadas na casa de Gareth e Simonetta.
– Não sei porque me chamaram para essa reunião de adultos. E o pior que eu tenho que esperar pela bruxa da Stella. – Reclamou Samantha.
– Meu anjo, desde o primeiro filme do Harry Potter que o termo bruxa deixou de ser ofensa para ser uma esperança. – Se doeu Gareth. – Você devia implorar para entrar na Castelobruxo.
– Os assuntos são do seu interesse também, Sam. – Completou Simonetta.
Para azar de Samantha, sua madrasta e desafeto já se encontrava naquele recinto.
– A bruxa acabou de chegar! – Exclamou Stella, que havia escutado as últimas frases ditas pelos amigos e enteadas. – E a bruxa aqui, Samantha, está pensando no seu futuro, no da Simonetta, no de Ágatha e, claro, no dela também.
– Ela realmente fez um pacto com o ... – Dizia Samantha, que limitou-se a não expressar toda sua opinião.
– Eu realmente fiz um pacto comigo mesma que não deixaria de lutar e de ser quem eu sou, pois mais que 99% do Planeta Terra esteja contra mim. – Defendeu-se. – Eu te chamei, minha querida enteada mais nova, para pedir autorização do uso de parte da sua herança. Seu pai já compreendeu que eu queira desvincular-me do negócio com João Muniz e queira fazer um negócio com Leônidas, Gareth e Simonetta, mesmo afirmando "odiar Gareth sobre todas as coisas". De quebra você e Ágatha entram como sósias.
– Está bem. Pelo menos você se preocupa com nosso futuro. Mas que tipo de negócio uma bruxa que estuda Teologia, um administrador, um economista e uma mãe universitária abririam? – Indagou Samantha.
– Uma biblioteca digital e física. Eu e Gareth já escolhemos o nome. – Contou Simonetta. – Mercúrio Retrógrado.
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Dia 08 de setembro sempre fora um dia importante para João Muniz por ser católico. Falso Católico, na verdade. Sim, ele vendera seu esperma em troca de sucesso na sua empresa, mas depois esqueceu-se do que havia dado em troca. Certamente Edwirgens não queria que ele pedisse a guarda da menina. Ela queria a filha como uma discípula, um instrumento de poder e Muniz lamentava muito por não ter dado a educação que Stella merecia. Ela era a única de seus filhos que era boa, boa demais para ser filha de João. Sim, o mal caráter de Nicholas e Jonathan foram herdados dele.
Decidido a dar o imenso salto em seu caminho de regeneração, reconciliar-se com Stella e, quem sabe, reconquistar a amizade de Nathalia com sua ajuda. João Muniz estava decidido: ele iria esperar sua filha no altar.
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Stella estava prestes a se tornar oficialmente adúltera e, segundo os cristãos mais conservadores, entraria de vez no fogo do Inferno. Felizmente até Maria Marta iria comparecer ao seu casamento, o que significava que ela poderia conviver com o catolicismo extremo da família Garuzzo. Ruthy, ex-esposa de Luís Cláudio, também estaria lá e até apressara os papéis do divórcio. Não fosse as mentiras da sua família de sangue, Stella seria a bruxa mais feliz do mundo.
Stella estava vestida de branco, com uma coroa na cabeça e um manto vermelho, como seu buquê. Simonetta, Asia e Alasca prometeram que jogariam pétalas de rosas vermelhas e brancas. O casamento seria ao ar livre e Stella havia escolhido 08 de setembro propositalmente. De fato, a Igreja Católica comemorava a data como a Natividade da Virgem Maria e Stella sentia nela a Deusa suprema que sempre procurou.
Uma surpresa aguardava Stella na entrada da cerimônia. João Muniz estava lá e a família Garuzzo certamente não teve a coragem de o tirar. Mas não era João nem a família Garuzzo que Stella via no altar e sim uma grande fogueira e duas grandes espadas. De seus pés até o altar haviam pegadas de sangue. Stella já ouvia falado de visões realistas e de portais mágicos. Era a primeira vez que isso acontecia com ela, que moveu-se em direção ao portal que estava há três metros de distância.
Lá havia uma mulher de cabelos curtos, um livro na mão e trajes de guerra. Stella já sabia quem era. A mulher olhou em seus olhos e confiou-lhe palavras enigmáticas.
– Estou preocupada com os abusos dos líderes políticos de sua geração. Eles cometerão erros imperdoáveis em nome de Emmanuel. Mas eles não farão isso em nome Dele, na verdade. Eles me traíram, logo eu que sempre guerreei em nome da fé que eles também diziam ter. Me traíram como Judas traiu Emmanuel. Não vou te dar prenúncio do fim dos tempos, minha estrela Johana, pois precisas ser feliz, por enquanto. Se você, minha xará, entrar pra essa família terá que se conformar em viver entre espadas. Além disso, deve impedir nossas irmãs de irem pra fogueira ao mesmo tempo que deverás salvar os discípulos de Roma de queimarem no fogo do Inferno. Bem, eu acho que você já decidiu. Então vá e aja com Discernimento.
Passaram-se cerca de dez segundos até Stella se recuperar do transe e ver seu noivo aos seus pés, perguntando-lhe o que sentia. Eles não viram o que ela tinha vista. Joana d'Arc, a guerreira, havia desaparecido.
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Sol em Virgem
General FictionVirgo, uma misteriosa bruxa da capa preta, não se cansava de soltar maus agouros para cima de Gareth. Sua primeira profecia foi um "Cuidado com as semelhanças" lançada no dia em que Gareth chegara a Salvador com seu amigo de cárcere, Leônidas. Depoi...