Capítulo 79

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CAPÍTULO 79

Maria Marta não queria passar aquele aniversário sozinha, por isso fora a Igreja falar pessoalmente com Deus. Sozinha. Fazia três dias que Marcelo levara os três filhos para a casa da megera da Maytê e Maria Marta não podia culpá-lo. A única coisa que realmente preocupava Maria Marta era a presença de Mikhael na casa de sua mãe. Ele era hipnotizador e infelizmente Marcelo não percebia toda a maldade que o irmão guardava.

– Desculpa, moça. – Falou uma senhora que faxinava a Igreja, que tinha cerca de 70 anos e olhos azuis vívidos. – Eu pensei que a Igreja estaria vazia a uma hora dessas, mas, se quiser eu posso voltar depois.

– Eu também vim pensando que ela estivesse vazia. – Respondeu a filho do meio de Gina. – Mas claro que a Igreja não estaria solitária já que eu encontrei-a aberta. Prazer, Maria Marta. Nunca te vi por aqui. É nova em Salvador?

– Nossa, eu também sou uma Maria. Prazer, Maria de Nazaré. – Respondeu a senhora. – Me mudei há pouco tempo por necessidades maiores.

– Sua família também te abandonou? – Perguntou Marta, desolada.

– Não, minha família nunca me abandonou. Mas por quê está perguntando isso? Quem abandonaria uma moça tão bonita e boa como você? – Questionou a desconhecida.

– Eu não sou uma pessoa tão boa e minha beleza, que insisto esconder em véus e em roupas cumpridas, está contaminada pelo rancor gigante em meu coração e pelos meus erros. – Confessou. – Por isso meu marido me deixou e levou meus filhos junto dele. E eu não o culpo, eu mereço tudo isso, eu subestimei as necessidades dos meus filhos. Necessidades que podem acontecer com qualquer família, mas preferi achar que era um pagamento pelos meus pecados. Mais uma vez achei que o mundo girava em torno de mim. Sou uma fariseia, mereço a pior de todas as punições.

– Você está enganada minha filha. – Comentou Nazaré. – Paulo de Tarso, antes Saulo, era um judeu fervoroso e achou que estava honrado a Deus perseguindo aos cristãos. O cristianismo era tido como uma seita. Hoje é a maior religião do mundo. Ele perseguiu os que pregavam Cristo até que o amor de Jesus curou Paulo. Ele se tornou o apóstolo dos gentios e das nações. Leia Coríntios e reflita sobre Paulo. Talvez esse seja o teu caso. – Aconselhou a desconhecida, desaparecendo minutos depois, enquanto Maria Marta refletia com a cabeça baixa.

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Silvana sabia que um dos deveres de se entregar a vida religiosa era dedicar sua vida e amor ao próximo, por isso fez questão de manter Zeus distante, sob a observação de Donatello. Por outro lado se aproximara de Nathalia Muniz, por motivos que só o seu passado poderia explicar. "Tudo está interligado", pensou Silvana, ao se ver com a oportunidade de matar dois coelhos numa cajadada só (matar no bom sentido, entendam). A parte boa da amizade com a jovem Muniz fora que seu avô, um ex-adúltero que vendia espermas às bruxas, procurara por Silvana e Cecilia para saber como estava a neta.

– Só espero que o restante dos Muniz que tenham um pingo de caráter se reúnam e isso inclui a falsa esposa do Luís Cláudio. – Desabafou Silvana com a irmã.

– Espero que eu faça sua cabeça para que possamos ver o nosso pai ainda quando estivermos no Brasil. – Ironizou Cecilia.

– Se for para rezar pela reconciliação da nossa família, que seja da Maria Marta com o Marcelo. Eles formam uma bela família, embora nossa sobrinha não saiba agir com a devida doçura.

– Não sei se ela tem essa doçura toda que você acha não... – Comentava Cecilia, que parou repentinamente para atender uma ligação. – Sim, Doni, estamos aqui em Salvador, ajudando a jovem Nathalia em suas missões. Sim, a Silvana está aqui comigo. O quê? – Indagou a religiosa ao ouvir alguma informação do colega. – Tudo bem, eu aviso a ela.

– O que foi que Donatello te disse que te fez ficar tão pálida? – Questionou a irmã do meio de Simão.

– É sobre o papai... – Comentou a caçula. – Ele fugiu do asilo em Vitória.

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Marcelo não sentia mais que aquela era sua casa, embora viveu toda a adolescência e início da fase adulta por lá. Ele sentia falta de Maria Marta e de seu jeito "durão" embora o segredo que ela escondeu fosse imperdoável. Ela tinha suas razões para guardar aquilo, mas guardar dele justamente aquilo e por tanto tempo...

Apesar de tudo, Marcelo tinha um outro motivo para ficar feliz: Abel começou a falar e parecia está se esforçando para arrancar palavras do italianês do irmão gêmeo. Sim, a língua do seu filho de dez anos recebera esse nome de Eden por ser uma mistura de italiano com português. No fim, a pesquisa feita por Simonetta e sua turma para a revista "Anjos Coloridos" da Didática de Munique se mostrara eficaz. Os pensamentos de Marcelo foram interrompidos por uma batida na porta. Era Mikhael.

– E aí, mano, já falou com o juiz? – Perguntou o caçula de Maytê. – Você precisa afastar seus filhos o mais rápido possível daquela maluca e da família problemática dela.

– Já entrei com o processo, mas não quero falar disso agora. Só preciso de um ombro amigo. – Pediu Marcelo.

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Lúcio Leão ficaria muito feliz com a genialidade maquiavélica de Mikhael se estivesse vivo e, ao mesmo tempo, decepcionado com inocência e bondade de Marcelo. Seria bom, em partes, se ele tivesse vivo, mas Mikhael não preferia questionar as decisões sábias do destino (nesse caso das pessoas). O pobre Marcelo confiava nele mais do que uma galinha em seu abatedor e Mikhael aproveitou a versão da sua mãe com a de seu irmão para ferir o atual ponto mais frágil da família Garuzzo: Maria Marta. A tão previsível filha de Simão estava na igreja, como sempre.

– Boa tarde, cunhadinha, ou eu já posso dizer ex-cunhadinha? – Ironizou o leonino. – Eu te desejaria um feliz aniversário se não lhe trouxesse notícias ruins: eu sei de tudo e mais um pouco. Ah, e além disso, eu sei que Marcelo quer afastar seus filhos de vez de você. O pobre coitado nem sabe que eu já estou preparando um golpe para tomar toda nossa herança dele. Mas se você disser ele, ele não vai acreditar.

– E o que você quer falando seus planos infernais para mim? Ver minha cara de felicidade? – Retribuiu Marta.

– Vim pedir um favor. Favor, não. Vim dar uma ordem. – Disse o ganancioso homem. – Eu posso convencer meu irmão a te deixar próxima de seus filhinhos se e somente se você me der o histórico de transações da S.V. Comunicações. Seu pai precisa saber quem é que manda.

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Sol em VirgemOnde histórias criam vida. Descubra agora