Capítulo VIII ○ Jaebeom

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Meus pais se conheceram em um acidente de carro, mas não, não foi como em um clichê de romance, com uma cena fofa de tirar o fôlego de quem quer seja, te fazendo suspitar e desejar viver uma história como aquela um dia, porque é tão única e perfeita, tão maravilhosa, que apenas seria possível de existir dentro de livros de amor. Não, a história dos meus pais nem de longe foi assim.

Minha mãe estava dirigindo de volta pra casa depois de um dia exaustivo no trabalho e meu pai estava voltando pra casa com a pizza que ele tinha acabado de comprar na cestinha da bicicleta vermelha que ele tinha desde os 10 anos. Nenhum dos dois viu a hora em que o sinal fechou, tudo aconteceu muito rápido e quando minha mãe se deu conta do que estava prestes a acontecer o estrago já tinha sido feito, e quando meu pai se deu conta... bom, ele dizia que foi como voar e depois cair em um penhasco sem fim.  

Ela ficou desesperada quando tudo aconteceu, saiu do carro correndo, pensando para onde deveria ligar, mas ela nunca soube lidar muito bem em momentos de crise, então clicou no primeiro número da discagem rapida e ao invés de chamar uma ambulância, ela ligou para o veterinário da cacatua dela, Charlene. Por sorte o veterinário era bem mais calmo que ela, ele mesmo ligou para a emergência e pediu por uma ambulância, enquanto minha mãe ficava responsável por cuidar do meu pai e tentar impedir que ele morresse.

O encontro deles não foi nada convencional, como já dito antes. Acidentes de carro não são as formas mais indicadas pra se começar um relacionamento, não são mesmo, mas meu pai dizia que assim que viu minha mãe pela primeira vez, ou segunda, já que na primeira ele só viu os farois do carro dela, ele soube que aquela seria o amor da sua vida pelo resto dos dias que ainda vivesse. E eu lembro, bem vagamente, que minha mãe dizia que também se sentiu assim da primeira vez que o viu. Porém, é claro, isso foi antes dela ir embora porque contos de fadas não existem.

Ele achou que ela fosse um anjo, realmente achava que tinha morrido. Os faróis do carro faziam ela brilhar e os olhos dela pareciam esconder toda a verdade do mundo, e ela era tão bonita, realmente como um anjo. Hoje em dia acho que ele bateu com a cabeça tão forte na hora da queda que delirou um pouco, mas na minha mente de 5 anos, quando ele me contava a história antes de eu dormir, eu imaginava tudo como nas histórias que eu lia, os contos de fada, mas ao invés do príncipe salvar a princesa, ela que tentou matar ele.

Minha mãe deu todo o suporte que meu pai precisou, ficou com ele em cada segundo desde a hora do acidente até o momento em que ele foi atendido no hospital, e depois, quando eles descobriram que meu pai tinha quebrado a perna e que precisaria de fisioterapia, ela que se voluntariou para ser a motorista dele, levando ele pra onde ele precisasse ir, quase sendo sua motorista particular.

Foi assim que eles se aproximaram, se conhecendo melhor durante as caronas que minha mãe dava, nos momentos em que passavam juntos no carro, indo para a fisioterapia e depois voltando pra casa. E quando os dois perceberam já estavam acostumados um com o outro, foi só questão de tempo para começarem a tentar algo mais sério.

O algo mais sério evoluiu pra algo mais sério ainda, depois pra um namoro, e então para o casamento. Eles casaram na igreja que ficava perto da casa em que meu pai morava, uma festa pequena, só para a família e os amigos mais íntimos. Mas mesmo que tivesse sido pequena, a forma como meu pai descrevia tudo fazia com que a festa parecesse o casamento de alguém da realeza, tão lindo, apaixonante, perfeito.

Não tiveram lua de mel, ao invés disso eles plantaram uma árvore, mas eu nunca entendi muito bem essa parte, meu pai apenas dizia que ela simbolizava o amor deles, que só crescia, assim como a planta, que no dia em que foi plantada era só um brotinho em um buraco no chão, mas que depois cresceu e cresceu, sem nunca parar. Depois que minha mãe e ele se separaram, a árvore no parque era a coisa mais importante na vida dele, depois de mim, é claro.

Minha mãe engravidou dois anos depois que eles se casaram, foi tudo premeditado, eles queriam muito um bebê. Quando descobriram a minha existência, no mesmo dia foi feita uma festa, daquelas bem grandes, com toda a vizinhança e quem mais quisesse aparecer. Uma festa cheia de comida, doces e músicas fofas de filmes antigos. Tantas coisas misturadas com o amor e a paixão que todos sentiam por todos os lados, uma cena linda, um dia feliz.

Enquanto os meses passavam eles organizavam tudo para a minha chegada. No dia em que foram ver o sexo do bebê os dois ficaram muito felizes por agora saber que estavam esperando uma menina, uma linda garotinha. Mas isso, é claro, foi antes de eles descobrirem que na verdade aconteceu um erro de primeiras impressões, e eu, que todos pensavam que seria uma menina, não seria menina coisa nenhuma. Eu era um garoto, um grande garoto saudável, mas como eles achavam que eu seria uma menina, todo o quarto, roupas e brinquedos eram na cor rosa, porque para eles, eu ia ser uma princesa. 

No dia em que eu nasci e viram que eu era um menino, todo mundo, sem exceção de ninguém, ficou tão chocado que nem tiveram reações. Mas minha mãe me contou uma vez, quando estavamos sozinhos em casa pois meu pai tinha saído pra sabe lá Deus onde, que quando meu pai descobriu que eu era menino ele ficou tão surpreso, mas tão surpreso, que desmaiou. Assim... Puff! no chão.

Por culpa desse erro, nos meus primeiros meses de vida todas as roupas que eu usava eram femininas, o que eu não acho que fosse uma coisa ruim, afinal de contas, eu era só um bebê, nem ligava se minha roupa era rosa, azul, vermelho escarlate ou verde musgo, eu só sabia cagar, mijar e comer, então foda-se minhas roupas, elas não eram importantes.

Porém, nos dias de hoje, sempre que alguém abre o álbum de fotos com minhas fotos de bebê, todo mundo começa a rir, porque sempre tem alguém se lembrando sobre uma nova história do bebê Jaebeom que era pra ser menina, mas nasceu com um pinto. E eu não ligo muito pra isso, as histórias são boas mesmo, então eu rio junto.

Conforme eu fui crescendo, comecei a perceber que o relacionamento dos meus pais não era como eu imaginava que fosse, e mesmo que eles tentassem fingir que estava tudo bem para os outros, para mim, que morava com eles, era impossível de esconder. Eu ouvia os gritos no meio da madrugada, ouvia o choro, as brigas, ouvia tudo, e mesmo que não fosse uma coisa boa para uma criança presenciar, eu presenciava.

Foi questão de tempo até o divórcio vir, e mesmo que eu soubesse que iria acontecer uma hora ou outra, não consegui me impedir de ficar triste por eles, eram meus pais afinal, as únicas figuras de amor perfeito que eu conhecia, e mesmo que eu soubesse que não era realmente perfeito, eu era egoista demais pra aceitar ver os dois separados, eu só queria que tudo voltasse a ser como era antes. Porém, eu também só queria ver os dois felizes, por isso aceitei a separação, ou pelo menos tentei aceitar.

Mas no dia em que minha mãe foi embora, no dia em que ela deixou meu pai e me deixou, e depois, quando ela ficou sem me ligar por meses e sem atender minhas ligações por vários outros, eu me senti tão mal e abandonado, porque parecia que ela não tinha se separado só do meu pai, mas de mim também. Por isso eu prometi a mim mesmo que se era isso o que ela queria, me ver longe, então eu daria isso a ela.

E foi o que eu fiz, me manti distante, afastando qualquer tipo de investida para uma reaproximação que ela tentou dar, porque eu aceitei que ela se separasse do meu pai, mas não aceitei que ela se separasse de mim também. Eu era só uma criança, uma criança que precisava de uma mãe, que precisava DELA, mas ela não estava aqui para mim quando eu pedi isso, ela nunca esteve.

Blind • 2Jae (HIATUS) Onde histórias criam vida. Descubra agora