Capítulo XXIII ○ Jaebeom

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— VOU TER UMA NOITE DE GALA E TAL, E UM VESTIDO ESPECIAL, COM GRAÇA E MUITA SOFISTICAÇÃAAAO, ENTÃO DE REPENTE EU VEJO ALGUÉM, ESBELTO E BONITO ALI TAMBÉM, ME ENCHER DE CHOCOLATE É TENTAÇÃAAAO. — Chego na sala ao mesmo tempo em que Youngjae pula do sofá, caindo no chão, onde fica deitado balançando as pernas ao ritmo da música. Frozen passava na TV e ele "assistia" a animação sozinho enquanto minha mãe fazia algo na cozinha. O pai dele ainda não tinha chegado, então na casa estavamos apenas nós três e coco, que dormia tranquilamente em uma de suas caminhas cheias de ursos mordidos que ficava em um canto perto do sofá.

Antes de descer eu terminei todos os meus deveres, então amanhã, no sábado, quanto Jinyoung e Yugyeom chegarem, a única coisa que vou ter para fazer é dublar filmes e comer pipoca e sorvete, porque é isso que você faz em noites de cinemas mudos onde a unica coisa muda presente no local são os objetos que nos rodeiam, que não tem vida, e logo, não falam.

Youngjae ficou super animado quando eu o informei que Jinyoung viria, pulando pra cima e pra baixo enquanto murmurava que Yugyeom iria morrer do coração quando descobrisse. Depois de um tempo ele me explicou o porquê da morte iminente, quando eu demonstrei não estar entendo nada, e eu não fiquei surpreso quando ouvi o que eu já desconfiava sendo confirmado.

Aparentemente Yugyeom, pessoa com quem nunca falei, mas sinto que conheço de tanto que ouvi falar, tem um crush super hiper mega enorme no Jinyoung, a pessoa que odeia tudo, menos eu. E é, sinceramente eu meio que já estava ciente disso, mas ouvir Youngjae falando deu toda uma veracidade na coisa, porque não era neura da minha cabeça, o interesse do menino pelo Jinyoung era real, tão real que até acho que o sábado de filmes mudos-não-mudos promete.

— Como você não se machuca? Eu esbarro nas coisas mais vezes do que você e eu posso VER elas! Não deveria ser diferente? — Youngjae para assim que ouve minha voz e vira o rosto para mim, sorrindo, meio ofegante. Ele vivia pulando pela casa o dia inteiro, ou pelo menos as partes do dia em que ficávamos em casa, e eu nunca, nem mesmo uma vez, vi ele esbarrando em algum móvel ou tropeçando em algum degral, coisas que eu, que tenho total visão, faço sempre, os hematomas roxos pelo meu corpo estão aqui pra provar.

— Tenho os óculos mais poderosos do mundo.

— Procurando Dory? — Ele sorri e assente com a cabeça, afirmativamente. Youngjae sempre citava frases de filmes da Disney ou de animações em geral, era um passatempo que ele adquiriu com o tempo eu acho, e descobrir de qual filme é a frase que ele cita virou tipo um desafio interno pra mim, coisa que ele percebeu com o tempo, então virou um lance meu e dele, mas como eu não sou um conhecedor nato do universo das animações, quase sempre eu erro as frases, diferente de Youngjae, que sabe tudo.

Ando até o sofá e me jogo nele, cansado por um motivo que até eu desconheço. Youngjae se senta ao meu lado ao mesmo tempo em que Anna anuncia a Elsa que vai se casar com Hans, acho que ele se cansou de pular pela casa como uma pipoca dentro da panela. Do lugar de onde eu estava, conseguia ouvir claramente minha mãe na cozinha, ela mexia em coisas aqui e ali, fazendo sua presença ser notada apenas com isso.  

— Eu tenho tipo uma ecolocalização, então eu sempre sei onde as coisas estão e isso me ajuda a não morrer. — Ele responde a pergunta de antes, calmamente, sem criar muito caso sobre isso. Gosto muito desse fato sobre ele; se você o pergunta algo, mesmo que seja algo bem estúpido, sobre sua deficiência ou qualquer outra coisa, ele não fica bravo ou irritado, talvez só um pouco incomodado, mas ele sempre te responde da melhor forma possível, com a leveza de alguém que fala sobre o clima ou o preço do pão.

— Tipo o demolidor?

— Tipo o demolidor.

— Então você é um super herói no tempo vago?

— Acho que eu não poderia dizer se eu fosse, né? Tem todo o lance de identidade secreta e tal.

— Eu não contaria pra ninguém, seria o melhor amigo que sabe das coisas e ajuda aqui e ali. — Ele sorri com essa idéia, um dos sorrisos bonitos, daqueles que ele não dá quando está com todo mundo. Um sorriso tão único que até Monalisa sentiria inveja, acho que pintura nenhuma ou fotografia nenhuma poderia capturar toda a beleza daquele sorriso, é algo que só se nota pessoalmente, a personificação da frase "só quem viveu sabe".

— Eu seria o Sherlock e você o Watson.

— Mas Sherlock Holmes não é um super herói.

— Pra mim ele é. — A forma ultrajada como ele pronuncia a frase, como se eu tivesse insultado ele ao falar que Sherlock Holmes não é um herói, me faz rir, coisa que ele sempre consegue fazer. Um barulho tira minha atenção de Youngjae e logo observo SonHee entrando na sala, o que faz meu sorriso desaparecer. Ainda é difícil conviver com ela, desde que cheguei nós não tivemos uma conversa séria, apenas frases soltas aqui e ali, pra falar a verdade, acho que a única pessoa com quem realmente converso nessa casa é Youngjae. Sei que uma hora ou outra ela e eu vamos precisar da tal conversa séria, e eu acho que já estou quase disposto a entende-la quando ela quiser se explicar, mas não hoje, não agora.

— Queridos, fiz biscoitos. — Ela sorri, toda animada com a fôrma em mãos, e por um momento ela quase volta a ser a mesma mãe que me lembrava, aquela mãe da minha infância, mas é só por um momento, depois passa. Youngjae sorri de volta, mas eu apenas olho para a TV, onde Anna conversava com Christopher pela primeira vez.

— Com gotas de chocolate? — Youngjae pergunta, parecendo animado com o assunto. Minha mãe fazia ótimos biscoitos antes de ir embora, principalmente nas noites frias, para acompanhar o chocolate quente. Não como biscoitos caseiros desde que ela foi embora e não sei se estou preparado para voltar a comer, principalmente os dela.

— Sim, e dessa vez eles não queimaram. — Ela entrega um dos biscoitos nas mãos do garoto luz, que recebe com um sorriso brilhante, e então me estica um também, que eu pego relutantemente. — Esse era o seu preferido também, não é Jaebeom?

— É.

— Ótimo gosto, também é o meu. — Youngjae comenta, dando uma mordida em seu biscoito. Paro de pensar por um momento e apenas observo o biscoito em minhas mãos, estava quente e dava para ver as gotas de chocolate, uma mordida e elas derreteriam em minha boca, mas não consigo dar a mordida, não consigo levar o biscoito até minha boca, não consigo evitar de lembrar das memórias de antes, dos dias bons, quando minha mãe ainda era minha mãe e meu pai ainda estava na terra para reclamar do frio. Não consigo morder o biscoito, porque eu sei que ele tem o gosto do passado, e por ora viver o presente já é difícil o suficiente.

— Eu tenho que ver uma coisa no quarto, desculpa. — Levanto rápido, recebendo um olhar confuso de minha progenitora, e devolvo o biscoito intacto de volta a fôrma que ela segurava, então saio da sala rapidamente, meio ofegante, fugindo tanto do biscoito quanto das lembranças que ele trazia.

Blind • 2Jae (HIATUS) Onde histórias criam vida. Descubra agora