Giulia

16K 1.3K 803
                                    

Eu tinha um consultório em um dos bairros mais conhecidos do Rio de Janeiro. Ela caro manter aquilo dali, porém, como meu pai é advogado, mas mora fora atualmente e eu sou a única neta do meu avô, acabei sendo mimada e compraram o consultório e mobiliaram todo para mim. Eu desliguei as luzes do consultório após a última pessoa ir embora, desci até o estacionamento e entrei no meu carro. Hoje eu fiquei numa rotina mais leve e até estranhei para uma rotina de sábado. O consultório estava vazio. Como eu sai bem mais cedo, resolvi passar no escritório do meu avô para dar um beijo nele. Tinha tempos que não conversamos e eu sentia uma falta imensa dele. Mais dele do que do meu próprio pai.

– Quem é vivo sempre aparece – ele comentou com um sorriso e veio a minha direção, me dando um abraço super apertado. – Senti sua falta, querida.

– Eu também senti sua falta, vovó. – eu passei a mão em seus cabelos ralos e grisalhos. Meu avô era um dos melhores advogados do Rio, não só para a sociedade, mas pra mim. Ele supriu toda necessidade afetiva da minha infância e eu me sentia tão bem com ele. – O Vinicius te ligou essa semana. Ele quer falar com você.

Eu resmunguei. – Ele quer que eu vá no bendito casamento. Não é? – eu respirei fundo – Eu já disse que não quero ir nesse casamento. Eu tenho meu consultório aqui, minha vida aqui e largar tudo para ver meu pai se casando em Londres é foda.

– Você sabe que ele quer muito que você vá. Maluá também te espera lá – ele respondeu – Você é uma mulher, Giulia. Não é mais minha garotinha. Você já toma as decisões sozinha.

– Eu sei – respirei fundo – Acabei de sair do consultório agora e resolvi passar aqui para te dar um beijo. Ainda tenho que buscar minha mãe para ela ralar logo da minha casa.

– Sua mãe está com você? – ele perguntou e eu concordei – Mas ela não estava namorando?

– Ele já se encheu dela. Como todos – resmunguei. Não queria ficar falando da minha mãe. Ás vezes nos dávamos tão bem e ás vezes eu só queria não ser filha dela. Eu fiquei ali por um tempo conversando com o meu avô até ver ele tinha uma reunião e eu estava empacando ele. Eu desci até a garagem, e busquei minha mãe na casa de uma amiga dela.

– Você vai sair hoje? – ela perguntou enquanto entrava no carro.

– Não.

–  Saiu mais cedo do trabalho? – ela perguntou e eu concordei com a cabeça. – Vai pra onde agora?

– Pra casa. Eu tenho que arrumar umas coisas porque uma amiga pediu um favor meu. Tem como você pelo menos tirar as coisas do quarto e botar no carro? Amanhã eu levo tudo.

– Tá, né? – ela apoiou a mão no apoio do carro e franziu a testa. – Ás vezes parece que você só me quer longe.

Eu dei uma risada irônica – Quando você está perto tudo que você faz é me deixar mal.

– Isso é mentira, Giulia. Eu sou sua mãe, eu cuidei de você, acordei de madrugada, te levei no médico enquanto seu pai estava cagando pra você – ela disse com um tom sincero – Eu praticamente fui mãe solteira, com vinte e um anos com uma criança nos braços e com uma fama de puta interesseira que engravidou de propósito. Se não fosse o seu avô, eu não sei o que seria de mim com você. Eu nem morava no Rio na época, estava fazendo faculdade de fisioterapia e metade daquela merda de faculdade só sabia me chamar de puta.
5
Eu respirei fundo – Você não era tão santa assim.

Ela bufou e me olhou debochada. – Não era santa, mas eu te criei. Tive que alugar um apartamento fora do campus da faculdade, te levar na barriga por nove meses, e depois, cuidar de você, ensinar a andar, a falar, ensinei a ler e escrever... Depois que você cresceu tudo mudou. Você mudou, eu mudei com você, porque querendo ou não eu vejo a vida maravilhosa e o potencial enorme que você tem. Como mãe eu morro de orgulho, mas lembrando do meu passado eu vejo tantos erros que eu não quero que você cometa. – ela bufou finalizando o seu desabafo – Sou péssima mãe por varios motivos, mas te desencorajar não é um deles.

Eu fiquei muito chocada com as coisas que minha mãe tinha dito e resolvi ficar quieta e não falar mais nada. Estacionei o carro na garagem do meu prédio, peguei a chave e saímos do mesmo. Entramos no elevador em silêncio, existiam mil perguntas que eu queria fazer, tinha vontade que ela me contasse tudo que ela tinha passado na minha gravidez que foi fruto de um ano novo com o meu pai. Mas eu não podia, por tempo, ela teve que trancar a faculdade e sair de lá. Morar sozinha, não se formou e desistiu de boa parte da juventude dela por mim. Notei que eu estava sendo uma escrota.

– Mãe, eu juro. Não queria te falar isso. Só saiu da minha boca.

Ela respirou fundo e pegou o celular dela – Eu entendo, Giulia. Você é nova, ainda tem que aprender milhões de coisas para crescer na vida.

– Sobre o João.....

– Eu não vou me meter nisso, Giulia. Você sabe que eu e a mãe dele não éramos muito amigas na faculdade, vivíamos brigando e ela me tocou molho branco uma vez — ela deu uma risada irônica — Cachorra. Eu sou doida para retribuir aquele molho branco na cara daquela cadela.

Minha mãe começou a falar mal da Letícia, mãe dos garotos, e eu catei a chave para abrir a porta. Mas notei que ela já estava aberta. Eu entrei no apartamento e minha mãe parou de falar no mesmo instante que eu. Que Deus grego era aquele que tinha acabado de sair do banho, com uma toalha na cintura e olhos azuis nos fitando sem graça.

– Nossa, desculpa. Duda disse que você chegaria mais tarde e eu.... – ele correu para se vestir e quase escorregou. Eu já tinha o visto na praia mas não notei o seu corpo. Minha mãe abriu um sorriso.

– Giulia, agora você tá igual a mim na juventude. Quem é esse cara? – ela arregalou os olhos. Eu não respondi. – Mamãe vai pegar as coisas dela e vai dormir na casa da amiga. Você precisa de uma noite daqueles loucas.

– Mãe – queimei de vergonha e tive vontade de matar a minha mãe. Ela pegou as coisas dela e saiu secando o Éric que morreu de vergonha.

– Desculpa, sou Éric – ele se apresentou e esticou as mãos. Eu apertei as mesmas e cumprimentei de volta.

– Prazer, Giulia. Não liga pra minha mãe.

– Ela parece ser bem nova pra ser sua mãe.

– É, mas ela é – respondi – Fica á vontade, Éric. Só vou tomar um banho.

– Ah, desculpa o incômodo – ele comentou e eu concordei com a cabeça.

Senhor do céu. Aquela carinha descarada no meu apartamento? Estava começando a pensar como a minha mãe e isso me dava calafrios.

Me encantou demaisOnde histórias criam vida. Descubra agora