Capítulo 01

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Estava no meio de um sonho tão bom e teria continuado lá, se seu celular não estivesse tocando estridente na mesa de cabeceira, obrigando-o a acordar. Não queria ter acordado.

Ainda mal humorado por ter sido arrancado do sonho, estendeu a mão para a mesinha ao lado da cama e apanhou o aparelho, que exibia um numero desconhecido. As suas costas, Marcelo ressonava baixinho, ainda adormecido. Desvencilhou-se do braço firme dele que envolvia sua cintura e com o celular que continuava gritando seu toque eletrônico a plenos pulmões, foi até a sala de estar.

Quem quer que fosse, era muito insistente para continuar ligando vezes seguidas em pleno Domingo de manhã.

Diego pensou em não atender, mas a persistência da pessoa do outro lado da linha parecia que não ia acabar então talvez o melhor fosse atender logo e dar aquilo por encerrado.

– Alô? – ainda estava meio bêbado de sono e acabou se largando numa das poltronas, as pálpebras se fechando, ignorando as ordens mentais para ficarem abertas. Do outro lado da linha uma voz de mulher falou seu nome de solteiro.

– É o Sr. Diego Silva? – ao que ele automaticamente corrigiu a mulher, "É Souza Tavares" afinal estava casado há pelo menos um ano, legalmente casado! A pessoa se corrigiu e continuou, repetindo a pergunta, ao que Diego confirmou, para em seguida dar um enorme bocejo.

– Meu nome é Rosário Pereira, eu sou assistente social e estou entrando em contato para informar ao senhor que sua mãe, Beatriz Morais, faleceu, vítima de um aneurisma. – o sono passou quando recebeu a notícia, mas não por qualquer motivo emocional, já que não falava ou via a mãe há mais 20 anos.

– Olha Sr.ª Pereira, agradeço por entrar em contato, mas eu não falo com a minha mãe há muitos anos e sinceramente, não quero ter qualquer tipo de participação no velório ou enterro e... – a mulher o cortou, dizendo que não havia entrado em contato por causa do falecimento dela, mas sim, por outro motivo.

– O senhor sabe que tinha um irmão, filho do segundo casamento da sua mãe, com o... Sr. Wando Moraes... – sim, ele sabia da criança, sabia que era um menino e que havia nascido pouco menos de um ano depois que ele foi embora daquela casa.

– Eu tenho conhecimento da existência dele sim. Mas, porque a senhora está entrando em contato comigo para falar sobre esse assunto? – o garoto ainda tinha o bronco estúpido do pai.

– O Sr. Moraes faleceu ano passado, por conta de um infarto fulminante e agora com o falecimento da sua mãe, o menino, Paulo, ficou órfão e foi explicitado no testamento da sua mãe que o senhor sendo o único parente próximo vivo dele, deveria se tornar o novo tutor do menino. – agora tudo estava explicado e uma única gota de suor gelado desceu pela nuca de Diego.

Ele, adotar um garoto que jamais viu na vida, com quem não tinha nenhum tipo de empatia e o qual, com certeza pela criação previa do pai, devia odiá-lo.

– Sr.ª Pereira, será que poderia me dar alguns dias para pensar sobre o assunto? É que me pegou meio de surpresa... – agora qualquer vestígio de sono que ainda poderia ter tinha desaparecido, sentia-se desperto como se tivesse tomado dez xícaras de café.

– Infelizmente não posso, Sr. Tavares. Precisamos de uma resposta nas próximas horas ou o menino será enviado para um lar de adoção, pois já estamos com ele desde o dia em que sua mãe morreu, há 72 horas.

Enquanto isso no quarto, Marcelo estendeu o braço sobre o colchão, apenas para descobrir que estava sozinho. Ouviu então um murmúrio na sala de estar e se levantou para ver se estava tudo bem. O cômodo estava escuro e ele viu o topo da cabeça do outro, os cabelos cheios e cacheados, espiando da poltrona a sua frente. Chegou a tempo de ouvi-lo dizer: "Está bem, darei a resposta o mais rápido possível".

Diego suspirou exausto e levou um susto quando a luz da sala foi acesa, mas ao olhar para trás e encontrar o marido em pé, trajando apenas as calças do pijama, acabou sorrindo, apesar de que em sua mente se perguntava como contaria a ele sobre tudo o que havia acabado de ouvir.

– Acordou cedo. – ouviu Marcelo dizer enquanto o via se aproximar. O rosto bonito e anguloso, os cabelos negros bem cortados, o corpo firme, mas que exibia uma pequena barriguinha e aquele sorriso maravilhoso.

– É, o celular me obrigou... – disse enquanto chacoalhava com leveza o aparelho. No prazo de talvez 15 minutos, ele passou de um sonho agradável para uma enxaqueca pulsante nas têmporas.

– E quem era? – aproximando-se da poltrona na qual Diego estava sentado, Marcelo observou como o outro estava pálido e suado, com certeza a ligação não trouxe boas notícias. O parceiro que era sempre tão feliz e dinâmico parecia ter sido dominado por alguma coisa negativa e poderosa, os grandes olhos castanhos pareciam assustados e os lábios róseos estavam repuxados e apresentando pontos secos.

– Eu nem sei por onde começar... – observou ele então deixar o celular na mesa de centro e enfiar os dedos nos cabelos castanhos e cacheados e então puxá-los como se quisesse arrancar os fios pela raiz.

Sentou-se no sofá ao lado da poltrona e colocando uma mão sobre o joelho de Diego, murmurou: "Comece do começo, temos tempo".

E então ouviu toda a história. Sabia que Diego e a mãe não se falavam desde que ela se casou novamente, pois o padrasto era um homofóbico assumido e não perdia uma chance de atacá-lo e que Beatriz, por sua vez, fingia não ver as perseguições, ofensas e até surras que o marido dava no filho.

Então, quando Diego contou que ela estava morta, Marcelo manteve-se impassível e apenas aumentou a pressão do aperto no joelho do outro, para demonstrar que estava ali pra ele. E foi então que soube sobre o verdadeiro motivo da ligação. Diego tinha um irmão caçula, "meio-irmão, na verdade" o ouviu dizer e notou como a voz dele ia ficando mais rouca e aguda conforme ia contando sobre a conversa que teve com a assistente social e por fim, quando revelou o ultimato "Eu recebo ele aqui ou vão enviá-lo pra adoção" Marcelo teve a certeza do que devia fazer.

– Sei lá, Marcelo. Eu acho que talvez ele vai ficar melhor num lar adotivo do que com o irmão anormal e doente... Era disso que meu padrasto me chamava e eu imagino o que não deve ter falado de mim pra ele. Com certeza me pintou como um monstro. – Diego suspirou exausto e olhou para o rosto do marido, esperando alguma resposta, qualquer que fosse.

– Sabe, talvez esse seja exatamente o motivo para você acolhê-lo aqui. Imagine o que esse garoto não deve ter sofrido nesses anos, ainda mais vivendo com a sua mãe, que com certeza continuou sendo tão omissa quanto você me contou que ela era. – viu Diego erguer os olhos para cima e para a direita, estava pensando e então sentiu a mão morna dele segurar a sua, que permanecia sobre o joelho.

– Não é que eu não o quero aqui, mas, Marcelo, não sei se consigo dar conta da responsabilidade de criar uma criança, ainda mais uma que com certeza, ouviu coisas horrendas sobre mim, através daquele homofóbico... – desviou o olhar do rosto do marido pro celular sobre a mesa de centro, agora que já havia descarregado sua carga doentia, o aparelho permanecia em silencio.

– Eu sei que é assustador, mas nós vamos conseguir cuidar dele, juntos. Eu estou aqui com você Di e vai dar tudo certo. – Então ele se inclinou para perto da poltrona e beijou Diego na testa, com carinho.

Eles estavam juntos nessa.

Continua...

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