Capítulo 1

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Capítulo 1

Brooke

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          Essa droga de apartamento fede. Não "fede" estilo cheiro ruim de algo estragado... Não, essas paredes fedem à mofo — o que na minha humilde opinião; é mil vezes pior do que o cheiro de leite azedo — e a aparência esverdeada de todas as paredes desse lugar da a impressão de que pelo menos duas pessoas já foram assasinadas aqui. Não que eu tivesse muitas opções na hora de escolher o teto sobre minha cabeça nessa cidade. Essa droga de apartamento futriqueiro foi o melhor dos piores e o mais próximo ao campus que encontrei. E quando me refiro à próximo, significa que é quase 20 minutos de caminhada até a entrada da universidade de Uepplen*. Não reclame Brooke, o outro era à uma hora de distância, lembra? Meu inconsciente me lembra e paro de reclamar mentalmente comigo mesma. Ou tento. Porque, esse apartamento não é nada perto dos que vemos retratados em filmes, há no máximo duas janelas e as paredes são tão finas que conseguimos ouvir os gemidos dos vizinhos todas as noites. E quando me refiro à "conseguimos", no plural, é porque tanto eu, quanto Oen já perdemos incontáveis noites de sono por conta dos gemidos. Oen é meu "colega de quarto". Como não posso bancar a merda de um lugar sozinha, entrei em contato com algumas pessoas que estavam na mesma poça de lama que eu e queriam também dividir o aluguel de um apartamento pequeno. Oen foi o único que não correu quando viu pessoalmente esse lixo que chamamos de casa. Apesar do cara ser uma década mais velho que eu e trabalhar como assistente de marketing, Oen é um bom amigo e me faz me sentir "normal" às vezes. Melhor do que a maioria das pessoas na minha faixa de idade.

      Fecho a porta emperrada de entrada do apartamento e desço as escadas de metal ao lado de fora. Cada vez em que meus pés encostam em um degrau o mesmo chia como se eu pesasse 200kg. Não faço ideia como toda essa estrutura ainda se mantém em pé, deve haver no mínimo uns 30 anos que não há uma reforma aqui. Deixo o desgosto da minha vida de lado e enquanto caminho em direção ao campus; retiro o livro de artes de dentro da minha bolsa e o abro no capítulo onde a anatomia humana é retratada e comentada. Isso me distrai. Sempre fui apaixonada pelas formas como nossos órgãos se encaixam para fazer um todo funcionar. É pura arte. Minha parte predileta são os ossos. Figuras tão simples que exercem funções gigantescas; afinal não haveria como um corpo de pele e órgãos fazer café ou sexo... Precisamos dos ossos e céus, eles são tão fodas que quando os quebramos, podemos fazê-los voltar ao lugar! Como uma simples mágica! Sim, eu me empolgo pensando nisso e por mais que a anatomia me chame demais a atenção, não estou cursando medicina, enfermagem nem nada do gênero. Meu coração sempre transbordou cor, desde que eu ainda engatinhava. Se me dessem uma tela em branco e algumas — poucas — latas de tintas, eu poderia ficar horas e horas imersa do mundo real e totalmente perdida entre uma pincelada e outra. Apesar da arte correr nas minhas veias, nunca fui compreendida, meus avós — por quem fui criada — sempre pediam, às vezes até imploravam para que eu aproveitasse a chance que consegui da metade da bolsa de Uepplen e cursasse algo que segundo eles; me rendesse um futuro certo e promissor. Todo mundo já pode imaginar o quão motivada fiquei após aquela merda de dia. No entanto, não desisti do meu sonho, porque se tem algo que sempre devemos fazer é; acreditar em nós mesmos, não importa quantas vezes as pessoas ao nosso redor irão dizer o que deveríamos ou não fazer. Se você tem vontade de ser um palhaço de circo? Seja a droga do melhor palhaço e arranque risadas de todos os filhos da mãe que conseguir. Se você quiser ser um escritor? Escreva rios de livros que vão deixar todos de cabelos em pé. Porque no fim do dia, quando você se deitar, não terá arrependimentos, muito menos aquela sensação de impotência.
     *

        Vinte minutos mais tarde, finalmente chego ao campus de Uepplen e pisar aqui todos os dias, é como uma vitória que comemoro internamente, afinal não é qualquer um que consegue estudar aqui. Cruzo o campus em direção ao prédio de humanas e como sempre; sou só mais um rosto, no meio da multidão. Nunca fui fã de pessoas aglomeradas... Elas me fazem perder o ar por alguma razão. Oen diz que deve ser algum trauma meu de quando pequena, eu digo que deve ser só mais uma merda pra tentar me puxar pra baixo nessa vida. Que venham com mais força então! Porque eu não vou cair tão fácil. Desvio do máximo de pessoas que consigo e respiro fundo quando um babaca passa por mim e tromba seu ombro no meu. Ignore Brooke, apenas ignore. Aperto a apostila que vim o caminho todo admirando em meus braços e quando estou prestes à deixar isso de lado, escuto a voz masculina resmungar um; "Está cega, porra?". Como se eu sequer precisasse efetuar o comando para que minhas pernas parassem; meus pés param de caminhar no mesmo segundo e me viro, para encarar a silhueta de ombros largos, se afastando lentamente. O babaca está vestindo a blusa do time de futebol americano de Uepplen — os ratos? Coelhos de Uepplen? Algo assim — e em cima do número grande nas suas costas à seu sobrenome; "Riston". Claro, um babaca mimado com nomezinho mimado e que se acha a porra do presidente.

— Você quem deve estar, topeira — se tem um lado bom de ser criada por seu avô, que serviu ao exército há muito, muito tempo atrás, é que ele garantiu que sua neta não levaria desaforo para casa.

      Riston para de andar e seu amigo loiro, ao seu lado faz o mesmo. O cara ao seu lado é o primeiro a se virar para me encarar, mas não vejo maldade nem raiva em seu semblante. Meus olhos voltam para o que me empurrou e quando ele se vira; respiro fundo. Tenho certeza que já o vi de longe antes, afinal — por pura infelicidade — todo mundo já viu os jogadores de Uepplen, porquê por alguma razão todos eles gostam de chamar a atenção e ele ter esbarrado em mim é a prova disso. Sustentando seu olhar, percebo que seu rosto me é familiar, no entanto não faço a mínima ideia de qual seja seu nome, a não ser pelo sobrenome gravado na camisa claro. Riston com as sobrancelhas levemente juntas corre olhar em meu corpo e quando seus olhos param nos meus novamente; um dos cantos de sua boca se ergue brevemente.

— Você me chamou de que, estranha? — sua pergunta soa como se ele estivesse pronunciando a merda da melhor piada do mundo.

       No entanto, as palavras dele, mais especificamente a última me faz ter vontade de acertar seu saco, que deve ser minúsculo assim como seu respeito, babaca mimado.

— Você me chamou de estranha? — espremo os olhos lentamente e seus ombros largos sobem e descem.

— Além de cega é surda? — Riston ri parecendo realmente achar graça dessa merda que saiu da sua boca.

— Engraçado... — forço uma breve risada — Não sou eu quem está rindo feito uma lunática, jurando que as merdas que deixam minha boca são engraçadas, sequer divertidas, porque haaa é mesmo, o babaca que está fazendo isso aqui é; você — ergo minhas sobrancelhas sem me acovardar e apesar do seu rosto por inteiro se fechar sombriamente, o amigo ao seu lado cai na risada, uma risada claramente chapada.

Revezo olhar entre os dois e claro, dois mimados que não se contentam em se acharem superiores, eles precisam dizer que limpam a bunda com dinheiro ao ponto de usarem drogas. Por que raios eu esperava outra coisa? São só mais dois típicos mimadinhos.

— Ela te pegou, Chuck! — o amigo se pronuncia entre uma risada e outra, enquanto bate no ombro de Rist...Chuck, claramente levando na esportiva o desentendimento que acabamos de ter.

        Levo alguns instantes para processar o nome do mimado que esbarrou em mim e puta merda, que nome ridículo, não que o meu seja o melhor nome do mundo, mas Chuck? Fala sério!

— Meu pau — Chuck rosna para o seu amigo e logo volta a atenção para mim, me fazendo, por um segundo sentir minha garganta se fechar com seu olhar, mas não é a primeira vez que essa merda acontece e nem será a última, então ergo meu queixo a fim de desafia-lo.

     Vai logo mimado, jogue sua provocação. O espero cacarejar qualquer coisa, no entanto, Chuck apenas desce seu olhar em meu corpo mais uma vez, de uma maneira mais demorada e concorda com a cabeça.

— A gente se vê por aí, Princesa — sua voz não carrega a seriedade de antes e isso quase me faz abaixar a guarda, repetindo, quase.

— Espero de coração que não — o respondo levando uma mão até meu peito, para enfatizar o sarcasmo, com um breve sorriso no rosto e seu amigo volta a rir.

       Me viro sem dar a ele uma chance de contra-atacar. Estou atrasada e não vou perder momentos preciosos de aula para gastar com esse babaca mimado. "Princesa" de onde ele tirou essa merda de apelido? 
        Idiota.
            Mimado.

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*Uepplen: Universidade onde a ambientação dos livros da série pertence
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