EMILY
O sábado foi um tédio, quase não saí do quarto e papai não falou comigo. Não assisti tv, não mexi no computador ou no celular e com certeza nem pensei em sair porque provavelmente seria barrada. Domingo de manhã não foi diferente, tomei café e voltei para o quarto. Voltei a escrever alguns textos e a viajar em pensamentos, fui pra tão longe que quase entrei na zona proibida. A porta que evitei entrar desde sexta à noite.
— Emy, querida. — Danda me tirou do transe.— Entra Dandinha! — pedi. Danda entrou trazendo um cesto de roupas limpas que ela sempre colocava num canto para que Rosa as passasse. — Você não devia carregar peso, sabia? — me levantei e peguei o cesto de suas mãos.
— Não dá pra negar que eu estou ficando velha. — ela colocou as mãos nas costas.
— O que não dá pra negar é que a senhora é muito teimosa dona Danda. — peguei em sua mão e a guiei até minha cama. Danda se sentou e soltou um suspiro meio cansado. — O que custa pedir ajuda pra Rosa? — me sentei ao seu lado.— Ixi querida, a Rosa só quer saber de namorar. — ela ergueu uma das mãos. — Se eu não ficar no pé dela... — Danda me fez sorrir.
— Eu não quero a senhora carregando peso Danda. Ouviu? — a encarei.
— Oh, querida. — beijou a minha mão. — Só você pra se preocupar com essa velha. — ela me olhou com tanto carinho, então eu a abracei. Fechei os olhos e imaginei Danda abraçando e dando carinho a minha mãe.
— Danda... — me afastei um pouco para olhá-la nos olhos. Aqueles olhos, tão cansados e mesmo assim calmos. — A mamãe era feliz? Quer dizer, ela era feliz com o meu pai? — era algo que eu sempre quis saber mas depois de tantas perguntas sem respostas não me atrevi a perguntar antes.
— Emy...
— Eu preciso saber de alguma coisa sobre ela. Por que ninguém me conta nada? — a interrompi, antes que ela tentasse me enrolar de novo.
— Sim. — disse, resignada. — Ela era feliz.
Meus olhos se encheram d'água, eu não pude evitar.
— E... — minha voz falhou. — Como ela... — suspirei. — Como ela morreu?— Querida, você sabe. — disse, somente.
— Um acidente. Atropelamento. — repeti as mesmas palavras do papai quando eu era criança. — Danda, eu não sou mais criança. Eu preciso saber o que aconteceu com a minha mãe. — comecei a chorar. — Por favor. — pedi.— Meu amor, eu acho melhor perguntar isso ao seu pai. — secou minhas lágrimas.
O barulho de passos suaves me fez olhar para a porta. Papai tinha parado no meio do quarto com as mãos nos bolsos da calça e me encarou, como se quisesse dizer algo,
— Com licença, eu vou terminar de fazer o almoço. — Danda se levantou com certa dificuldade, nos deixando a sós.[...]
— Se veio saber se eu estou burlando as regras... — me levantei enquanto secava meu rosto. — Eu não estou mexendo no celular, ele está desligado. O computador também, mas se quiser levar, pode...
— Eu ouvi você perguntar sobre a sua mãe. — ele permaneceu onde estava, mal moveu um dedo. — Você não devia incomodar a Danda com essas perguntas. Tudo o que eu te falei sobre sua mãe...
— Tudo? — me virei para encará-lo, indignada. — O que significa tudo papai?
— O que mais quer que eu diga Emily? — perguntou, claramente incomodado.
— Comece do início. — cruzei os braços. — Como ela morreu? Quero saber a verdade.
— Já chega! — trovejou. — Eu não aguento mais esse assunto. Já está na hora de você enterrar a sua mãe! Eloisa se foi a anos e não podemos fazer nada, então pare com essas malditas perguntas! — senti o olhar furioso em minha direção como se me culpasse de algo.
— Ok. — tentei disfarçar o olhar e apesar disso as lágrimas voltaram a cair. — Obrigada. Como sempre você foi muito esclarecedor. — voltei pra cama, peguei o caderno e fingi escrever. Depois de alguns segundos parado olhando pra mim, papai finalmente saiu com os passos firmes porém suaves.
[...]
Segunda e terça-feira passaram voando, as provas de fim de bimestre já estavam pra começar e apesar disso os alunos não pareciam tensos, aliás eram poucos os que realmente se preocupavam com as provas. Eu estava entre os poucos.
Quarta é dia de química e ética. As duas aulas primeiras aulas foram tão entediantes que quase cometi uma falta de ética, como diria o professor Tobias. — olhei para a maloqueira que conversava com Giulia e outras três meninas. Camila, Tâmara e Maria. Todas tão sorridentes que eu poderia jurar que estavam todas flertando com a maloqueira nojenta. Desde sexta ela não falou mais comigo e nem eu com ela, mas parei de evitar pensar no acontecido e daí não consigo parar de pensar naquele momento.
Foi só um beijo sua tonta. — digo a mim mesma toda vez que penso naquela droga de beijo.
O professor entrou na sala, meio sem paciência e foi até sua mesa. Sem nem olhar para nós, foi colocando alguns papéis em cima da mesa. Me sentindo sufocada me levantei e caminhei até a porta.
— Onde acha que vai mocinha? — o professor Tobias perguntou.
— Eu preciso ir ao banheiro professor. — senti um olhar vindo de outra direção, sobre mim. A maloqueira me olhava com certa irritação.
— Pode ir, mas vê se não demora. — ele voltou a mexer em seus papéis.
Ignorei o olhar da maloqueira e saí.
Entrei no banheiro e fui logo molhar o rosto, passei um pouco d'água atrás da nuca, fechei os olhos por algum tempo enquanto minha respiração se acalmava. Quase podia sentir o cheiro da maloqueira em mim, era impressionante o quão a mente do ser humano pode se recordar de tudo.
— Se tá afim de uma bitoca é só pedir. — me assustei ao perceber que ela estava ao meu lado, dei alguns passos para trás.
— O que faz aqui? — ela quase sorriu, quase.— Quero bater um lero contigo. — num segundo estávamos á uma certa distancia uma da outra e noutro eu estava encostada na parede e seus braços impedindo a minha passagem.
— Fala logo. — cruzei os braços numa tentativa desesperada de me manter segura.
— Que é ursinha? Tá com medo de mim? — seus olhos analisavam meus lábios.
— Já que não é nada importante... — tentei sair mas ela me empurrou novamente contra a parede.
— Segura a tua marra aí, valew. — estávamos ainda mais próximas e um anseio por algo me tomou o estômago.
A troca de olhares me deixou estasiada, era como se eu estivesse sendo encantada ou hipnotizada.
— Não vai me dizer? — alguém estava prestes a entrar no banheiro, então eu me assustei. Antes que eu pudesse fazer alguma coisa, a maloqueira me levou pra dentro da última cabine e fechou a porta o mais cuidadosa possível, pra não fazer barulho. Ela parecia calma, talvez tenha feito aquilo num impulso aleatório ou tenha feito por mim, para que eu não virasse alvo de comentários. Preferi acreditar na primeira opção, era a que tinha mais lógica.
— Eu já disse. — a voz não me era estranha.
— Lara, é óbvio que tem alguma coisa nisso. — percebi que se tratavam de Maria e Lara. — Não vai me dizer o que você tem contra a Giulia pra ter armado contra ela? Eu tenho o direito de saber, já que fui eu que te ajudou.
— Shhh! Cala a boca garota! — houve uma pausa. — Quer que todo mundo escute?
Olhei para a maloqueira que também olhava pra mim mas parecia pensar em alguma coisa.
— Isso é coisa minha entendeu? Eu acho bom você cuidar da sua vida se quiser continuar tendo uma aqui no colégio. — mais uma vez houve uma pausa.
— Então é isso? Vai me ameaçar? — Maria perguntou, pelo tom de voz parecia ofendida.
Não consegui ver nada.
— Não é uma ameaça, ainda. — segundos depois ouve-se o barulho da porta se fechando e segundos mais tarde ouve-se o barulho novamente. Estávamos sozinhas no banheiro outra vez.
Bô abriu a porta da cabine e saímos. Por um momento ficamos caladas, talvez digerindo o que tínhamos acabado de escutar, então eu me dei conta.
— Não acredito... — tentei falar, ainda sem acreditar.— Filha da puta! — disse a maloqueira.
— Foi a Lara que armou aquilo, não foi? Quer dizer, não disseram com todas as palavras, mas...
— Hã, se toca ursinha. É claro que foi aquela cachorra. — Bô disse, com raiva. — Essa... — assentiu a cabeça. — Essa aí eu cobro. — prometeu.
— O que vamos fazer?
Vamos? De onde eu tirei isso?
A maloqueira cogitava algo, seu olhar se perdeu no nada até que ela olhou fixamente para algo em cima da bancada do banheiro. Era um celular. Ela o pegou e o analisou.
— Esse celular é...— Da otária. — completou.
Um sorriso maldoso se formou em seu rosto e em seu olhar pude ver as más intenções.
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Maloqueira
RomanceDizem que existe uma pessoa para cada pessoa. Alguém que vai chegar pra trazer o caos, te encher de dúvidas, te sacanear de vez em quando, te enlouquecer, acabar com o seu dia e te fazer chorar. As vezes essa mesma pessoa também vai te trazer paz e...