B O Á R A
O inverno com certeza não é minha estação preferida, quem nasce no Rio de Janeiro é acostumado a sair de bermuda e chinelo pra ir trampar porque o sol é de rachar e apesar disso, eu sou ligada numa praia e numa laje então nunca reclamei. Campos do Jordão é legal e na real, fazer trilha num lugar bacana é maneiro, mas tinha que ser esse frio do caralho?— Pessoal, vamos parar um pouco pra descansar e então continuamos. — disse o trilheiro, tal de Fabinho.
— Gente, vocês ouviram o Fabinho né? — Karla passou as mãos ao redor dos braços do cara enquanto se abria toda com aquele sorriso idiota.
Me sentei numa pedra grande e dei um gole na minha garrafa d'água enquanto largava minha mochila no chão.
— Eu também odeio o frio. — Lara encostou do meu lado na pedra. Tentei ignorá-la enquanto bebia mais um gole d'água. — A gente ama uma praia. — ela suspirou. — Sinto falta das férias no Rio. — a encarei finalmente. — Sinto falta da gente.
Ela com certeza não era ligada no frio tanto quanto eu, sempre que Lara colava no Rio, seja de férias ou não, ela reclamava do tempo maluco em São Paulo e que era louca pra morar em outra cidade, em outro país.
— Amor, não é justo que você me ignore assim. Eu só vim pra essa droga de trilha por sua causa e a única coisa que eu peço é que a gente pare com essa bobagem e converse. — Lara colocou a mão em cima da minha disfarçadamente, observando tudo e todos a nosso redor. — Bô, conversa comigo. — linda, ela sempre foi linda. Só então percebi que ainda tava magoada com ela e que Lara me afetava de certa maneira.— Quer levar um papo? — afastei minha mão da dela. — Real? — me levantei.
— Quero. — olhou novamente a nosso redor. — Preciso. — então voltou a encarar os meus olhos.
— Tá legal, mais tarde a gente se vê lá na ponte. — mordi o lábio inferior afim de segurar todas as verdades que eu tinha pra mandar e pior ainda, terminar beijando ela.
Carência é um porre!
— Ok. — sorriu. — Só, não vale aprontar. — avisou. Concordei apenas com o olhar porque afinal, não era esse o objetivo.
Desde ontem, desde aquela droga toda lá no quarto com a ursinha, tudo o que me vem à mente é a porra do beijo dela. Um beijo que podia ter acontecido ontem, os beijos que aconteceram antes e que anda me incomodando tanto que qualquer outra boca parece suficiente pra tirar a dela da minha cabeça.Nada de mais, é só precaução.
[...]
Já não aguento mais andar com a Lara o tempo todo se aproximando e tentando dar uma de prestativa, sem que ninguém veja, é claro. Não paro de pensar se fiz bem em dar bola pra ela, mas acho que independente do que aconteça entre Lara e eu, temos que levar um papo sério e acabar com as dúvidas, sei lá, de repente partir pra piranhagem de novo. Seguir sozinha como sempre, sem mina nenhuma pra me virar a cabeça ou me tirar do sério, só eu e a minha incrível capacidade de me meter em encrenca pra variar. Assim, quem sabe o coroa não se cansa e tenta me mandar de volta pro Rio, nessa eu consigo a grana que eu preciso pra me perder no mundo e nunca mais voltar.
— Bô! — ouvi alguém sussurrar o meu nome. Achei estranho e procurei por quem me chamava. — Ei, pssssiu! — mais uma vez, sussurraram. — Aqui! — vi um aceno de mão, olhei mais atentamente e finalmente consegui ver que era Duca. Estranhei em ver o idiota tão cedo, não achei que ele viesse tão rápido.
Olhei de um lado para o outro e Karla junto com os outros estavam na frente, quando fiquei sozinha me aproximei do cara.— Porra velho, o que tu faz aqui? — apesar de achar estranho, sorri.
— Ué, tu me chamou. — demos um toque de mão.
— Qual é maluco, a gente combinou de tu vir na segunda viado. — ele riu.
— Eu vou te mostrar o viado. — disse zuando. — É, mas gente trouxe uns lances aí. — coçou a nuca.
— A gente? A galera toda tá aqui? — franzi o cenho. — Cara, onde cê vai colocar o povo? Tu ficou maluco ou o que?
— Calma porra, tá de boa. Só tá o Japa, o Nandin e eu aqui. O resto da galera só cola na terça à noite pra despedida, como a gente combinou. — ergueu as mãos.
— Sakei. — concordei e então voltei a sorrir.
— Trouxe ela? — ele me encarou sabendo perfeitamente de quem eu estava falando.
— Foi difícil convencer o Ed mas, ela tá aqui. — suspirou.
— Cara, que saudade. — coloquei a mão no peito e suspirei.
— É. — Duca fez o mesmo e depois de um olhar cúmplice, sorrimos.
— Já tem lugar pra ficar? — eu quis saber.
— Se liga só, tem uma casa atrás de um monte de árvores depois do lago. Uma casa pequena de madeira tá ligada? E tá vazia, quer dizer, tava vazia porque a gente já tomou o lugar. — ele fazia gestos segurando um graveto. — Cola lá mais tarde. Tá tudo no esquema. — garantiu.
— Firmeza mané. — dei um soco em seu ombro. — Aê, que bom que cês vieram antes. A gente vai alegrar um "pouquim" isso aqui.
— Tranquilo. São Paulo já não é mais o mesmo sem tu pra fuder com o lugar. — demos outro toque e um encostar de ombros.
— Bô!! — a voz dessa vez era de Karla. — Boára! — chamou novamente.
— Iiih seus amigos mimados tão te chamando. — zombou Duca. Revirei os olhos ante sua expressão debochada.
— Vai se fuder! — mandei.
Duca piscou e fez sinal de silêncio com o dedo enquanto saía de ré por entre as árvores até desaparecer.
— Bô! — Karla veio ao meu encontro e me abraçou, aliviada. — Graças a Deus! Eu quase morri menina, onde você estava?— Mals, eu tava vendo uns passarinhos e acabei me perdendo, sakas? — dei um sorriso de lábios colados.
— Pelo amor de Deus Boára, não faça mais isso. Será que você não entende que pode ser perigoso, e... — Kala continuou falando enquanto me guiava de volta pro meio da turma.
É coroa, prepara o coração que tudo o que acontecer aqui vai ser em sua homenagem.
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Maloqueira
RomanceDizem que existe uma pessoa para cada pessoa. Alguém que vai chegar pra trazer o caos, te encher de dúvidas, te sacanear de vez em quando, te enlouquecer, acabar com o seu dia e te fazer chorar. As vezes essa mesma pessoa também vai te trazer paz e...