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Flashback

Maraisa era uma menina magricela, desajeitada, que usava um óculos fundo de garrafa e carregava consigo um cicatriz enorme no lábio superior, feita pelo cachorro do vizinho.

Tinha medo de não ser aceita, medo de ser rejeita, medo que fossem rir dela. Tal medo fez com que ela perdesse toda a primeira semana de aula, mas nem seu choro compulsivo e sua cara de cão sem dono, conseguiram convencer seus pais a deixa-la faltar mais um dia que fosse.

Mesmo seu pai lhe prometendo que tudo iria dar certo e que ela iria gostar daquele lugar e daquelas pessoas, ela empacou por uns bons dez minutos na porta de entrada, enquanto decidia se encararia ou sairia correndo.

– Não precisa ter medo. - Maraisa não sabia como, mas uma menina loira, com olhos azuis expressivos, descabelada, com o rosto cheio de sardas e com um sorriso que faltava um dente, estava parada em sua frente e sorria para ela. - Não é tão ruim assim. - A loirinha continuou.

– Eu... não sei... - Maraisa murmurou envergonhada, fazendo a menina sorrir.

– Não sabe o quê? - Questionou ainda sorrindo.

– Se vou gostar. - Os olhos de Regina, estavam concentrados em seus pés.

– Qual o seu nome? - A loira extrovertida estava naquele momento fazendo exatamente o que sua mãe lhe sugeriu que fizesse, ajudando quem tinha problema para se comunicar.

– Maraisa Pereira. - Respondeu timidamente.

– Oi, Maraisa Pereira! Meu nome é Marilia Mendonça. Prometo que você vai gostar da escolinha. Você vai ficar na mesma sala que eu, se você quiser nós podemos ser amigas. - A menina falou tudo tão rápido, e de um jeito tão afoito, que arrancou um sorrisinho da morena.

– Como sabe que vou ficar na mesma sala que você? - Maraisa tomou coragem e levantou a cabeça. Pensou que a tal Marilia, fosse sair correndo ao ver a sua cicatriz, mas para a sua surpresa, a loira abriu um sorriso de orelha a orelha.

– Porque a tia chamou seu nome várias vezes na semana que vem. - De novo, Maraisa sorriu, ao ver que a mais nova e até então, única amiga, fez confusão ao falar sobre a semana.

– Passada. Semana passada. - A corrigiu. Marilia, bateu com a mão na testa.

– Isso. Essa coisa de semana dá nó na minha cabeça. - Se explicou.

– Eu posso ajudar você a entender isso. - Maraisa se ofereceu e sem perceber, começou a andar ao lado da amiga, entrando finalmente na escola.

– Obrigada! Você tem a maior cara de inteligente. Hey, a gente pode ser uma coisa de duas. Tipo, você é o cérebro e eu a pessoa falante. - A sugestão de Marilia, fez Maraisa arquear as sobrancelhas e a encarar sem entender.

– Uma coisa de duas? - Precisava de mais informações para tentar entender aquilo.

– É. Uma pessoa sozinha, é uma pessoa. Duas pessoas, quando se juntam para fazer alguma coisa, tem um nome que mamãe me falou, mas eu esqueci, então chamo de coisa de duas. - Explicou, arrancando uma risada da amiga.

– Seria dupla? - O rosto da loira se iluminou e ela sorriu largo.

– Isso! Você é mesmo inteligente. - Marilia, elogiou. Maraisa, até pensou em contar que era superdotada, mas resolveu não fazer. Primeiro, porque pessoas superdotadas eram vistas como esquisitas. Segundo, talvez Marilia, não fosse entender muito bem o que significava aquilo.

– Obrigada! Você também é. Podemos ser uma dupla então. - Para a felicidade da loira, Maraisa concordou.

– Legal! Hey, depois você tem que me dizer, como conseguiu essa cicatriz maneira. Também quero ter uma assim. - E assim começou uma amizade. Marilia, foi tagarelando sem parar, fazendo Maraisa rir e esquecer o tão temido primeiro dia de aula.

– HEY, PEREIRA! - Pela segunda vez naquele dia, Maraisa, balançou a cabeça para apagar a imagem da amiga traidora de lá, e levantou a cabeça, encarando Maiara. - Qual o problema? Vai ficar aí parada? - Assim como o primeiro dia de aula, Maraisa, não tinha escolha. Ela tinha que entrar. Chegava a ser irônico a lembrança que tinha acabado de ter. Estava entrando na prisão, graças aquela mesma menina espevitada, que lhe ofereceu amizade.

A novata nada disse, só sorriu sem humor, fez suas pernas voltarem a andar e finalmente alcançou o fim do corredor, começando oficialmente, sua vida na prisão.

A morena foi apresentada ao refeitório, a sala de reuniões, ao pátio e por fim, ao banheiro, (lugar que a deixou com uma imensa vontade de chorar). - Se perguntou onde se encontrava privacidade por lá. Aonde estavam as portas dos sanitários? E por que diabos não tinha nenhuma cortina nos chuveiros? Aquilo era constrangedor, humilhante, desumano.

Pensou em abrir a boca para reclamar, mas do que adiantaria reclamar para uma detenta? Com certeza ela não resolveria nada. Então fez uma nota mental de assim que possível, voltar a sala de seu orientador e reclamar com ele.

Estava saindo daquele lugar horripilante que por algum motivo chamavam de banheiro, quando graças as coisas de cama que carregava, (que a impossibilitavam de enxergar muito a frente), - a fizerem esbarrar em uma detenta que estava entrando no mesmo.

– Desculpa! - Disseram em uníssono. Foi então que o coração de Maraisa, disparou e suas pernas bambearam. Poderiam passar anos e mais anos, mas a morena jamais esqueceria daquela voz.

Maraisa, esperou tanto pelo dia que aquele reencontro aconteceria, ensaiou tantas palavras, tantas grosserias, e treinou tantos tapas na cara. Estava tendo a chance de finalmente colocar tudo em pratica, mas não conseguia. Tudo que ela realmente estava desejando era sair correndo para longe dali, mas suas pernas mal conseguia a manter de pé. Suas mãos estavam tremulas, na verdade todo o seu corpo tremia. Pela primeira vez na vida, Maraisa, não fazia ideia do que fazer.

Respirou fundo algumas vezes, antes de tomar coragem e levantar a cabeça, dando de cara com, ninguém mais, ninguém menos, do que sua ex melhor amiga, a mulher pela qual ela estava ali naquele inferno. Marilia Mendonça.

Ao contrario de Maraisa, Marilia, não parecia assustada, nem estava paralisada, mas assim como o coração de Maraisa, o coração da loira também batia acelerado e suas pernas também estavam bambas. Aquela era a primeira vez, desde que entrou na cadeia, que Marilia, teve o sentimento de felicidade, afinal, apesar dos pesares e das circunstâncias, depois de muitos anos, Maraisa, estava ali, parada em sua frente, olhando dentro dos seus olhos, como se estivesse vendo sua alma. Então outro sentimento tomou conta de Marilia. Saudades. Ah como ela sentiu falta daquele olhar. Sabia que aquele era um olhar de irritação, mas era o olhar que Marilia, mais gostava. Era intenso, assustador e sexy ao mesmo tempo.

– Hey, Maraisa Pereira! - A saudou, ao lhe lançar um sorriso de orelha a orelha.

ESCAPE | MALILAOnde histórias criam vida. Descubra agora