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Embora meus olhos estejam na carta, a deixei de ler ainda na metade, como já disse, decorei cada parte dela. Ao respirar fundo e piscar algumas vezes tentando me livrar das lágrimas, algumas acabam caindo e molhando a folha de papel, o que me faz dobra-las e devolve-las ao envelope.

Ao ouvi-la fungando, volto a respirar fundo e levanto a cabeça para encara-la. Ela tem os olhos fixos em um ponto a sua frente, e o rosto molhado pelas lágrimas. Penso em dizer muitas coisas, em prometer muitas coisas, mas acabo não dizendo nada. Levo minha mão até as dela, que estão repousadas sobre suas pernas cruzadas.

– Continuo amando você, Maraisa Pereira. – Sussurro ao apertar suas mãos. Ela concorda com a cabeça e se volta para mim. Seus olhos se prendem nos meus, e ficamos assim por um tempo, em silêncio, apenas nos olhando.

– Posso não saber, não lembrar de boa parte da vida, mas eu sei que você me ama, tenho certeza disso. – Balanço a cabeça concordando. - Você não precisa ficar, Marilia. Você não me deve isso, não precisa ver isso. Você pode ir, na verdade, você deve ir. Não precisa ficar só porque eu lhe escrevi uma carta estúpida lhe pedindo que fizesse isso. Vá, leve com você essas boas memórias, se apegue a elas, e não volte, não olhe para trás. Não existe mais nada de bom aqui, nada que valha a pena, essa não sou mais eu. – Balanço a cabeça muitas vezes, discordando dos absurdos que acabo de ouvir.

– Maraisa, não é nada elegante uma mulher da minha idade, mandar alguém calar a boca, mas por favor, cale a sua boca. – Fungo. – Você não sabe o que está dizendo. Você acha que eu continuo com você só por causa dessa carta? – Minha voz acaba soando ressentida. – Ir? Para onde você quer que eu vá, Maraisa? Eu construí uma vida com você, uma família com você, uma história com você. Eu fui feliz com você, e acredite, eu ainda sou feliz com você. – Esboço um sorriso. – Você me apoiou, você me ajudou, você acreditou, confiou em mim, quando ninguém mais fez isso. Você me aceitou de volta, você dividiu seu filho comigo, seus netos, sua casa, seus cachorros. Você conheceu a melhor parte de mim, e a pior também, e mesmo com todos os motivos para se afastar, para me dar as costas, você ficou. Você me amou o suficiente para ficar, para passar por cima de muitas coisas. – As lágrimas voltam ao meu rosto.

– Por medo, eu lhe dei as costas uma vez na minha vida, e eu nunca me senti tão infeliz. Então não, garota estúpida, eu não posso ir, eu não devo ir e eu não quero ir, e isso não tem nada a ver com o pedido da carta, mas tem muito a ver com o amor que você mencionou nela. – Levo minhas mãos até as dela, que ainda seguram meu rosto. – Você pode não lembrar, pode não se reconhecer, mas você ainda é você, as suas lembranças, continuam aí, escondidas dentro da sua mente, mesmo que seja cada dia mais difícil recorda-las, elas continuam aí, e mesmo que você não lembre, elas aconteceram. Você continua valendo a pena. Para mim, você sempre vai valer a pena. – Volto a fungar. – E não importa se chegará um dia em que você vai se perder aí dentro para sempre, não importa se eu me tornar uma completa estranha para você. Não importa se eu vou sofrer, se vou chorar, não importa. Posso não saber o que vou fazer quando esse dia enfim chegar, mas de uma coisa tenho absoluta certeza, eu vou continuar aqui do mesmo jeito. – Lhe garanto.

— Porque eu lembro, Regina, lembro perfeitamente quem você é, o que vivemos, o que você significa e sempre significou para mim. – Trago suas mãos até minha boca e as beijo. – Então por favor, não fale mais isso, ir embora não é, nem nunca foi uma opção. Nós estamos juntas nessa, em mais essa, e eu vou com você até o fim, porque eu continuo tendo certeza que nenhum dia nessa terra sem você, fará o mínimo sentido. – Me lança um olhar tristonho, enquanto balança a cabeça negativamente.

– Isso não é justo com você. – Sussurra entre as lagrimas.

– E é com você?

– Eu não tenho saída, você tem. – Nego com a cabeça.

ESCAPE | MALILAOnde histórias criam vida. Descubra agora