"Eu não tenho palavras para explicar como me senti, como sobrevivi a esses dias."
*
Os olhos castanhos fixos em mim, parecem curiosos, ansiosos. Me pedem por repostas, querem o resto da história. Faço de conta não perceber, tiro os olhos dela e miro o sol se pôr lá fora, enquanto pacientemente, espero o tempo dela. Com o canto dos olhos, a vejo descruzar as pernas, e então cruza-las novamente. Não consigo evitar sorrir quando ela passa a mão pelos cabelos grisalho, arruma a postura, e então coça a garganta, tentando chamar minha atenção. Me faço de desentendida, e continuo mirando o mesmo lugar, tal coisa a faz bufar, o que me faz ter vontade de novo sorrir.
– Então, o que aconteceu? – Questiona enfim, em uma tentativa de ter minha atenção. Tiro os olhos lá de fora e volto a encara-la. Ela parece perturbada, as vezes me olha como se tivesse certeza de quem eu sou, mas então seus olhos voltam a se perder.
– Marilia morreu. – Conto ao fechar o diário que tenho sobre as pernas.
– Não! – Recusa-se a acreditar, balançando a cabeça de um lado para o outro. Seus olhos sempre tão expressivos, imploram para que eu diga que Marilia ficou bem. Diante do meu silêncio, ela volta a balançar a cabeça. – Ela não pode. – Lhe sorrio e me ponho de pé.
– Mas foi o que aconteceu. – Caminho até a mesa de centro e me inclino para alcançar a chaleira. – Tenho saudades do tempo que podia me abaixar rapidamente, sem ter que pensar que isso pode causar uma das muitas dores de velha. – Reclamou com ela, enquanto deposito a água quente nas xícaras. Mesmo com a atenção no que estou fazendo, sei que a atenção dela está mim.
– A história acaba assim? Marilia morre e pronto? O que aconteceu com Maraisa? – Caminho até ela e lhe estendo a xícara de chá.
– Camomila, mel E baunilha. – Ofereço. Sua atenção continua em mim, seus olhos nem piscam, está com certeza está tentando lembrar-se de algo, talvez de mim.
– Nós nos conhecemos, não nos conhecemos? – Sua pergunta sai um tanto quanto perturbada, enquanto ela continua tentando lembrar.
– Não sei. Nos conhecemos? – Tenho vontade de sorrir, mas me obrigo a permanecer séria. Só quando dou as costas para ela é que esboço um sorriso. Pego minha xícara e volto para o sofá, me sento de frente para ela e cruzo as pernas. Ao levantar a cabeça e olhar em sua direção, vejo que seus olhos continuam fixos em mim. – Tome seu chá. – Sugiro ao dar um pequeno gole no meu.
– Minha memória ultimamente não funciona muito bem. – Murmura um pouco envergonhada, como se tivesse culpa de tal coisa.
Tomamos o chá em silêncio, enquanto me pergunto o que se passa pela cabeça dela. O que ela está pensando? Durante toda a vida, sempre desejei saber as coisas que se passavam pela cabeça dela, mas nunca desejei tanto como atualmente. Ao perceber que eu sei que ela está me olhando, desvia os olhos, está envergonhada pelo flagra, o que me faz sorrir.
Ela abre a boca algumas vezes, ensaiando falar alguma coisa, mas desiste em todas. Por fim, descruza as pernas, se põe de pé e vai até a mesa de centro, onde deposita sua xícara. Volta para sua poltrona, e faz todo o procedimento que sempre fez. Coluna reta, pernas cruzadas, mãos repousando sobre as pernas, e um olhar misterioso. Ao perceber que estou lhe assistindo, ela me encara.
–O que aconteceu com Marilia? – Volta a perguntar. Parece ter certeza de que eu sei muito mais do que tudo que lhe contei.
– Como eu já disse, ela morreu. – Repito.
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ESCAPE | MALILA
FanfictionMaraisa foi sentenciada a 13 meses de prisão por ter cometido um pequeno delito no passado. Na prisão, ela acaba esbarrando com sua ex melhor amiga e delatora, Marilia Mendonça. Mulher que partiu seu coração ao abandona-la sem nenhuma explicação lóg...