GIZELLY
Quando meu relógio de mesa apontou pra às onze e quarenta da manhã, juntei minhas coisas na bolsa e deixei o computador em modo espera. Faltava vinte minutos para o meu horário de almoço, e tendo apenas uma hora dele, optei por pausar antes. Resolvi adiantar ao máximo meu trabalho esta manhã, afinal de contas, eu havia marcado um compromisso com minha filha.
E pensando nela, minha mente vagou para a noite passada. Envergonhada pelo que me atrevi fazer, encurralando Rafaella em sua sacada e usar de minha sedução para satisfazer meu desejo por ela, acordei com a consciência gritando. Além da forte dor de cabeça causada pela ressaca. Como uma boa profissional, ingeri um analgésico para dor e vim trabalhar. No entanto, não parei de pensar um minuto sequer na mãe da minha filha.
Uma, pelo fiz. Com certeza, uma hora dessa, Rafaella estar constrangida ao extremo.
E outra, por ter percebido que eu continuo gostando dela muito mais do que eu pensava.
À começar pela noite de ontem, onde quase pus tudo a perder, em demonstrar que ainda tenho sentimentos por ela. Coisa que eu vinha tentando camuflar. E estava conseguindo. Pois não queria, em hipótese alguma, atrapalhar seu relacionamento, seja lá com quem.
Quando cheguei em seu prédio, estacionei o carro e subi direto. Do corredor eu ouvia o som de música sertaneja tocando. Não muito alto, mas o suficiente para ser ouvido abafadamente atrás da porta. Por ter uma cópia da chave, introduzi na fechadura e girei. Eu não costumo fazer isso quando Rafaella está em casa, apenas em caso de emergência a qual Sofia sempre pede por algo que esteja aqui, e ela estando comigo. Porém, com o som ligado, seria impossível alguém escutar a campainha.
Assim que abri a porta, dei de cara com uma Rafaella em pé na sala, e nossa filha em seu colo. Ela balançava Sofia de um lado ao outro, no ritmo da música. Com um braço a segurava firme, e o outro, segurava sua mãozinha com seu bracinho aberto. E o que me fez sorrir feito boa, eram as gargalhadas infantis de nossa pequena. Era bom vê-la rindo descontraída, ainda com seu tornozelo imobilizado. A perna debilitada, no entanto, esticada no ar tomando todo o cuidado do mundo para não atingi-la na parte sensível.
Fechei a porta atrás de mim e retirei meus sapatos. Em sequência, as canetas e o termômetro do bolso (na altura de meu peito direito), antes de retirar o jaleco e deixa-lo junto a minha bolsa sobre a mesa. Uma vez que ao sair da minha sala, no hospital, com toda a pressa em chegar aqui, esqueci de retira-lo. Em seguida, fui até elas.
Rafaella foi a primeira a me perceber, assim que virou, ainda dançando com nossa filha.
- Olha quem chegou!- Seu entusiasmo me fez sorrir ainda mais largo. Logo Sofia esticou os braços, também animada. - Ah! Já vai me largar, é?!-
Rimos juntas com o bico e a falsa tristeza de sua outra mãe, e então a peguei em meu colo. Ato que a fez resmungar baixinho e estremecer levemente, se agarrando em meu pescoço.
- Perdão filha, mamãe esqueceu do dodói.-
- Vou lá dentro terminar de pôr a mesa. Cê fica com ela?-
- Claro que a mamãe fica. Né filha?! Quantas vezes pedir.- Falei observando Sofia levantar a cabeça, apenas para concordar, com o rosto colado ao meu. Levei meu olhar para Rafaella e ela sorriu enquanto assentia e seguia até o outro cômodo. Logo virei seu corpinho com cuidado, e me sentei no sofá. - Como acordou hoje, filhinha?- Perguntei, ciente das dores a qual ela sentiu pela madrugada.
Rafa me ligou como eu havia pedido, e eu a instrui com o antibiótico que nossa filha vem tomando. A dor em si é normal, a primeira noite eu sabia que seria difícil, e conversei com Rafaella sobre isso. Me ofereci, entretanto, inúmeras vezes para retornar a sua casa e ajuda-la no que fosse preciso, porém ela não permitiu; uma vez que eu havia saído daqui parcialmente alta. No entanto, logo após eu ter chego em casa e ter tomado um banho gelado a qual precisei depois de nosso momento impensado na sacada, meu primeiro estágio de bêbada logo passou. Mas não foi o suficiente para eu deixar de sentir a dor de cabeça que estou sentindo desde mais cedo, mesmo eu ter ingerido o analgésico ao acordar. E é por esse motivo que eu procuro, agora, o controle remoto dessa tv para abaixar o volume da música agradável que está tocando.