Corrupt: It was never me

capítulo 30

Eleonor

      Foi um fracasso. Meu último treino foi um fracasso nojento e doente. Como pude cair em todos meus saltos, é como ter 14 anos de novo. Machuquei o tornozelo. Mas dessa vez eu vou patinar até meu pé cair do meu corpo. E  vou fazer.

   Ninguém precisa saber que eu me machuquei. É minha apresentação, minha vida. Ninguém se importa. Então vou entrar naquele rinque e vou dar meu sangue. Coloco minha mão em cima da mesa e seguro a chave de fendas, um, dois, três! Perfuro minha própria mão, sinto minha carne rasgar, sinto meu sangue ferver, agora sim.

   Retiro a chave e ando até a porta, assim que abro já tem um médico a espera, me sento no chão e respiro pesadamente enquanto ele começa a fazer os primeiros socorros.

— Não foi longe de mais com seus preparativos para a apresentação! — Nestha grita e eu continuo olhando para minha mão.

   Ela queima, lateja, dói, mas não ligo. Meu corpo está em total força agora. Vou ficar bem. Vou me apresentar e dar meu melhor estando meu pior. Foi assim ano passado e retrasado, acontece que minhas apresentações ficam mais palpáveis se eu estiver machucada.  Meu primeiro mundial eu estava menstruada e com cólicas menstruais. Então no segundo ano eu perdi, no terceiro eu me enforquei e ganhei de novo e o ano passado eu machuquei minha mão com o presente do Trevor. Precisava de mais. Mais dor, mais sofrimento. Por que minha apresentação vai ser ao som de "Dark paradise".

    Não demora muito para parar de sangrar mas eu fiquei com dor, não consegui mexer os dedos. Mas era isso que eu queria.

    Está ótimo. As três da tarde eu vou para o local de evento e aí sim. Vou fazer meu público ter uma obra prima.

— Não faça mais nada. — Nestha disse com uma careta. — Não saia de casa também. Deixe seu tornozelo descansar até a noite.

— Sim, senhora. — disse eu, deitando na cama e me cobrindo até a orelha.

   E dormi. No meu sonho tudo foi uma grande piada e meu estava vivo e foi me ver. Eu ganhei.

♕❅

    
    Deslizo pela arena coberta de gelo, um mundo onde me sinto viva, mas que hoje reflete toda a escuridão que assola minha alma. Cada movimento, cada curva, carrega o peso insuportável da mágoa, da raiva e da tristeza que dilaceram meu ser.

    A dor lateja em minha mão, enquanto tento ignorar a pontada aguda que se espalha a cada rotação. Deixo que meu corpo machucado se torne um canal para transmitir toda a tormenta que me consome. O gelo sob meus patins é meu palco, e minhas manobras serão a expressão mais pura do meu tormento.

    Estar diante da plateia, com a música a ecoar nos meus ouvidos, trouxe-me uma sensação agridoce. Cada batida do coração era acompanhada por um turbilhão de emoções. O gelo sob meus patins parecia mais gélido do que nunca, e meu corpo machucado parecia cada vez mais pesado.

      Início minha apresentação com saltos audaciosos e giros acelerados, representando toda a tormenta que habita meu interior. A tristeza e a raiva se fundiam numa dança silenciosa enquanto eu deslizava naquele mundo gélido. Cada movimento era carregado com a intensidade de minhas emoções, refletindo meu sofrimento interno.

     Meu corpo se contorcia com a melodia que fluía, as manobras representando as cicatrizes invisíveis que dilaceravam minha alma.Cada salto é um grito silencioso de agonia, uma tentativa desesperada de expressar a dor que me consome. Não tento conter as lágrimas que se misturam ao gelo, testemunhas mudas da minha aflição.