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𝘒𝘈𝘙𝘐𝘕𝘈

Sabe quando você sente uma sensação estranha de que não deveria estar fazendo o que está fazendo e que tudo vai por água baixo mas não tinha como voltar mais atras? Foi assim que eu me senti ao entra no carro do Conrado. O pequeno objeto pendurado no espelho de ré me deixou com um frio na barriga, se tratava de um pequeno retrato em homenageam ao seu trabalho, deixando bem claro que o homem era leal a sua profissão e não fazia questão de esconder isso através de um fuzil com as iniciais B.O.P.E. Estar dentro daquele carro me fazia sentir como uma pecadora, todos os cantos daquele automóvel me lembrava quem ele era e o por que de eu não poder estar ali.

Era uma tarefa tão simples mas ao mesmo tempo complicada, não sabia como conseguia implantar uma escuta naquele carro sem ele ver. Deus me ajudasse se aquele homem descobrisse que eu era uma rival, mesmo sem demonstrar nenhuma ameaça a ele. A primeira coisa que fiz ao entrar naquele carro foi colocar meu cinto de segurança, não o conhecia e nem sabia como ele assumiria o volante, e levando em consideração que eu ja estava acostumada a andar no carro do Dom, não iria sem cinto de maneira alguma.

― Então Karina, me conte mais sobre você.. ― indagou o militar, dividindo sua atenção entre o volante e a mim, que naquele momento fiquei totalmente desconfortável com a pergunta e não soube o que responder.

Quer dizer, sabia sim o que responder, era só dizer a ele quem eu era e contar a ele minha simples história mas é aí que estava o problema, não podia abrir minha vida toda para ele como um livro e contar todos os detalhes, por que com isso eu teria que explicar que era moradora do morro, e provavelmente ele iria ligar minha imagem a má impressão de que todos tem do morro, de que todas as pessoas são ruins e faveladas, grande parte delas tem sim algum envolvimento com o tráfico, e se nao tem envolvimento com certeza tem parentes ou conhecidos próximos que são do crime. Mas isso não quer dizer que todos nós tenhamos ódio da polícia ou somos comparças de bandidos. Mas preferi manter minha história real em segredo para ele, eu não o conheci, ele não me conhecia e até então estava ótimo assim.

― Sobre mim? ― mordi o lábio nervosa, tentando achar um ponto fixo em seu rosto onde eu pudesse olhar mas naquele momento eu estava tão apreensiva que não consegui focar em nada, dividi meu olhar entre seus olhos, sua nuca, suas mãos batendo contra o volante levemente e tudo nele parecia estar estranho.

― Sim, o que faz da vida? ― sorriu, ele parecia de divertir com a forma como conseguiu me deixar nervosa, só não sabia se isso queria dizer alguma coisa.

― Ah.. eu não tenho uma vida muito empolgante.. ― tirei por menos tentando formular uma mentira. ― Eu sou uma filhinha de papai que herdou bastante dinheiro ― ri mais nervosa ainda e passei os dedos em meu cabelo formando um cacho levemente ondulado na minha mecha, aquilo era o que as garotas fúteis faziam, contavam sobre sua vida maravilhosa enquanto faziam bico, como se qualquer um fosse parar para escutar sua história de vida.

Contar a ele que eu era uma garota com a vida ganha me parecia ser menos ideal do que inventar uma mentira mais cabeluda, onde eu teria que sustentar até o fim, ou pelo menos até eu pular para fora daquele carro.

― Jura? E com que seus pais trabalham? ― ele não pareceu surpreso quando escutou aquilo, apenas esboçou estar interessado na conversa, o que significou para mim que ele deveria pensar exatamente aquilo, que eu era uma garotinha fútil.

― Meu pai é empresário e minha mãe trabalha com moda ― fui sucinta, inventando uma história que eu nem sabia como poderia ter surgido na minha cabeça já que aquilo passava longe da minha realidade, meu pai era um simples ajudante de pedreiro quando conheceu a minha mãe e antes de abandonar tudo pela bebida, e minha mãe trabalhava como faxineira em casas de madames na pista.

No morroOnde histórias criam vida. Descubra agora