Música recomendada: You're Lost, I'm Free, Pentagram
Lúthien nunca correu daquela forma.
Seus pés descalços ardem sobre as ruas de concreto, os joelhos estão a ponto de luxar, seu peito queima e a respiração escassa.
Ela correu por quilômetros, mas pela primeira vez, sua dor física não ultrapassou a dor de sua alma. As pessoas lhe observam, pensam por que aquela moça alta, de camisola e esbaforida está correndo por aí.
Nem ela sabe.
Não há vantagens em correr e não sentir o incrível benefício de desmaiar de exaustão e apagar todos os pensamentos.
Angeliki morreu por sua causa.
Quando você vai parar, Lúthien? Sempre correndo, correndo, correndo... sempre fugindo.
Sempre correndo das suas sombras, sempre correndo para sentir dor e se distrair do sofrimento.
Angeliki morreu por sua causa.
― Para! Cala a boca! ― ela grita consigo mesmo enquanto a voz de sua mãe repete incansavelmente.
É um vício perigoso. Ela odeia esses pensamentos, mas tem uma satisfação doentia em se torturar. No fundo, pensa que merece aquilo. E a tentação para ouvir a voz de sua mãe na cabeça é justamente a necessidade de se castigar.
É claro, o problema não foi o que sua mãe disse.
Ela acredita no que ouviu.
A diferença é que agora isso foi exposto. A máscara caiu, aquela guerra fria finalmente se aqueceu e não há mais muros, não existe mais fingimento. Sua mãe enfim falou o que estava velado durante todos esses anos depois da morte de Angeliki.
O luto não sofrido naquela época está cobrando seus juros agora.
Todos naquela família viviam numa paz tênue, em constante tensão, temendo que alguém um dia diria algo em voz alta.
É um caso peculiar.
Mesmo depois de anos, a morte de uma integrante da família não foi superada por puro capricho.
De repente, Lúthien cai. Suas pernas não suportam mais aquela corrida, seu peito dói torturando-a por falta de oxigênio... mas sua cabeça não para de forma alguma.
Ela tenta se levantar, mas precisa de apoio.
A rua está vazia, longe da agitação da vizinhança onde estava. Àquela altura, ela já está perto de onde Per Yngve Ohlin se hospeda, o que seria muito bom para ele aparecer.
Lúthien não consegue respirar bem, seu corpo inteiro dói e treme de anemia. Por um momento, acha que vai morrer e se sente bem com isso.
Não há ninguém para ajudá-la, e o frio avançou muito conforme sua corrida evoluía.
Frio, dor... mas nada a faz desmaiar rapidamente. Nada apaga a sua consciência e nem suas memórias.
A força em suas pernas se perdeu e a dos seus braços também. Sua visão turva, o enjoo a fazem sentir flutuar.
Desistindo de se levantar e se entregando a uma esperança fraca de morrer ali, ela se deita no chão. Os cachos louros ficam pretos por conta do chão sujo.
Fechando os olhos e sofrendo com a respiração fraca, ela tem um vislumbre da face de Per sorrir e estender-lhe a mão. Durou milésimos de segundos, mas ascendeu a sua ânsia por estar perto do rapaz. Ela tem certeza de que ele a fará se esquecer de tudo. Melhor que drogas, melhor que anestesias, melhor que uma corrida exaustiva.
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O Violinista no Jardim
Romance"É preciso ter caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante." Nietzsche. Per Yngve Ohlin tem alguns fascínios. Desde que foi considerado morto por 5 minutos e voltou à vida, ele é obcecado pela morte e todo aquele cenário gótico. Imerso na...