86. À Mercê do Corpo

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Música recomendada: You're Lost, I'm Free, Pentagram

Lúthien nunca correu daquela forma.

Seus pés descalços ardem sobre as ruas de concreto, os joelhos estão a ponto de luxar, seu peito queima e a respiração escassa.

Ela correu por quilômetros, mas pela primeira vez, sua dor física não ultrapassou a dor de sua alma. As pessoas lhe observam, pensam por que aquela moça alta, de camisola e esbaforida está correndo por aí.

Nem ela sabe.

Não há vantagens em correr e não sentir o incrível benefício de desmaiar de exaustão e apagar todos os pensamentos.

Angeliki morreu por sua causa.

Quando você vai parar, Lúthien? Sempre correndo, correndo, correndo... sempre fugindo.

Sempre correndo das suas sombras, sempre correndo para sentir dor e se distrair do sofrimento.

Angeliki morreu por sua causa.

― Para! Cala a boca! ― ela grita consigo mesmo enquanto a voz de sua mãe repete incansavelmente.

É um vício perigoso. Ela odeia esses pensamentos, mas tem uma satisfação doentia em se torturar. No fundo, pensa que merece aquilo. E a tentação para ouvir a voz de sua mãe na cabeça é justamente a necessidade de se castigar.

É claro, o problema não foi o que sua mãe disse.

Ela acredita no que ouviu.

A diferença é que agora isso foi exposto. A máscara caiu, aquela guerra fria finalmente se aqueceu e não há mais muros, não existe mais fingimento. Sua mãe enfim falou o que estava velado durante todos esses anos depois da morte de Angeliki.

O luto não sofrido naquela época está cobrando seus juros agora.

Todos naquela família viviam numa paz tênue, em constante tensão, temendo que alguém um dia diria algo em voz alta.

É um caso peculiar.

Mesmo depois de anos, a morte de uma integrante da família não foi superada por puro capricho.

De repente, Lúthien cai. Suas pernas não suportam mais aquela corrida, seu peito dói torturando-a por falta de oxigênio... mas sua cabeça não para de forma alguma.

Ela tenta se levantar, mas precisa de apoio.

A rua está vazia, longe da agitação da vizinhança onde estava. Àquela altura, ela já está perto de onde Per Yngve Ohlin se hospeda, o que seria muito bom para ele aparecer.

Lúthien não consegue respirar bem, seu corpo inteiro dói e treme de anemia. Por um momento, acha que vai morrer e se sente bem com isso.

Não há ninguém para ajudá-la, e o frio avançou muito conforme sua corrida evoluía.

Frio, dor... mas nada a faz desmaiar rapidamente. Nada apaga a sua consciência e nem suas memórias.

A força em suas pernas se perdeu e a dos seus braços também. Sua visão turva, o enjoo a fazem sentir flutuar.

Desistindo de se levantar e se entregando a uma esperança fraca de morrer ali, ela se deita no chão. Os cachos louros ficam pretos por conta do chão sujo.

Fechando os olhos e sofrendo com a respiração fraca, ela tem um vislumbre da face de Per sorrir e estender-lhe a mão. Durou milésimos de segundos, mas ascendeu a sua ânsia por estar perto do rapaz. Ela tem certeza de que ele a fará se esquecer de tudo. Melhor que drogas, melhor que anestesias, melhor que uma corrida exaustiva.

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⏰ Última atualização: Sep 22 ⏰

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