38. O(Quase)Despertar

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Há certa crueldade no Outono. Primeiro: Perséfone está se separando da mãe para voltar ao terrível Hades; segundo: as plantações morrem aos poucos.

As folhas, antes verdes e brilhantes, tornam-se amareladas e podres. Os galhos ficam fracos e finos. A grama adquire uma cor de ferrugem.

Tudo cai. Tudo sofre.

Lentamente.

Nem o Inverno é tão cruel, pois quando ele chega os seres já estão mortos.

Lúthien tem certa consciência disso.

Seus olhos observam as árvores e campos à beira da estrada para Krakståd. É uma cena bonita. Deve haver alguma beleza na morte lenta, talvez.

A vida é assim.

Por um momento se arrepende de não ter ido com seus pais para casa. Ela sente muito frio e o vento que bate contra ela só piora sua situação. Nem mesmo o esforço que faz ao pedalar lhe trás calor.

Apesar disso, ela se sente agradecida.

Claro, não se pode focar muito em seus pensamentos negativos quando está concentrado em chegar em casa o mais rápido possível para escapar do frio.

Não. Pode sim.

Onde é que estou com a cabeça? Ela se questiona.

Oh, Lúthien! Você é tão tola.

Em menos de 1 semana ela já conseguiu mentir para Per, arranjar confusão na escola, brigar com o pai e convidar um rapaz da Congregação para sua casa. Imagine como estãos os pensamentos dessa garota.

Está tudo bem, está tudo bem. Ela tenta convencer-se.

― Boa noite, Lúthien! ― ela ouve sua vizinha cumprimentá-la. Ela a retribui no instante. Gostaria de parar e conversar sobre sua neta que está para nascer, mas está com muita pressa.

Quando chega ao lago de Krakståd ela para de pedalar e decide andar pelo gramado ao redor da água.

Ela não sabe, mas aquele campo está cheio de insetos e plantas venenosas que coçam.

Lúthien respira fundo e entrelaça as mãos. Um projeto de sorriso se forma em seu rosto.

― Está tudo bem... ― a voz sai dengosa.

Ela esfrega as mãos e sorri novamente.

― Não está tudo bem, sua burra! ― o grito sai sufocado e dolorido por sua garganta. Os pés calçados em oxfords brancos atingem a grama e outras plantas por ali com toda força possível. Lúthien começa a se debater e a puxar o cabelo de leve. ― Burra, burra, burra, burra! ― ela repete enquanto bate a mão na testa diversas vezes.

Ela pula e corre sem sair do lugar.

O mini surto acaba quando os seus olhos focam melhor à sua direita. A uns três metros de distância há um rapaz sentado sobre a grama. Sua pele é morena e seu cabelo é bem mais cacheado e bonito do que de Lúthien.

Ele segura um cigarro entre os dedos e há um sorriso muito discreto em sua cara.

― Jan! ― e com um sorriso mais plastificado do que de uma barbie, ela se aproxima do rapaz. ― Quanta mosquito tem aqui, não? E que frio é esse? Até semana passada ainda era verão!

Jan levanta a cabeça para observar o rosto da menina. O sorriso desaparecera, dando lugar para uma expressão indiferente.

― De fato. ― diz antes de tragar o seu cigarro e desviar seu olhar para a pista.

O Violinista no JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora