36. Auto Sabotagem

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Creio que sou o ser mais justo de todo o Universo, então o sentimento de injustiça é quase que abstrato para mim.

Bom, há quem diga que sou injusto, assustador, macabro, terrível, demônio, originado pelo pecado, esperado, amado, última saída e outros. Mas é certo que eu apenas Sou, eu apenas existo e não há como julgar ou definir-me.

Lúthien tenta encarar dessa forma: ela apenas Está ali, aquela situação apenas É. Sem julgamentos, sem lamentações.

Assim, ela faz o melhor para limpar aquele banheiro. A barra de sua saia enorme está manchada de sabão, enquanto que seus oxfords de couro estão molhados.

As mangas do seu suéter de lã rosa estão dobradas até o ombro e seu cabelo, óbvio, está bem preso.

― Sabe ― diz a mulher gorducha atrás dela ― você não precisa lavar a pia com uma escova de dentes,

Lúthien vira o pescoço e observa a mulher mais velha, que está de pé.

A menina ainda anda inconformada com a falta de acessibilidade para pessoas altas naquela escola. Mas, convenhamos, não é nada recomendável uma pessoa de 1,85 de altura escovar a parte de baixo de uma pia.

― Preciso. Se for para limpar, que seja extremamente bem. ― diz, firmemente.

A mulher loira dá de ombros e senta-se sobre o banco de madeira. Sonja é o nome dela. A senhora de 50 anos é uma das zeladoras da escola e fora encarregada de monitorar o trabalho de Lúthien.

― Certo...

As aulas haviam terminado e a escola inteira está silenciosa, o único ruído que se ouve naquele cômodo é o da escovinha passando mármore da pia.

Sonja abre um jornal e fica a ler por alguns minutos, enquanto que Lúthien está bem concentrada no que faz, tentando ignorar toda a mágoa que sente.

― Sonja? ― diz repentinamente.

A mulher ergue as sobrancelhas e desvia seu olhar para a menina.

― Eu trouxe baklava*. ― diz com o seu típico sorriso sapeca.

Lúthien ainda não terminou de limpar o banheiro, mas Sonja achou justo fazer uma pausa para comer um delicioso doce grego.

As duas são amigas desde que Lúthien arrumara a primeira confusão na escola (quando presenteou Thora com um belo olho roxo, no início de 1988). A menina mostrou-se divertida e conformada em colher todo o lixo da escola durante 1 semana. Nesse tempo que soube que Sonja adora doces. Principalmente doces gregos.

― Está ótimo! Muito obrigada. ― diz Sonja enquanto saboreia o doce.

― Foi minha mãe que fez. ― enquanto que eu apenas a atrapalhei, Lúthien complementa mentalmente.

― Por que você não os vende? Todo mundo compraria.

Lúthien sorri forçadamente e solta uma risada fraca.

― Com minha reputação, ninguém compraria.

As duas gargalham um pouco e o banheiro é tomado pelo silêncio novamente.

― Bom, é melhor eu terminar logo. ― ela se levanta do chão e pega a escovinha.

Ela estava tão concentrada na limpeza que levou o maior susto quando Sonja resolveu comentar algo:

― Estão dizendo que você foi racista.

Lúthien dá meia volta e observa a mulher, com olhos arregalados. Sonja apresenta uma expressão compreensiva e quase maternal.

O Violinista no JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora