52. A Maturidade Cobra

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Música recomendada: Falling Snow, Agalloch

Frio e dor.

Estas duas palavras são indispensáveis para o vocabulário de Per. Elas o perseguem mas ele não se importa muito, até gosta. Ou acha que gosta, talvez.

Mas uma dor genuína e positiva está tomando o lugar daquela dor escura e maléfica. Para os seres humanos, essa dor é raramente sentida. Apenas alguns gostam profundamente da dor necessária.

Ai, ai, ai! ― Per a está experimentando agora mesmo. Enquanto Lúthien está deitada sobre seu braço, o rapaz sofre com a dormência e formigamento.

Mais suavemente possível, ele tira seu braço que está sob a cabeça da garota, tentando não acordá-la. Para a sua sorte, Lúthien costuma ter um sono tão pesado que, em sua infância, ela caiu da cama, batendo o corpo com tudo no chão, e continuou adormecida.

Seus primos a chamam de Aurora de quando em quando.

Per se senta e alonga o braço na tentativa de sentí-lo novamente e ainda tenta lembrar o que ocorrera horas antes e o porquê de está deitado no meio do bosque com Lúthien.

A única coisa que protege os dois do tapete gélido de neve é o cobertor grosso que Lúthien emprestara durante a caminhada dos dois na madrugada.

Logo os flash's de memória o atingem, lembrando-o de tudo o que ocorrera no amanhecer. O beijo, a aproximação, as carícias, a conexão. Inevitavelmente, ele observa Lúthien, tranquila e roncando suavemente. Suas bochechas ficam ruborizadas ao lembrar que os dois passaram muito tempo se beijando até adormecerem sob a cobertura de uma bétula.

Ele dá uma olhada no relógio de pulso da menina e vê que já são dez horas da manhã.

― Merda ― ele amaldiçoa e se apressa em acordar Lúthien. Ele está atrasado para o ensaio da banda e provavelmente seus companheiros já perceberam que ele não está na casa.

Com muita pena, ele cutuca o braço de Lúthien, pesaroso de interromper o sono tão lindo da moça.

― Ei, acorde... ― com a voz tão manhosa e baixa, ele pioraria a situação.

Mas logo essa sessão ridícula de dengo é bruscamente interrompida por uma voz assustadora e alta.

― Se eu fosse você, tiraria a mão dela.

Per acha que seu sangue está congelado. Pelo menos quando está em psicose, ele tem certeza disso. Porém, ele jamais sentiu o sangue tão gélido como agora.

Sua cabeça custa a mexer-se, mas quando ele vê a pessoa, preferiu nunca ter acordado nesse dia.

Combinaremos que ele preferia ter morrido de hipotermia ou pneumonia aguda a ter que ver o brutamonte assustador que é o pai de Lúthien.

Alto e imponente, lá está o senhor Quisling Glykos com os olhos mais azuis que os de Lúthien (nem eu pensaria que isso fosse possível) arregalados e com a esclera levemente avermelhada de raiva. O homem está apenas a alguns metros do casal que minutos antes dormiam juntos.

― An... ― Per Yngve Ohlin não encontra a voz nesse momento. Até esquece o jeito certo de respirar.

Como é mesmo? Eu sugo o ar com meus olhos ou com a boca?

Mais branco do que já é, ele trava e se desespera diante da visão de Håvard, que se aproxima a passos lentos o suficiente para torturar Per com a antecipação.

― Levante-se, Lúthien Quisling Γλυκός! ― a voz grossa e alta reverbera por todo o bosque. Talvez por todo o bairro.

A menina se senta de súbito. O rosto inteiro está inchado e oleoso, o mau hálito é tanto que chega a incomodá-la e a garganta está levemente inflamada.

O Violinista no JardimOnde histórias criam vida. Descubra agora