Uma pulseira de prata

1 1 0
                                    

Victória não esperou Emily para irem embora juntas. Mas fazia sentido, considerando que Emily demorou a sair da escola. Quando deixou o local, quase não havia mais alunos. Chegando em casa, encontrou Victória com um pratão de comida no sofá da sala, vendo um filme na televisão. Ela encarou a prima e não notou sequer uma expressão em seu rosto pálido. 

Victória não piscava olhando para a TV. De vez em quando, abaixava-se para pegar um copo de refrigerante. Emily foi à cozinha e encontrou panelas raspadas, uma bagunça com farelos de arroz no fogão e vários talheres espalhados pela pia. Abriu a geladeira em busca da comida que Monique deixara para as meninas no dia anterior e não encontrou nada. 

Emily suspirou e voltou para a sala.

— Victória, viu a comida que tia Monique deixou?

A menina deu de ombros, ainda com os olhos na televisão.

— Tá no meu prato. 

Ela arregalou os olhos.

— Mas era pra nós duas!

— E daí? Eu tava morrendo de fome. Você não sabe cozinhar? Faz alguma coisa aí, ué.

Emily não disse nada. Voltou para a cozinha sentindo o estômago roncar. Acabou por limpar todo o cômodo enquanto cozinhava um pouco de arroz e fritava alguns ovos, porque não havia mais carne pronta e nem descongelada. Pegou alguns legumes na geladeira e improvisou uma salada, temperando-a com sal e azeite enquanto lágrimas silenciosas escorriam por seu rosto. Teve medo de demonstrar que estava chorando e ser alvo de chacotas da prima. 

Enquanto ela terminava de lavar a pia, Victória apareceu e colocou o prato e o copo sujos sobre a mesa. Depois, Emily ouviu seus passos subindo as escadas e uma porta batendo ao longe. 

Emily bufou, pegou o que a prima sujou e colocou para lavar. Depois, terminou de preparar sua comida e se contentou com seus ovos mal passados, a salada e o arroz.  Pensou em contar todas as pirraças da prima para a tia. Talvez, Monique desse um jeito na filha. Porém, não podia fazer isso. Seu objetivo era  evitar confusão e não ao contrário. 

Além do mais, Emily precisava encontrar uma forma de fazer a diferença, mostrar para Victória que ela é confiável. Só não sabia como. 

No decorrer do dia, tudo permaneceu igual. Onde Victória estava, Emily não ficava. E era quase como se nenhuma delas morasse naquela casa. Quando Monique chegou do trabalho, Emily jantou com a tia na cozinha e não contou nada. Apenas deu detalhes breves do seu dia. Mais tarde, Emily fez suas orações de sempre, enquanto Victória permanecia com seus fones de ouvido, tão concentrada em seu livro que nem prestou atenção nela. Depois, deitou-se para dormir. Acordou umas duas vezes no meio da noite, com os resmungos que Victória soltava na cama. Emily a observou se debatendo outra vez, os olhos apertados e lábios para dentro da boca. 

Na terceira vez, ela levantou e foi até a cama da prima. O suor escorria pela testa dela e sua franja colava no rosto. A menina estava presa no mesmo pesadelo de quase todas as noites. Emily tocou em seu ombro e começou a sacudi-la, como da outra vez. Alguma coisa precisava ser feita. 

— Prima — chamou baixinho. — Prima, acorda. — Continuou a sacudi-la até que Victória arregalou os olhos de repente e agarrou o punho dela com força, em um reflexo surpreendentemente rápido. Emily soltou um grunhido. — Me solta. Você tá me machucando. 

— Água. Água — sussurrava ela, parecendo desorientada. Ergueu o outro braço, levou a mão ao pescoço e o segurou como se massageasse a região da garganta. 

— Você tá com sede? — Emily torceu o braço até finalmente se soltar dela. — Vou buscar um pouco de água pra você. Já volto. 

Ela saiu do quarto, guiando-se pela luz da lanterna do celular para não acender as luzes da casa. Quando voltou, encontrou Victória adormecida. Sem saber o que fazer, soltou o copo de água na cabeceira da cama dela e voltou para a sua. Cobriu-se até o pescoço e ficou um tempo se questionando o que diabos eram aqueles pesadelos da prima. 

A VilãOnde histórias criam vida. Descubra agora