De mãe para filha

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A vida colorida que Emily conhecia em Santos não existia mais. Nada mudou de lugar. As praias permaneciam imensas, as águas salgadas e esverdeadas, as ondas eram intensas, às vezes, calmas em outros momentos. O céu ainda era azul, às branco ou cinzento. As árvores ainda faziam sombra e o vento ainda balançava os galhos, principalmente perto da casa de Emily. O som das gaivotas sobrevoando os mares também eram os mesmos. No entanto, a menina mudou. E quando isso aconteceu, toda aquela paisagem já não lhe fazia mais sentido. 

Fazia alguns dias que Emily voltara de viagem e ficara extremamente reclusa em casa. Mônica estava preocupada com a menina, pois a conhecia alegre, falante e cheia de vida, não essa criatura apática e vazia que voltara para casa. Tentara, algumas vezes, comunicar-se com a filha e falhara. Achara estranho o fato de a menina estar sem o anel de compromisso, mas não lhe perguntara nada sobre o namoro com Eric. Levara o caso até Jonas, mas ele apenas disse que a garota precisava de um tempo. Mônica temia que a viagem para São Paulo fosse uma ideia ruim e aquela cidade tivesse acabado com a sanidade da filha.

Emily não estava indo para os cultos. Os amigos da igreja nem sabiam que ela voltara de São Paulo. Ia para a escola antiga forçadamente e fazia tudo no modo automático. Não se importava mais em ser a melhor em nada. Aliás, se pudesse apagaria a própria existência do mapa.  As noites eram piores que os dias. Deitava a cabeça no travesseiro e sua mente escurecia junto com o céu, porém não havia lua ou estrelas que provocasse pontos de luz em seus pensamentos. Fechava os olhos e quase podia ouvir sobre o quanto não era amada ou o quanto não era mais digna de Deus. Não havia nada a que se agarrar.

Um dia, Mônica chegou no ápice da preocupação e foi até o quarto da menina. Era umas três da tarde, domingo, e Emily estava sentada no parapeito da janela, vendo a rua, como fazia sempre. 

— Filha, acho que tá na hora de falar o que está acontecendo. Você está ficando doente e a última coisa que eu quero é te ver prostrada numa cama de hospital — disse a mãe, escorando-se na porta depois de entrar no cômodo.  

Emily suspirou e a encarou. 

—  A vida inteira… achei que eu fosse boa. Sempre me dediquei em tudo o que fazia. Recebi muitos elogios. Tudo pra quê? Eu sou um lixo, mãe.

— Ah, não fala assim.

— Mas é verdade. São Paulo trouxe à tona quem eu sou de verdade. Uma menina mimada, fresca, teimosa, desobediente à Deus, egoísta e…

— Humana — Mônica completou, dirigindo-se para a cama e se sentando, colocando um travesseiro no colo.

A filha se afastou da janela.

— Hã?

— Sabe, Emily, acho que seu pai e eu falhamos algumas vezes na sua educação. Fomos criados de um jeito tão rigoroso e cheio de críticas que fizemos de tudo pra você nunca passar por isso. Nós… nunca te ensinamos a lidar com frustrações e nem como lidar com as próprias falhas. A gente criou um mundo cor-de-rosa pra você, pensando que era o certo. Mas agora… eu vejo que não. Você quase não conhecia outra vida longe daqui, meu amor. E tudo o que recebeu a vida inteira não passava de elogios e bajulações. Mas olha, isso não faz bem pra ninguém. 

— Como assim?

— Estou dizendo que por algum motivo você pensou que deveria ser perfeita. E acredite, eu sinto muito por colocar tanta expectativa sobre você. 

— Por que tá falando isso? Alguém te falou alguma coisa?

— Sua tia me ligou um dia desses e me falou algumas coisas. Não sei de tudo, mas espero que você se abra comigo. Lembre que sou sua mãe, mas também somos amigas. Você sabe que não precisa me esconder nada, né?

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