O preço da rebeldia

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Victória correu para o quarto. Emily se afastou da tia, sentindo um peso esmagando o peito. Por um segundo, vira um lampejo de sofrimento nos olhos da prima e desejou que a tia retirasse o que disse. 

— E agora, o que deu nessa menina? — Monique questionou, uma pontada de irritação na voz. — Sequer pegou o copo que derrubou. Ela acha que tem empregada nessa casa! — A mulher não percebia o estrago que suas palavras tinham feito na filha, era como se estivesse cega. 

— Deixa, eu vou falar com ela, tia. 

— Não vai resolver, Emily. 

— Mesmo assim, eu quero tentar. Ela não parece bem. — A julgar pelos péssimos hábitos da prima, era notável que a menina não estava bem há tempos. Suas atitudes eram um grito de socorro ignorado por muitos. 

Emily se aproximou da escada, pegou o copo e o colocou na mesa de centro da sala. Depois subiu os degraus devagar, pedindo orientação a Deus por pensamento. Ainda não descobrira uma forma eficaz de conversar com Victória. Conforme se aproximava da porta do quarto, notou alguns sons abafados vindos de lá. Andou um pouco mais rápido e ouviu grunhidos da prima. Imaginou-a debruçada sobre a cama, aos prantos, tentando abafar os gritos com o travesseiro. Porém, ao abrir a porta, o cenário era outro. Seus dedos congelaram na maçaneta e toda a cor abandonou seu rosto.

— O-o que tá fazendo? — perguntou num fio de voz, lutando para que sua estrutura não desmoronasse. 

— O que você acha, retardada? — Victória perguntou, com fogo nos olhos e o rosto todo vermelho. Jogou o caderno de Emily pelos ares e pegou um dos livros didáticos dela. Mantinha uma tesoura numa das mãos e começou a picotar o livro da prima todinho. 

Como se acordasse de um transe, Emily avançou para cima dela e tentou tomar-lhe a tesoura das mãos.

— Para com isso! — gritou. 

Victória soltou uma risada histérica, antes de soltar o livro no chão e correr até o armário de Emily. Foi abrindo as gavetas e despejando várias peças de roupas no chão. 

Emily ofegava, os olhos ardiam. Ela não sabia direito o que fazer, como reagir. Piscou duas vezes e as lágrimas caíram. Enquanto isso, Victória pegou uma das peças de roupa favoritas da prima e enfiou a tesoura no tecido, ajoelhando-se no chão.

— Para, por favor! — Emily sentiu os lábios tremerem, não tinha forças para tentar impedir a prima. — Você ficou louca! 

— Fiquei! Sabe por quê? Não importa o quanto o tempo passe, você continua tirando tudo de mim, sua estúpida, invejosa! Então pensei que não lhe faria mal se eu tirasse umas coisinhas de você também. 

Emily colocou a mão na boca, sem conseguir conter as lágrimas. Deu-se conta da imagem horrível que a prima tinha dela e não fazia ideia de como mudar tudo. Nunca tivera a intenção de roubar nada, estava apenas agindo naturalmente, sendo quem sempre fora. Não se movia por inveja, pelo contrário, fazia tudo de peito aberto. Emily amava as pessoas e demonstrava isso sempre que podia. Era algum crime? 

— Mas que gritaria é essa? 

As meninas ergueram a cabeça na direção da porta. Monique segurava a maçaneta e olhava para vários pontos do quarto. Chegou a uma terrível conclusão sozinha e a fúria se acendeu em seus olhos escuros tão rápido quanto a velocidade da luz. 

— Já chega! — disse, avançando para onde Victória estava. Agarrou a filha pelo braço e a forçou a ficar de pé. — Você passou dos limites! — gritou, soltando a menina para lhe dar um tapa no rosto. Emily se encolheu e Victória começou a chorar, pouco antes de ser arrastada para fora do quarto pela mãe. 

Emily ficou imóvel, ouvindo uma porta bater. Temeu pela prima e começou a orar pela menina enquanto arrumava a bagunça que ela fez no quarto. 

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— Agora você vai me ouvir! — Monique gritou, jogando a filha na cama. Victória se encolheu na cabeceira com o mesmo medo de um rato preso na ratoeira. Nunca viu a mãe tão brava. — Você precisa de um corretivo. Já estou farta de aturar suas malcriações. Você estava triste pela morte do seu pai e eu entendi. Tentei te dar um tempo, acreditar que passou por uma fase difícil e até fui compreensiva quando quis largar a terapia. Você nunca me contou porque não quis continuar e eu não te pressionei. Mas já faz dois anos que ele morreu, Victória! Nada justifica esse seu comportamento agressivo. 

Ela afastou as lágrimas do rosto, irritada.

— Você superou rápido a morte do meu pai, né? Incrível como foi fácil pra você recomeçar a vida! 

Monique suspirou.

— Fácil? Mas é claro que não! Eu sofri muito também, você não sabe o quanto chorei e tive que sofrer escondido pra dar suporte pra você. 

— Pelo jeito, não funcionou. 

Monique engoliu em seco, tinha lágrimas nos olhos também. 

— Nada justifica tanto ódio de Emily, filha.

Só de ouvir o nome da menina, Victória sentiu o sangue fervendo.

— Ela sempre dá um jeito de roubar tudo o que é meu. Não é justo. E parece que sou a única pessoa que enxerga isso. A escola, a Mikaela, você… estão todos cegos por aquela estúpida. 

Monique sentou na beirada da cama, tentando se controlar para não agredir a menina de novo. Porém, sentia que o corpo inteiro estava tremendo. 

— Emily nunca quis roubar nada de você, Victória. 

Ela deu uma risada debochada.

— Claro que não. 

— Hoje você passou dos limites, vai ter que comprar novos materiais e roupas pra ela.

— Nunca. Por que tá insistindo nessa conversa sem sentido? Me fala logo o castigo. 

— A partir de amanhã vai trabalhar comigo, no restaurante — disse, olhando a filha nos olhos. — Preciso ficar de olho em você.

Victória riu.

— Que piada, conta outra.

— Não estou brincando. Vai trabalhar comigo, quer você queira ou não. Assim pelo menos posso te monitorar e você vai ocupar sua mente, em vez de ficar perturbando sua prima e sujando a casa o dia todo. Todos os dias estarei te buscando na escola depois da aula e…

Ela ficou de pé num pulo. 

— Não pode fazer isso comigo! 

— Que pena, porque já decidi — disse a mãe, num tom mais firme. — E vai dar metade do primeiro pagamento pra sua prima. 

— Você bateu com a cabeça no trabalho hoje? Porque só pode ter enlouquecido!

— Olha como fala comigo! — Monique aumentou o tom de voz.

— E se eu não quiser trabalhar no seu restaurante idiota? — Ela empinou o nariz.

— Vai morar com seus avós na fazenda pelo resto do ano. É isso o que quer? 

Victória sentiu um gelo na espinha com a simples menção da fazenda. Lembrou-se de todas as histórias ruins que a mãe contara sobre o lugar, a forma como fora criada, isolada do mundo, cheia de regras absurdas. Nas poucas vezes que esteve na fazenda, a própria Victória desejou não voltar mais lá, pois teve alguns vislumbres de como funcionavam as coisas. Além do mais, não queria morar em Minas Gerais de novo. Sua vida toda estava em São Paulo, por mais que também odiasse o estado. 

— Você não ousaria… — falou, a voz fraquejando. 

— Não duvide, menina. Eu só preciso fazer uma ligação e seus tios vêm te buscar. 

Victória sentiu um nó na garganta, os olhos vagueando de um lado para o outro, parando no rosto da mãe, em busca de algum sinal que estava blefando. Porém, a expressão de Monique era tão sombria que a menina teve medo. Quis encolher de tamanho e ser invisível, apagar sua existência do mapa. 

— Então, o que me diz? — perguntou a mãe, diante do silêncio dela.

— Que horas eu começo no restaurante amanhã?

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