Um dia qualquer - parte 3

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— Ei, Vic. 

— Diga. — Ela mantinha os olhos no jogo, concentrada.

— Seria errado eu falar que te amo? 

Ela soltou uma risada em escárnio.

— Você não seria o primeiro, Eric. Aliás, parece que deu a louca em muita gente ultimamente, porque vivem falando que me amam. Mas não sei se acredito muito nisso. Na verdade, até me incomoda os ouvidos.

— Por quê, amor? Eu sei que cê fez muita besteira na vida, mas isso não é o suficiente pra impedir que alguém te ame.

— Não me parece justo, Eric. O amor é pra quem merece, pra gente de bom coração. 

Ele deu um beijo em seus cabelos.

— Não, o amor está além das nossas ações. Ele é de graça. Você não paga pra ter e não precisa fazer nada pra receber. Se deixar as pessoas te amarem, cê vai ver como o amor vai te fazer bem. 

— Não dá. Eu não acho que tenha alguma solução, embora esteja indo pra Minas em busca de uma. Acho que é minha última tentativa de resgatar pelo menos um pedaço da minha alma. Ficarei feliz se tiver pelo menos uns vinte e cinco por cento de bondade. 

— Você se critica demais, sabia? Pega muito pesado com você mesma, mas não deveria. Eu queria te emprestar meus olhos só pra você se ver do jeito que te vejo.

— Então, eu me apaixonaria por mim — disse a garota, em um tom divertido. 

Ele riu um pouco.

— Não seria má ideia. 

— É sobre isso que você aprende na igreja? 

— Mais ou menos. 

— Ei, Eric. Você acredita mesmo em Deus, tipo de verdade? 

— Acredito. 

— Eu sempre fiquei numas reflexões sobre a vida. Tipo, a gente aprende na escola que tudo existe por causa de um Big Bang. E os professores fazem tudo parecer um grande acaso, mas também vejo uns vídeos na internet às vezes tipo… acho que é loucura pensar que tanta coisa veio do acaso, né? Tudo parece tão perfeitamente calculado. 

— A matemática de Deus é perfeita. E aliás, cê devia aprender com ele. Aí não erraria na escola.

Ela lhe deu uma cotovelada nas costelas e ele riu. 

— Pra mim é impossível não acreditar nele — a menina confessou. — Só que nunca fomos íntimos.

— Por quê? 

— É melhor assim, cada um no seu canto. Tenho minhas opiniões e ele tem as regras. A gente não se daria muito bem. Além do mais, andei meio chateada porque pintam Jesus com uma imagem de bondade e ele não fez nada pra impedir a morte do meu pai.

— Mas Jesus é bom, princesa. Às vezes, até retira algumas pessoas dessa vida, por bondade. Afinal, o que é melhor: viver nesse mundo caído, cheio de problemas, sujeito a feridas e dor ou morar num reino perfeito, sem nenhum sofrimento?

Ela ergueu a cabeça e o encarou, os olhos brilhando em esperança.

— Acha que meu pai tá num lugar melhor e vivendo feliz agora?

— Claro.

Ela voltou os olhos para a revistinha e deu um sorriso fraco, sem mostrar os dentes.

— Então, tá.

— Pela minha religião, seria super errado tudo o que estamos fazendo hoje. Devo ter quebrado umas quinze regras. 

— Imagino. Mas você não se sente mal com tudo isso?

A VilãOnde histórias criam vida. Descubra agora