Fuga no campo

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- Esse tipo de coisa deve acontecer todo dia, né? - Victória perguntou, no fim do relato.

- Não. Quer dizer, na igreja da minha mãe sempre tem um momento em que os pastores começam a fazer milagre nas pessoas e tal, mas não sei se acredito. Tipo, já vi pessoas lá chegarem mancando ou com bengala e saírem curadas. Cresci vendo esse tipo de coisa, já nem me surpreendo mais.

- Entendi.

- Então, o que vamos fazer hoje? O que você fica fazendo nos fins de semana? Já fez amizade com alguém aqui?

Victória grunhiu e tornou a se jogar de costas na cama, encarando o teto.

- Tenho duas primas da minha idade. Elas são insuportáveis, mano. Uma delas é bem tímida, então mal abre a boca. Já a outra é tão dissimulada que me dá ranço. Fica se fazendo de boazinha. Ela é tipo "ain, eu amo morar na fazenda, adoro ajudar meus pais e fazer trabalho voluntário na igreja" e blá blá blá.

- Que horror. Ainda bem que eu vim pra agitar as coisas. Trouxe algo que você pode gostar. - Brenda foi até sua mochila e pegou uma caixinha de cartas de baralho e outra de UNO.

Victória olhou para a porta.

- Mano, aqui é proibido esse tipo de coisa.

- Era. Digamos que a proibição foi suspensa temporariamente porque eu tô aqui e não vou te deixar se afundar no tédio.

- Tá, mas a gente precisa dar um jeito de jogar escondido então. Aliás, não sei de onde você tirou que eu gosto de UNO. Eu joguei por sua causa.

Brenda deu de ombros.

- Tanto faz. Se não pode jogar, o que eles consideram diversão?

- Assistir ao canal de esportes na TV, sentar na varanda de noite pra conversar, acham jogos de tabuleiro educativos e também se divertem brincando pelo campo, andando de cavalo, essas coisas.

Brenda se animou.

- Você sabe montar?

- Não. Até tentei, mas perdi a paciência e desisti. Ah, e o cavalo parecia não gostar muito de mim. Mas... eu aprendi a tirar leite de vaca.

Brenda riu.

- Não acredito.

- É sério.

- Meu, você tá virando mesmo uma fazendeira. Quem diria?

- Nem brinca com isso. Ó, não diz pra ninguém, mas agora que eu sei como é esse inferno, passar apenas um ano aqui basta. Depois, tô caindo fora.

- Pra início de conversa, nem sei porque você foi se submeter a essa humilhação.

- Queria ficar longe do que aconteceu em São Paulo e... eu tinha um assunto pra resolver aqui - murmurou, apertando os lábios ao lembrar do dia em que foi visitar os pais de Isabela.

Quando as meninas deixaram o quarto, Victória disse que levaria a amiga em tour pela fazenda para que conhecesse o campo e os animais. Enquanto desciam as escadas, o som de vozes alcançavam seus ouvidos. Na sala, Victória viu Hugo sentado numa poltrona, com um jogo de mini game em mãos, todo entretido, e suas primas insuportáveis sentadas no sofá maior, uma de cada lado de Eric, conversando animadamente. Na verdade, elas pareciam animadas demais com o visitante.

Victória soprou a franja que caía nos olhos e caminhou rapidamente até eles. Parou na frente da mesa de centro, tapando a visão da TV.

- Escuta, vocês não tem nenhum dever da escola pra fazer, não? - disse ela, sentindo a fúria em seu corpo.

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