Salva pelo lobo solitário

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Victória passou um tempo no cemitério, sentada próxima ao túmulo de Joaquim. Sem entender o motivo, esse foi o único lugar que pensou em ir quando deixou a escola. Passou longos minutos conversando com o homem, como se ele fosse responder em algum momento. Lamentou o fato de não ser sua filha de verdade e sentiu o peito cada vez mais apertado. Disse o quanto abominava a mãe e que não queria vê-la por um bom tempo. Não entendia como Monique fora capaz de trair um homem tão bondoso quanto Joaquim. Ao mesmo tempo, a menina repassava na mente, sem parar, toda a discussão que teve com Emily. 

Saber que eram irmãs lhe parecia um pesadelo. Tentou lembrar de momentos que tivera com Jonas na infância e concluiu que eram raros. O homem, de fato, fora o responsável pelo apego dela aos livros. Fora ele quem lhe ensinara que a leitura aliviava o sofrimento. Desde então, Victória nunca largara os livros. 

No fim, ela disse que independente da descoberta recente, Joaquim sempre seria seu pai. Passava um pouco das duas da tarde quando deixou o cemitério e entrou numa lanchonete, morrendo de fome. Depois, ficou vagando pelas ruas, fazendo pequenas pausas para descansar e comprar algumas garrafas de água. Monique nunca a deixava sair de casa sem dinheiro. 

Victória também ficou pensando na conversa que teve com o diretor da escola. Como sempre, o homem lhe dera uma bronca enorme por ela ter aprontado. Mas dessa vez, agiu como um pai. Mostrou-lhe umas fotos de suas filhas e ainda a questionou sobre que tipo de pessoa ela gostaria de ser no futuro. De alguma forma, ele a conduziu para uma reflexão interessante e memorável sobre sonhos e sucesso na vida.

No entanto, Victória se via quebrada demais para pensar em uma carreira agora. Não queria nem voltar para sua casa. Quando o relógio bateu às oito da noite, ela começou a se questionar sobre onde dormiria, mas as pernas fraquejavam demais e o suor tomava conta de todo o seu corpo.  

Cansada de tanto andar, encostou-se na parede de um beco qualquer, escuro e fedido. Sentou-se no chão e enterrou o rosto entre as pernas. Tentou controlar a respiração e acalmar as batidas do coração, mas era difícil. Respirar doía. 

— Mas o que você tá fazendo aqui? 

Uma voz a fez sobressaltar e soltar um grito curto. Ela olhou para cima e viu a sombra de Davi parada na sua frente. 

— Você quer me matar do coração, imbecil?!

— Victória, tá todo mundo te procurando! Perdeu a cabeça? — Ele segurou em seu braço. — Vamos, vou te levar pra sua casa! 

— Não, eu não vou pra aquele lugar, me larga! — Ela começou a se rebater. Soltou-se do rapaz e saiu correndo. Para seu azar, ele correu atrás. Acabou esbarrando em algumas pessoas, derrubou latas de lixo pela rua, pulou por cima de pedras e quase deu de cara com um poste. 

Olhou para trás por um momento e percebeu que Davi ainda a perseguia. Que cara chato!

Victória acabou se enfiando no meio de uma quermesse dentro de uma praça, quase derrubou um carrinho com milho verde. Saiu esbarrando em todo mundo, até tropeçar num graveto e cair com a cara no chão. Enquanto tentava se levantar, Davi a agarrou pela cintura e a arrastou para longe daquela festinha, sob seus protestos.

Quando chegaram na calçada, ela ficou se debatendo, mas o cara era muito forte e a imobilizou totalmente, usando de truques que aprendera na capoeira, quando mais jovem.

— Me larga, seu idiota! Não vou voltar pra casa. 

— Então, me escuta. Vamos fazer um acordo. Passa a noite na minha casa. 

Ela riu.

— Vai dormir comigo igual fez com minha prima? Pena que você não faz meu tipo.

— Não foi isso o que aconteceu e você sabe! Mas enfim… vamos pra minha casa. Mando mensagem pra sua mãe e aviso que você vai passar um tempo fora, pra colocar a cabeça no lugar. Assim, dá pra criar uma distância segura entre você e Emily. Pode ser?

A VilãOnde histórias criam vida. Descubra agora