Planos para um dia especial

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— Olha só que situação, é de dar pena — disse Mikaela, sentada com Emily do outro lado do refeitório da escola, no outro dia. Ambas olhavam para a mesa de Victória e perceberam que todo mundo se desviava de lá. A garota sentou totalmente sozinha e parecia muito concentrada colocando rios de mostarda e maionese em seu lanche. Emily quase podia sentir o estômago embrulhar só de ver a cena.  Algumas pessoas olhavam para a garota e cochichavam algo entre si. Porém, Victória pareceu não se importar. 

— A gente devia ir lá e sentar com ela — Emily sugeriu. A mesa delas estava praticamente cheia. Davi saíra da sala junto com ela, mas dissera que fumaria um cigarro no jardim. Enquanto isso, Eric afirmara que estaria na biblioteca. Então, naquele intervalo, somente as garotas estavam no refeitório. 

Mikaela segurou seu braço antes que se levantasse.

— Ficou doida?

— Por quê?

— Já esqueceu que ela me esculachou na sala? Não vamos dar palco pra outro showzinho dela, amiga. 

— Você ainda tá ressentida pelo que ela fez, né?

— Um pouco. 

Emily suspirou.

— Queria mudar as coisas. Sei que Victória não é ruim. De verdade, eu consigo ter lembranças de momentos em que ela foi boa. Tínhamos seis anos e vimos um garoto maltratando um filhote de gato no parquinho perto da nossa casa. Pior é que ninguém tinha coragem de fazer nada, mas Victória teve. Ela enfrentou os caras. Lembro que ela deu um chute no garoto, pegou o gatinho e devolveu pra mãe, que estava do outro lado do parque. Ah, e também deve aquela vez que…

— Emily, a Victória que você conhece não existe mais. Acredite, também vivi bons momentos com ela. A garota sabia ser boa quando queria, vai por mim. Só que tudo mudou quando o pai dela morreu. Tipo, toda a luz se foi e só restou trevas. Eu já suportei muita coisa estando com ela nessa fase de luto que nunca acaba. Por isso quando me afastei foi pra valer, fiquei cansada. Pra você ter noção, eu sento bem longe dela na sala agora e nem nos falamos, somos como estranhas. E agora, até tenho outras amigas. E isso me fez ver que era Victória quem estava bloqueando minha vida o tempo todo. 

Emily escorou a mão no queixo. 

— Minha prima sempre foi muito corajosa, Mika. É algo que sempre admirei, nunca consegui ser assim. Quero dizer, é só olhar para ela. Todo mundo fica dizendo coisas ruins pelas costas e ela não tá nem aí. Se fosse comigo, é capaz que eu nunca mais mostrasse as caras por aqui. 

— Mas de que adianta ser corajosa se ela só usa pra fazer o mal? Ficou sabendo que semana passada, a Victória humilhou outra pessoa na minha sala? Era um nerdzinho que nunca fez mal a ninguém. Do nada, ela pegou os cadernos dele e rasgou um por um. O moleque saiu da sala com as calças mijadas, de tanto medo.

Emily ergueu os olhos, com o coração apertado.

— Nossa. 

— Pois é. E você ainda acredita que ela pode se redimir?

— Eu não seria cristã se não acreditasse. Afinal, se o sacrifício de Jesus foi capaz de me redimir, também pode redimi-la. 

— Olha, daqui uns dias você já pode ser pastora, viu? Você é uma santa! — Ela suspirou, remexendo-se no assento e balançando seus longos e espessos cabelos. — Enfim, vou te ajudar só porque somos amigas e você merece. Acho que sei como você pode ajudar sua prima a encontrar o caminho da luz. 

— Sério? Como? — Emily se animou. 

— Semana que vem é aniversário da Victória, vai cair no sábado. Você podia dar uma festa surpresa pra ela, convidar o pessoal da escola. Sei lá, podia ser uma tentativa também do povo ver que Victória não é o monstro que pensam. E seria uma oportunidade de ela se enturmar com a galera. Isso poderia acabar com a má reputação que ela construiu nessa escola. 

— Caramba, é uma ótima ideia! 

— Sim! — Mikaela tocou seu braço. — Só não comenta com ela que a ideia foi minha, porque agora Victória me odeia e eu não quero ser humilhada de novo. 

— Tá bom.

— Ah, não vou poder ir na festa porque tenho congresso da igreja no dia, mas posso te ajudar a planejar.

Quando Emily abriu a boca para falar, Eric apareceu na frente da mesa. Embora seus lábios silenciassem na hora, seu coração se revirou inteiro no peito.

— Oi — disse ele. — Posso sentar com vocês? Cansei da biblioteca por hoje. 

— Claro — Emily respondeu.

Assim que o garoto sentou ao lado de Emily, Mikaela ficou de pé. 

— Bom, vou no banheiro. Talvez volte, talvez não. — Piscou para a amiga em complicidade. 

Emily enrubesceu e torceu para Eric não ter reparado. 

— Então, tudo de pé pro churrasco na minha casa? — perguntou o rapaz. 

— Sim. Me passa o endereço depois e eu apareço lá. 

— Perfeito.

— Ah, acho que finalmente vou conseguir me aproximar da minha prima.

— Ah, é? Como?

— O aniversário dela é semana que vem, cai bem no sábado. Vou organizar uma festa surpresa pra ela. Quero chamar os colegas da escola, acho que vai ser inesquecível! Mas vou precisar de muita ajuda, então se você puder…

— Ah, não sei não.

— Por quê? Você vai se ocupar com seu trabalho, né?

Ele riu um pouco, coçando a cabeça.

— A questão não é nem essa. É que eu não vou muito com a cara dela, sabe? Na verdade, a gente não se dá muito bem.

— Como não? E aquele dia que vocês estavam na sala conversando?

— Acredite, era eu me esforçando pra ser simpático. Mas já entendi que não dá muito certo, então eu prefiro apenas manter distância. 

Emily suspirou. 

— Mas é por uma boa causa! 

— Qual?

— A redenção dela.

Eric riu. 

— Desculpa, querida. Acho que sua fé tá muito alta pra mim, não consigo te alcançar. — E soltou um suspiro. — Mas, se for por você, eu faço. Pode me envolver no planejamento, sou ótimo com organização de dados. Posso fazer umas listas, uns grupos, ajudar a comprar as coisas. Só não sou bom com decoração.

— Ah, essa parte a gente deixa com Mikaela, já que ela conhece a Victória tão bem. — Ela tocou sua mão. — Nossa, agora tô tão animada! Já tenho um monte de ideias…

No dia seguinte, Emily apresentou a ideia para Monique e ela não pareceu muito animada.

— O pai dela faleceu nessa data — comentou. — Minha filha sempre fica esquisita nessa época. 

— Caramba, então deixa pra lá. 

Quando Emily conversou com Mikaela para falar que a festa não era uma boa ideia, a menina disse, numa mensagem de áudio:

— Sei que não parece legal, mas me escuta. Antes da minha amizade com ela acabar, conversamos algumas vezes sobre isso e ela mesma me falou com todas as letras que gostaria de uma festinha esse ano. Ao mesmo tempo, ela ficou super insegura, porque só tinha eu de amiga, né? Ela sempre teve um medo bobo de tentar dar uma festa e ninguém aparecer por causa das coisas que ela faz na escola. Aí, tipo… tenho certeza que ela vai amar uma festa surpresa. Porque ela vai perceber que as pessoas não a odeiam tanto quanto parece. Vai por mim, Emily. 

Quando a garota mostrou o áudio para Monique, a mulher achou os argumentos de Mikaela válidos e concordou com a festa surpresa, na esperança de que a filha finalmente começasse a mudar. 

Logo, Emily começou os planejamentos da festa. Fez um grupo no whatsapp e delegou tarefas para seus amigos. Mal podia esperar para ver seus planos em prática.

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