A Vilã

Um coração envenenado

Victória desceu todas as escadas da escola correndo, como quem foge da polícia. Parou no térreo, só para recobrar o fôlego, e foi para o jardim dos fundos, sentido oeste. A verdade é que se houvesse um subsolo, ela desceria até lá. Esconderia-se de todos e poderia remover um pouco a máscara de Maligna para ser apenas… ela. 

Porém, a garota caminhou pelo jardim até o único carvalho presente, próximo ao muro branco da escola. Escondeu-se atrás da árvore e se deixou cair no chão, abraçando os joelhos. Alguns minutos passaram e sua respiração não voltou ao normal. Mas agora o motivo era outro. Nada tinha a ver com a corrida até lá embaixo. Tudo tinha a ver com a conversa que ouviu entre Emily e Mikaela, quando estava prestes a entrar no banheiro. 

Victória levou as mãos ao chão e começou a arrancar a grama. Duas coisas estavam muito claras em sua mente. Primeiro: Mikaela era uma falsa. Segundo: Havia a possibilidade de Emily e Eric ficarem juntos. 

Não queria discorrer muito sobre sua ex melhor amiga. Afinal, ela sabia que humilhou Mikaela em público, tocando em um de seus pontos fracos. Passara anos ouvindo sobre suas inseguranças em relação ao próprio peso, por mais que a menina nunca tenha sido obesa. De qualquer forma, Victória não entendia como Emily conseguiu entrar na mente da garota tão rápido, a ponto de fazê-la desejar ter contato com outras pessoas e se tornar alguém legal. Que tipo de lavagem cerebral era aquela? 

Ouvir Mikaela fazendo planos para unir Emily e Eric soava como uma punhalada em suas costas. Uma coisa era ambas não serem mais amigas, outra era a garota começar a tramar contra ela! Elas tinham uma história!

Victória conhecera Mikaela quando tinha acabado de se mudar para São Paulo. Estava numa cidade nova, escola nova e com o trauma de ter perdido sua melhor amiga de infância. Por um momento, achara que nunca mais faria amigos de novo. Quando Mikaela surgiu, Victória agarrou-se a ela como se dependesse da menina para voltar a respirar. Passaram longos anos frequentando a casa da uma outra (antes dos boatos), fazendo festinhas do pijama e compartilhando confidências. Até hoje, Victória lembrava o nome do primeiro garoto com quem sua amiga ficara: Maycon. Lembrava de acobertar a garota toda vez que ela inventava de ficar com alguém. Houve uma época que elas colocariam as duas mãos no fogo uma pela outra. As pessoas até achavam que eram irmãs de outras mães e elas se viam assim. 

As coisas ficaram um pouco diferentes quando o pai de Victória falecera. Toda energia e sanidade abandonaram a garota e só lhe restara um coração oco por dentro, como a carcaça de um animal morto. Victória passara dias se afastando da sociedade e, mesmo assim, Mikaela insistira em ficar ao seu lado. A menina aguentara suas explosões repentinas de raiva, as crises de choro e as fugas de casa. Mikaela estivera ao seu lado mesmo quando todos se voltaram contra ela por causa do boato. Mesmo com toda a má reputação que foi construída em torno dela, ela permanecera. Nada parecia capaz de abalar essa amizade.

Então, era perfeitamente compreensível que Victória tivesse surtado ao ver Mikaela tentar se desfazer dela para andar com Emily. 

Francamente, Victória pensava ter lhe feito um favor! De agora em diante, talvez as pessoas tivessem pena de Mikaela, por causa do constrangimento que ela a fez passar. Com isso, esqueceriam que Mikaela era sua cúmplice e passariam a vê-la como mais uma vítima da Maligna. 

Victória respirou fundo e concluiu que não ficaria parada. Se Eric e Emily pensavam que ficariam juntos, estavam enganados. Decidiu que estava na hora de colocar as garras para fora e explicar para a prima quem é que mandava em tudo. 

Você ainda não viu nada, Emily, pensou, o coração envenenado pela ira. Não sabe como posso ser ruim pra você… 

💄