Os dedos de Victória percorreram as lombadas de todos os livros das prateleiras, na seção de terror e thriller, na biblioteca da escola Enricco Madeira. Enquanto isso, mantinha os olhos fixos na seção de fantasia. Caminhava lentamente, como um gato desfilando pela própria casa. Não apressaria os passos enquanto Eric não o fizesse primeiro. Fez uma parada pelo caminho assim que o rapaz parou de andar. Ele esticou o braço e pegou um livro no topo da prateleira. Victória não fazia ideia do conteúdo, mas aproveitou a oportunidade para observar as costas largas do garoto. Concluiu que ele ficava bem em blusas de manga longa, feitas com malha azuis como o entardecer e calça cargo branca. Ela nunca conseguia usar calças da mesma cor sem enchê-las de manchas.
Eric deu alguns passos adiante, o rosto bronzeado enfiado no livro. Ficou tão entretido que sequer percebeu que a garota o observava. De certa forma, era melhor assim. Victória odiaria que ele erguesse o rosto e a visse. Não queria ser flagrada.
Ambos chegaram ao fim dos corredores ao mesmo tempo, mas ela endireitou a postura e fingiu que não o viu. Seguiu caminho passando entre as mesas redondas de madeira até chegar em seu lugar de sempre, perto da janela pivotante. Sentou-se numa cadeira e abriu o livro que estava segurando. Leu por cinco minutos e ergueu a cabeça. Os olhos foram diretamente para onde Eric estava sentado. A única mesa da biblioteca que estava localizada no exato lado oposto à dela. Victória sempre achava esse fato bizarro. Olhava para outras mesas e as via de forma tão desorganizadas e desproporcionais que ainda não acreditava no fato de sua mesa ser tão simétrica com a de Eric.
Quando os olhos de Victória voltaram para as páginas do livro, perdeu-se dentro dele. Todas as pessoas e coisas ao redor não existiam mais e ela vivia uma história cheia de guerreiros e fadas até a mão súbita e inesperada de sua melhor amiga fechar o livro com força, obrigando-a a erguer os olhos do papel.
— Ei, você ficou surda? — Mikaela perguntou. — Fiquei te chamando, mas não posso gritar aqui, né?
Victória deu um sorriso forçado, estreitando os olhos.
— Feche o livro na minha cara outra vez e eu acabo com você. Aliás, não deveria nem estar aqui. Você sabe que meus momentos de intervalo na biblioteca são sagrados. Nunca mais interrompa minha leitura, sua estúpida — disse a garota, com rispidez.
A amiga sentiu suas palavras no coração. Quis sair correndo e chorar, mas sabia que Victória tratava a todos assim. Não era novidade. Então, olhou para a mesa de Eric e sorriu fracamente para a garota depois.
— Vic, já faz dois anos.
Ela estreitou as sobrancelhas grossas.
— O quê?
Mikaela suspirou, puxou uma cadeira e se sentou ao lado dela.
— Dois anos que você se afunda nesse lugar e fica olhando pro Sr. Bonitão ali. — Apontou para Eric com a cabeça — Essa sua obsessão tem que acabar, é doentio.
— Não venho aqui por ele. O fato de coexistirmos no mesmo lugar é uma mera coincidência.
— Quase nunca passamos o intervalo juntas, só quando você tá com muita fome e resolve pegar comida na cantina. Por que não lê seus livros em casa? Não sei se você sabe, mas é possível fazer um cadastro na biblioteca e pegar um livro por alguns dias.
Victória suspirou.
— Por acaso você tá carente? Por que precisa viver colada em mim?
— A gente só se vê na escola ou quando vou na sua casa, o que já é raro, porque preciso mentir pros meus pais. Você sabe que eles te odeiam desde que ficou famosa na escola. — Diziam as más línguas que Victória fora vista dando risada no velório do próprio pai e que teria ficado feliz com a morte dele. Ninguém sabia quem espalhou essa informação para toda a escola. Poderia ser tanta gente, uma vez que Joaquim fora um homem tão popular que tivera amizade com os pais de vários alunos e professores. Logo, o dia de sua morte fora uma das mais tristes e muita gente da escola comparecera ao velório.
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A Vilã
Fiksi RemajaVictória tinha tudo o que uma garota poderia querer: uma péssima relação com a mãe, uma péssima reputação na escola, um amor platônico por alguém que nunca olharia para ela, uma melhor amiga que sempre a colocava para baixo e um monte de traumas. Ou...