Cap. 52 Sombras do passado

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Fiz questão de dormir longe do Erick, ele sem saber o que fazer não se aproximou mais de mim. Sei que ficou muito chateado, mas evitei olhar para ele com medo de que percebesse em meu olhar o real motivo do meu comportamento. Sempre que meu pai me batia eu ficava mais agressiva e se o Erick ainda lembrar disso vai saber o que aconteceu. Passei quase a noite toda em claro, intercalando entre ficar acordada e ter pesadelos. As poucas horas que dormi tive os piores pesadelos, num deles vi a sombra do meu pai na porta do meu quarto, como tantas vezes já aconteceu. Perdi a conta de quantas vezes fui acordada por um pai bêbado que batia sem pena, sem motivo. Com o tempo você descobre que dormir não é seguro, que os monstros atacam à noite, meu pai quase nunca batia pela manhã, normalmente era a hora que ele nos olhava com arrependimento, manhã e tarde eram os nossos únicos momentos de paz. Você aprende a odiar a noite quando sabe que elas são sempre inseguras.

Choro com medo do que pode estar acontecendo com minha mãe agora, a noite é insegura para todos e não só para uma criança desprotegida que busca numa boneca de pano conforto para o corpo dolorido. Tenho vontade de ligar, mas talvez ele esteja dormindo e não quero acordá-lo, minha mãe merece ao menos uma noite tranquila. Náo entendo como ela consegue dormir ao lado dele, quando eu não conseguia se quer dormir no quarto ao lado.

A noite se torna longa, sinto meus lábios doloridos, meus olhos ardem devido ao longo tempo que passei chorando. Não consigo evitar as lágrimas que teimam em cair, olho para a porta e meu corpo treme, em minha mente posso ver a sombra do meu pai, quero trancar a porta, mas a cama é o único lugar seguro. O Erick dorme tranquilo ao meu lado e isso me conforta, de alguma forma olhar para ele me faz acreditar que é seguro estar aqui. Com o corpo tremendo dez vezes mais levanto e tranco a porta, mas ainda não me sinto segura. Destranco a porta e percorro toda a casa para ter certeza de que estamos sozinhos. A cada porta, cada passagem de um cômodo a outro vejo a sombra do monstro, tenho vontade de gritar, mas sei não saberia explicar ao Erick o motivo do meu medo. Confiro a casa toda, inclusive o jardim e a piscina, meu corpo está gelado, a noite está fria. Fico na sala até que meu corpo retome a temperatura para poder deitar ao lado do Erick sem acordá-lo. As lágrimas rolam compulsivas pelo meu rosto, vejo o monstro em todos os lugares, mesmo sabendo que aqui ele vive só nas minhas lembranças.

Volto para o quarto e tranco a porta, giro a chave até não virar mais, minha vontade é colocar a cama encostada na porta para ter certeza que não vai abrir, mas todas as minhas possibilidades são inúteis, ele vai entrar, quando eu dormir ele vai entrar. Ele não entra pela porta e sim pela minha cabeça, me esforço em não dormir, quero deixar todas as portas trancadas para ele hoje. Pego no armário a boneca de pano que a Paulinha me deu na minha festa de quinze anos, me agarro a ela e luto contra o sono, mas com o corpo já exausto adormeço, deixando aberta a última porta e ele entra.

Erick

Acordei com a porta do quarto trancada, a Érin dormia agarrada a boneca de pano que a muito não a via tocar. A Érin tinha uma expressão cansada, seu sono parecia pesado. Ainda era cedo, fiquei um tempo sentado na cama, pensando no que aconteceu a noite. Não entendo o que fiz de errado para a Érin agir daquele jeito, sempre que chego e ela já está deitada faço a mesma coisa, abraço, faço carinho, beijo, digo que a amo, não entendo o porque de tal reação.

Como ainda é cedo resolvo preparar o café antes de tomar meu banho. Quem sabe com um café da manhã na cama a Érin melhore o humor. Assim que girei a chave na fechadura a Érin acordou assustada. Me olhava completamente fora de órbita, o sono se quer era visível em seu rosto, os olhos arregalados, o corpo todo tremendo. Me olhava como se visse outra pessoa, sua expressão era de medo, alguma coisa havia mudado na menina que dormia comigo. Sua aparência cansada, exausta de lutar contra algo que eu não sei o que é.

Entre o amor e a vingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora