Cap. 14 O que esperar da vida

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Acordei mais cedo que o normal, a noite foi horrível, os pesadelos de antes me assombraram a madrugada inteira. Acordei antes do sol nascer, acordei sentindo dor nos rins e na costela, sei que está marcado e por isso eu choro. Hoje em especial a dor não é no corpo, doi na alma saber que toda a dor é causada por um amor não correspondido. Hoje não quero sair da cama, não quero fingir que está tudo bem e que eu perdôo o meu pai, porque eu não o perdôo. As suas palavras ainda ecoam no vazio da minha mente, o Erick não esta aqui para me defender e ha muito tempo que ele não esta.

No silêncio de um dia que amanhece solitário fico de baixo do cobertor pensando em tudo o que vivi, pensando em como sera o meu futuro. Não quero apodrecer ao lado de um homem que não me ama, eu já apodreci antes e sei o quanto é doloroso. Não quero viver esse dia outra vez. Com o tempo aprendi que nem todas as feridas são curáveis, com o tempo você perde a capacidade de amar, e talvez por isso eu nunca tenha sentido vontade de estar com nenhum outro homem. Fecho os olhos e me pego pensando naquela tarde no estacionamento, tanto homem no mundo e que tinha que ser ele a despertar esse desejo em mim? Não quero ser beijada por ele, não quero ser tocada por ele, mas o que esperar desse casamento?

Meu corpo gela só por pensar na possibilidade de que um dia eu tenha que me entregar a ele. Não bastasse tudo de ruim, ele volta dez anos depois e tira a chance de um dia eu voltar a amar, talvez eu conhecesse outro homem e talvez eu me apaixonasse, mas estando casada como eu poderia viver esse amor? Tudo o que conheço é medo, é desprezo, e vivendo a seu lado sei que não terei chance de conhecer um sentimento bom. Se há algo que posso dizer é que os homens só me trazem sofrimentos.

Vejo o dia clarear, sinto dores ao me mover na cama e tenho medo de sair do quarto. Logo cedo ouço o barulho do carro do meu pai, cada vez mais distante o barulho do motor indica que ele não esta mais em casa. Mesmo assim não quero sair, não quero os olhares piedosos da minha mãe, nem o sofrimento dela, sei que ela sofre e todos os dias eu sofro por não poder tirar ela dessa vida.

Quando o sol invade o meu quarto me levanto e fecho as cortinas, não quero contato com o mundo. Desligo o celular para ter a certeza de que ninguém vai me incomodar. Me sento na beira da cama e me faço a pergunta de sempre. Por que? Porque o meu pai me bate? por que a minha mãe não quis ir embora comigo? Por que o Erick não ficou e lutou por mim? São tantos os porquês.

Antes de morrer o meu irmão e eu planejavamos fugir de casa, ir para bem longe onde o meu pai não nos encontrasse e assim nos livrarmos das suas agressões. O Alex sempre me prometeu que quando ele fizesse dezoito anos nós iriamos fugir e eu contava os dias para o seu décimo oitavo aniversário. O Alex foi o melhor homem que eu conheci, mas três semanas antes de completar dezesseis anos o seu corpo foi encontrado sem vida próximo a plantação de café de uma fazenda vizinha, alguns dias depois um homem foi acusado de ter assassinado o meu irmão, tudo indicava ter sido um acidente, mas nunca foi provado a sua culpa. Anos mais tarde quando eu finalmente alcancei os dezoito anos e comecei a trabalhar, juntei silenciosamente as minhas economias para fugir com a minha mãe, mas assim que consegui dinheiro suficiente minha mãe me disse que ela não iria fugir comigo, que se eu quisesse eu poderia ir, mas que eu teria que ir sozinha e sei que ela sofre ate hoje por isso, por saber que eu fiquei por ela.

Por isso ela chora quando o meu pai me bate, ela chora quando eu não choro, ela chora quando meus olhos refletem ódio, ela chora quando eu não consigo ser forte. Todo dia seguinte as agressões são iguais, a minha mãe me olha com pena, ela me pede desculpa silenciosamente com o olhar e hoje não quero isso, estou sacrificando a minha vida para que ela possa continuar a viver com o monstro que ironicamente eu chamo de pai.

Sentada na cama eu choro as minhas dores, tiro o pijama e paro diante do espelho, vejo a minha própria imagem e sinto nojo, as costas e barriga com as manchas roxas das agressões. Mulher não foi feita pra isso, mulher não tem que apanhar, não tem que sofrer, mulher devia ser amada, devia sorrir todos os dias e é por isso que eu nunca deixei de sorrir. Ontem diante desse espelho eu ouvi as piores palavras do meu pai, eu não vou apodrecer ao lado do Erick, se eu não apodreci ao lado do meu pai, não vou deixar isso acontecer depois do casamento. Olho para a imagem no espelho e choro, não quero entrar na igreja com essas marcas, não quero sentir dor ao caminhar em direção ao altar. Como vou fazer para esconder as marcas do Erick? Não quero que ele me veja desse jeito, mas e se ele me obrigar, e se ele me forçar a ser sua mulher? Não quero me entregar para o Erick, mas e se não houver saída?

As lágrimas pesam nos meus olhos, novamente os porquês, por que o Erick esta fazendo isso comigo? Por que ele tinha que voltar? Eu já o havia esquecido, já não sofria a sua ausência, até porque depois de alguns anos o amor se desfaz em ódio. Quando você ama de mais uma pessoa e essa pessoa te machuca mais do que você é capaz de aguentar, você deixa de amar. Quando o meu pai me machuca eu sei me refazer, desde que me entendo por gente sei que o meu pai não me ama e então se tornou mais fácil entender o porque de suas agressões, mas quando o Erick foi embora eu não soube me refazer, como ate hoje não sei. Não há um porque, o único motivo é falta de amor, o Erick não me amava como eu o amava, por isso quando ele foi embora eu quis morrer, por isso eu nunca quis ser tocada por outro homem.

Quando depois daquele beijo, o Erick foi na minha casa pedir pedir permissão ao meu pai para namorar comigo, eu achei que o Erick me amava, alias eu tive certeza, ninguém nunca tinha enfrentado o meu pai por mim, a não ser o Alex, mas quando isso acontecia a gente apanhava dobrado e foi isso o que aconteceu com Erick. Eu apanhei dobrado. Eu lutei por nós dois, enfrentei o meu pai, lutei em vão porque o Erick foi embora...

Estou com vergonha da mulher no espelho, tão frágil e machucada por alguem que por ordem natural da vida deveria amá-la. Olho os hematomas e sinto vergonha, não quero me casar assim, não quero que o Erick me veja assim. Finalmente me desprendo da imagem no espelho e vou tomar banho, doi quando eu passo o sabonete, doi quando eu acaricio, doi até mesmo quando não doi. Depois do banho volto para a cama, ligo o ar condicionado e acabo dormindo.

Horas depois acordo e olho pela janela e sei que já é de tarde. O casamento é amanhã e sei que tenho que ligar o telefone para saber os detalhes. Ligo o celular e não há nenhuma mensagem, nem mesmo do Erick. Não que eu queira falar com ele, mas é preciso, enchi o peito de coragem e disquei o seu número, no terceiro toque ele atendeu.

- Oi princesa tudo bem? Que surpresa boa você me ligando.

- Oi Erick - a voz quase não quis sair, não quero falar com ele, é culpa dele tudo o que estou vivendo e tudo o que vivi nos últimos dez anos - eu queria saber como vai ser amanhã.

- Oh minha linda desculpe eu nem te avisei ne.

- Não me avisou o que?

- A cerimônia vai ser amanhã a noite, reservei um spa maravilhoso pra você, você vai passar o dia todo la, quero você bem relaxada a noite, ta tudo lindo amor, você vai adorar.

- Erick eu não quero nada disso.

- Oh minha linda dizem que o spa tem os melhores massagistas.

Só de ouvir falar em massagista meu corpo gela, não quero que ninguém me veja.

- Eu não quero spa!

- Mas minha linda..

- Erick eu não quero! - o interrompi - eu não vou pra spa nenhum. - decretei.

- Mas Érin você vai gostar.

- Erick por favor, deixa eu fazer as coisas do meu jeito. Só dessa vez.

- Eu quero que você esteja linda meu amor. - disse quase suplicando.

- Eu vou estar Erick, mas sem spa OK?

- Mas..

- Sem spa. Eu vou estar bonita pro casamento ate porque a Paulinha nunca vai deixar eu ficar feia amanhã.

Ouvi sua risada do outro lado da linha.

- Tudo bem, só esteja linda amanha.

- OK. - disse encerrando a ligação.

Após ter desligado o telefone voltei para os meus pensamentos. Como é possível que por poucos minutos eu tenha esquecido tudo o que me atormentava? Mas assim que desliguei voltei a minha antiga prisão. A pior coisa no mundo é ser prisioneiro da sua própria mente.

Passei o resto do dia no quarto. Só sai para comer alguma coisa quando a casa estava silenciosa e tive a certeza de que não havia ninguém em casa, depois voltei para o meu quarto e fiquei assistindo TV.

Quando a noite caiu e meu pai chegou em casa tive medo que ele viesse ao meu quarto e me agredisse novamente, mas ele não veio. Fiquei me perguntando o que eu devia esperar da vida.
Se nem o meu pai me amava, porque o Erick deveria ter amado?

Entre o amor e a vingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora