Aperto o botão deletar. Mais uma história jogada fora. Mais um mundo que não conseguiu ser finalizado. É sempre assim. Não é a primeira, nem segunda, quem dirá vigésima. Em todos esses anos tentando, nunca mais consegui criar algo que me agradasse. Falo certo, ME agradasse. Para o público, tudo que crio está bom. Ficam satisfeitos com pouco, veja só. Mas eu sou exigente. Talvez até perfeccionista.
Explico: meu primeiro livro publicado, Reviravoltas em Berlim, foi um sucesso absoluto. As filas nas livrarias não tinham fim, os estoques acabavam em questão de dias e, apesar da alegria me preencher, o corpo às vezes não resistia a tanto cansaço. Não sei dizer ao certo quanto tempo fiquei na lista dos mais vendidos. Provavelmente um ano ou mais. Foi um pouco questão de sorte, juro. Antes de Berlim ser lançado, eu já havia criado inúmeras histórias, apesar de ele ter sido o primeiro a ser publicado. Com a ajudinha de uma amiga revisora e um amigo editor de uma grande editora, Cloe e Henry ficaram imensamente conhecidos. Eu não acreditava que a história tinha tanto potencial assim, mas conquistou o coração de milhares de fãs. E, apesar de isso ter acontecido três anos atrás, eles ainda me adoram.
Com pena, digo eu. Esperam ansiosos por algo que essa modesta professora de português não acha suficiente para dar a eles. De vez em quando posto trechos de alguma criação na minha página, e eles, frívolos, derramam seu amor sobre mim. Sou feliz por esse carinho não ter acabado. Mas admito que só publicarei algo novo, ou a continuação desse casal tão querido, quando atingir o meu melhor.
Sou rigorosa, você já deve ter percebido. Mas penso eu que, com tantas histórias no mundo, como dar menos que o dobro da minha dedicação? Claro, tenho tempo para escrever. Claro, tenho técnica. Claro, tenho incentivadores. Mas não tenho imaginação. Acho que fui perdendo conforme os anos foram passando. Fui ficando cada vez mais casca grossa. Apesar de manter o bom humor e uma ironia saudável, esses elementos não são suficientes para obter sucesso.
Enfim, com o incentivo dos leitores, das ligações insistentes de amigos que acreditam em mim, e de alunos que anseiam sedentos lerem algo inédito, decidi passar as férias na praia. Desta vez sozinha. Em alguns anos estava acompanhada por alguém da família, algum namorado ou amigo. Mas este ano decidi, forte e corajosa, que a tal da grande história ficará pronta. Não sou infeliz na minha vida profissional, mas sempre achei mágico escrever. Inventar mundos e emocionar alguém que folheia páginas, é o maior dom que se pode conseguir. Escrever é um escape. Um caminho alternativo.
Admito que amo lecionar, ainda mais em Universidade, onde os mais jovens estão cheios de curiosidade extra acerca desse mundo. Eles, gloriosos dessa etapa, me animam cada dia mais e me fazem esquecer qualquer problema que apareça. Por isso, faço parte disso por eles. Quero motivá-los. Avante!
Mas hoje é o terceiro dia da viagem e não saíram nada além de parágrafos de diferentes personagens que não se ligam um ao outro. Às vezes, confirmo a teoria que abandonei o tiquinho de criatividade que sobrava para me agarrar à técnica. Culpa do Adam, aquele meu amigo editor, e Kristie, a revisora. Eles vivem dizendo que falta disciplina e auto crítica à maioria dos escritores que conhecem.
Conheço esses amigos há alguns anos. Fieis escudeiros, diria eu. Estudamos juntos, os três, do primeiro ao terceiro ano do ensino médio. Adam sempre foi muito focado e determinado. Também um ótimo piadista por paixão. Já a Kristie, sempre foi baladeira e sonhadora. Não a vi um dia sequer longe de algum texto. Eu, por outro lado, sempre fui descontraída e um pouco caseira. Desde criança agarrada aos livros. Acho que desde pequenos nossas paixões se mostram.
Confesso que boa parte do meu processo criativo parte da inveja. Leio obras incríveis, e por acaso ou ironia, desejei criar algo tão bom quanto. É simples: as palavras não fazem parte do que chamam de "dom". Por isso, faço a minha sorte e vou me virando. E é isso que pretendo fazer por aqui. Saio às ruas diariamente à procura de inspiração, pode ser que a encontre, num banco qualquer. Ou pode ser que parta de um detalhe, e eu crie toda uma loucura em cima. Quem sabe. De qualquer forma, parada não posso ficar. Só se for para escrever meu novo best-seller.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Na Sua Onda [COMPLETO] (Irmãos Soaint 1)
ChickLit📚 LIVRO 1 DA DUOLOGIA IRMÃOS SOAINT Flora é professora de português e escritora com um grande bloqueio criativo. Agora, três anos depois de lançar seu primeiro livro que se tornou best-seller, ela está passando as férias em sua casa no litoral com...