Capítulo 70

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O frio em minha barriga era permanente.

Havia enviado o livro para a editora na noite passada, que prometeu responder em até cinco dias. Um tempo recorde, mas como eu já era contratada da casa e tinha amigos lá dentro ansiosos para me ajudar, eles dariam a resposta o mais breve possível.

Passei a manhã colocando ordem na casa e tentando disfarçar a solidão. Era inevitável não pensar em Alek a cada cômodo que eu fazia limpeza, mas me mantive quietinha. Assim como ele, não enviei nenhuma mensagem nem pedido de socorro para alguém. Comentei brevemente com Anna sobre a situação e deixei o restante para que ela descobrisse com o irmão.

Aquele tempo seria bom para nós. Seria importante para que nos conscientizássemos de que eu tinha pouco tempo aqui e que poderíamos escolher tentar à distância, ou romper o relacionamento em minha partida. Eu ainda não sabia o que seria melhor. Claro que eu sabia o que queria, e isso era tê-lo comigo independente de tudo, mas nem sempre o que a gente deseja é o mais certo.

Por isso, me concentrei nas tarefas domésticas e não nos compromissos sentimentais. Limpei cada canto que não via um produto de limpeza há séculos, e me surpreendi com a rapidez que finalizei a casa. Havia passado poucas horas do almoço, e, faminta, fui me trocar para comer fora. Tinha muita dó de sujar o que já estava brilhando.

Com uma roupa leve e fones de ouvido no volume máximo, saí de casa ao som de Maria Gadú. Eu suava conforme caminhava e os versos me impactavam, me fazendo lembrar de Alek.

Ela cantava "Nada do que eu fui me veste agora, sou toda gota, que escorre livre pelo rosto, e só sossega quando encontra tua boca, e mesmo que em ti me perca, nunca mais serei aquela que se fez seca vendo a vida passar pela janela..." e me embalava com uma melodia que, ainda que mansa, fazia alvoroçar a saudade em meu peito.

Assim que cheguei à banca do Leo, sorri com as lembranças das visitas por lá. Desde minha última ida, parecia que havia se passado um século. Até mesmo Leo estava diferente. O ar quente do verão fazia isso com as pessoas.

— Flora! – Ele exclamou saindo de trás do balcão e me aconchegando em um abraço apertado. — Quanto tempo menina! – Ri com o elogio.

— Saudades, Leo! – Falei e logo nos desvencilhamos.

— Até parece que esqueceu dos amigos – Começou me olhando com um ar brincalhão.

— Só em outra vida – Disse rindo e me encostando no balcão de atendimento. Leo pegou uma água e me estendeu, fazendo matar minha sede.

— Como andam as coisas? Você está diferente – Disse me olhando de perto — Com ar de apaixonada... É aquele Alek? – Balancei com a cabeça rindo. Era incrível como ele fazia eu me sentir mais leve do que realmente estava.

— Estamos nos acertando aos poucos, Leo – Falei — Mas logo eu vou para casa, então não sei o que será de nós.

— Eu sei – Ele falou sério pegando em minha mão — Vão continuar juntos. Conheço aquele garoto há anos, e ele não vai desistir tão fácil. – Abri levemente a boca grudando os olhos em meu amigo.

— Por que não me disse antes? Que o conhecia, digo... – Sorrio constrangida.

— Você deveria conhecê-lo por si só. Lembra que perguntei o nome do rapaz por quem você estava brigando com a Jasmine? Então... – Leo sorriu com a maior cara de pau. Passados alguns segundos, gargalhamos com a lembrança da briga. Sentia tanta vergonha daquilo!

Conversamos por mais algum tempo até que, não aguentando mais a fome, decidi ir almoçar. Passei reto pelo restaurante em que dei a entrevista para Thomas – motivo pelo qual acabamos nos aproximando mais tarde. As lembranças faziam meu braço arrepiar só de pensar, e até achei que tivesse o visto longe. Chacoalhei a cabeça instantes depois, olhando com atenção e constatando que não era ele.

Talvez o medo se aproximasse mais vezes em momentos assim. Talvez eu piscasse e pensasse que estivesse vendo ele durante muito tempo ainda. Era horrível como meu coração acelerava descompassado só de pensar no que havia vivenciado. Thomas havia me levado ao limite, ao horror de pensar em ganhar algum outro "presente" e ao medo de confiar em alguém.

Deus, como as aparências enganavam nossos instintos! Em nossa primeira conversa, eu boba pensei que pudesse confiar nele e até mandei sms para o Liam brincando que eu poderia não  voltar mais, mas hoje, revendo os acontecimentos, poderia mesmo não ter voltado.

Thomas era do tipo louco, venenoso feito cobra que se aproxima de mansinho e se enrola sorrateiro. E estava solto por aí. Solto! Eu estremecia só de imaginar, mas tentava acreditar que meu irmão o encontraria – rezava por isso.

Mas tentei tirar aquilo da cabeça. Me concentrei nas melodias que escutava e na brisa do mar que me cercava. Caminhei por mais algum tempo até a fome retorcer meu estômago e eu parar para almoçar. Saboreei um prato leve e voltei logo para casa. 

Passei o dia tentando ocupar minha mente para que não pensasse em Alek e na saudade que sentia. Tentando não lembrar da vontade que tive de abraçá-lo ao ouvi-lo dizer que me amava. Céus, eu quase perdi o controle de mim ao ouvir aquilo... Mas estava tentando ser forte. Estava tentando dar um tempo a nós para que pudéssemos pensar com detalhes em tudo. Mas me perguntava a cada minuto até quando isso duraria.

 Mas me perguntava a cada minuto até quando isso duraria

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Na Sua Onda [COMPLETO] (Irmãos Soaint 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora