CAP 63 - Figurinha repetida não completa álbum

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 CAP 63 – Figurinha repetida não completa álbum

*BERNARDO*

Estou com a sensação desagradável de ter a retaguarda ameaçada por uma seringa invisível. Eu sei que não é uma expressão muito elegante, mas é a que melhor explica a tensão instantânea que se instalou no camarim, assim que o Poderoso Chefão entrou. Para alguém tão ocupado como ele, resolver dar as caras, e não enviar um de seus representantes como o de costume, significa que hoje o buraco será mais embaixo. Ou seja, qualquer movimento errado, e é espetada na certa. E como um cara muito bem resolvido a respeito das minhas preferências, eu não me sinto confortável em ter algo pontiagudo ameaçando a minha traseira. E como o resto da galera também está engolindo em seco, e acumulando algumas gostas de suor nas testas, vejo que não sou o único a se sentir assim.

A surpresa da visita inesperada, dedurada por nossos cumprimentos ansiosos e desajeitados, não dura por muito tempo. Em poucos instantes, o modo "vender o nosso peixe" é acionado.

Sorrisos simpáticos, piadas idiotas e a conversa fiada rolam soltas como se a nuvem de desconforto nunca tivesse pairado sobre nós. Em menos de 30 minutos o clima tenso dentro do camarim se transformou em descontração. Afinal, a visita ilustre do Chefão foi somente para desejar boa sorte a toda à equipe, e nada mais. Bem, pelo menos é isso que ele  fez questão de frisar a cada 5 minutos. No entanto, a experiência adquirida nesse tempo de banda, nos ensinou que sempre há algo por trás dos supostos gestos desinteressados dos figurões. Todo o tempo é tempo para os negócios.

— Então, rapazes. Hoje não será um grande dia somente para vocês.— O chefão anuncia como quem não quer nada, como se fosse um comentário qualquer. Mas não somos tão inocentes para cair nessa. 

Todo o tempo é tempo para fazer negócios.

— Sei que vocês estão numa correria nesses dias, e provavelmente não sabem da pequena mudança de última hora que foi feita no concerto de hoje a noite. -- Comenta despreocupado. Porém nós não compartilhamos  desse mesmo sentimento de tranquilidade.

Que mudanças são essas?

Como que sincronizados, os caras e eu olhamos na direção de Paulão, que esteve a maior parte da "venda do peixe" calado. O que é estranho. Já que foi justamente ele que nos treinou a arte de fazer sala. 

Meio que sentindo os nossos olhares confusos lhe queimarem a cabeça, o nosso empresário a ergue, abandonando os pensamentos que o fizeram deixar de cumprir uma prática tão importante para a sobrevivência nesse meio do entretenimento, como ele mesmo nos disse tantas vezes. 

— Vejo que minha visita não poderia ser em pior hora. Com certeza, você está cheio de coisas para resolver antes da apresentação, e eu aqui o monopolizando, não é mesmo? — O chefão conclui, se dirigindo a Paulão, quando finalmente percebe o seu distanciamento.

— Tudo bem, Senhor Xavier! Eu realmente tenho alguns últimos ajustes para inspecionar, mas não é nada que me impeça de parar por um instante. — Paulão sorri, receptivo, fazendo uso da tática que nos ensinou. 

— Fico lisonjeado por reservar um espaço em sua agenda para me receber, mas eu não quero segurá-lo mais. Por isso eu acho melhor pedir para que entrarem de uma vez, e assim  eu possa apresentá-los aos meninos. Afinal, não seria educado eles terem a sua estreia, abrindo o show da banda a qual não trocaram nem meias palavras, não é mesmo? 

"Eles?"

"Estreia?"

"Abertura?"

"Que história é essa?"

"Por que ninguém nos avisou nada antes?"

Essas são somente algumas das perguntas que bombardeiam a minha mente, e as do resto da galera. 

Amor à última vista Onde histórias criam vida. Descubra agora